09
Fev14
Uma Abelha na Chuva – Carlos de Oliveira
Catarina
Gostei muito de ler este livro, fez-me lembrar os que líamos nas aulas de português do liceu, mas sem a pressão dos testes e avaliações – super positivo! Deve ter feito parte, em alguma altura, do currículo académico porque tem umas notas escritas à mão sobre Neo-Realismo que tive de ir “googlar”, confesso a minha ignorância, talvez por ser das ciências, nunca tinha estudado este livro nem nenhum desta corrente literária. Peguei nele porque o vi numa estante de casa de mamãe e lembrei-me que alguém o tinha mencionado na Roda dos Livros.
Em resumo e o que temos é que ninguém é feliz nesta história.
Começamos por conhecer Álvaro Rodrigues Silvestre homem gordo, baixo de passo molengão é comerciante e lavrador que vai ao jornal da aldeia tentar colocar um anúncio: “Juro pela minha honra que tenho passado a vida a roubar ... Para alguma salvaguarda juro também que foi a instigações de D. Maria dos Prazeres Pessoa de Alva Sancho Silvestre minha mulher”
Confesso que ao início simpatizei com este senhor, pensamos “ui coitado! tem uma mulher que é uma megera” mas ao longo da história deixei de ter qualquer simpatia pelo gordo consumido pelo remorso, fraco, bêbado e cobarde.
A esposa, D. Maria dos Prazeres Pessoa de Alva Sancho Silvestre, é uma mulher altiva de olhos grandes e cabelos pretos, uma mulher esplêndida, fidalga.
Neste caso foi o contrário comecei por antipatizar à partida com a megera da D.Maria para depois perceber o seu azedume, justificado pelo facto de a família fidalga ter ficado pobre e o pai Pessoa, Alva e Sancho ter negociado o seu casamento com os Silvestres do Montouro, lavradores e comerciantes: sangue por dinheiro... Compra-se tanta coisa compre-se também a fidalguia. A azia da senhora é justificável quando se é dada para casar abaixo da condição social com um ignorante bêbado.
Temos também o Padre Abel porque não há livro tuga que não tenha um padre e a D. Violante “irmã” do padre. Irmã está entre “” porque ficamos na dúvida se são mesmo irmãos ou se são um casal, há falatórios na aldeia. Estes dois tal como o médico e a professora são presença assídua na casa dos Silvestre. D. Cláudia a professora, é a eterna namorada do Dr. Neto, frágil fisicamente e de espírito, tem medo de casar e medo de tudo em geral. O Dr. Neto é um homem bondoso que para além de ser médico “cultiva” abelhas, tem sífilis hereditária pelo que não quer ter filhos que possam ser como ele e daí o eterno namoro platónico com a D. Cláudia. É o responsável pela parte filosófica nos serões em casa dosSilvestre é ele que fala das abelhas: “vida e morte o que são? ... tomemos por exemplo as abelhas. Partir do simples para o complexo. Sabe-se que após a fecundação o destino dos machos é a morte. Ora, como fecundar é criar...”
Uma história dentro da história maior do Silvestre com a D. Maria dos Prazeres é a da Clara com o Jacinto, o cocheiro da casa dos Silvestre. Clara é a filha do Mestre António oleiro, cego, que quer casar a filha com um homem rico, lavrador com terras, para que tenham uma vida melhor - estamos a ver aqui um padrão de usar as filhas casadoiras para sair da miséria. Mestre António fica a saber que a filha anda enrolada com o cocheiro pelo Álvaro Silvestre e claro que daqui não sai coisa boa: “O seu cocheiro vai dançar na corda bamba, Álvaro Silvestre, aprender quantas cabaças de água são precisas para matar a sede no inferno”.
“Uma abelha na chuva” deve ser dos melhores títulos de livros de todos os tempos e a abelha na chuva deste livro é a Clara: “A abelha foi apanhada pela chuva: vergastadas, impulsos, fios do aguaceiro a enredá-la, golpes de vento aferirem-lhe o voo. Deu com as asas em terra e uma bátega mais forte espezinhou-a. Arrastou-se no saibro, debateu-se ainda, mas a voragem acabou por levá-la com as folhas mortas.”