Tardes de verão
Li muito durante a minha adolescência. Talvez pudesse ter lido "melhor" mas nos anos 90, numa aldeia perdida no meio da serra, o acesso a livros estava algo limitado. Nunca me faltaram, é preciso dizê-lo, mas não eram um bem a que pudesse aceder sem restrições. Por isso lia o que apanhava e relia os favoritos. E nas tardes intermináveis de verão, com demasiado calor para pôr o nariz na rua antes do final da tarde, com uma televisão reduzida aos 4 canais, sem praia perto, era nos livros que me perdia e me encontrava. Quando o tempo não era um factor, o tamanho do livro também não o era. Aliás, minto, não foram poucas as vezes em que escolhi um livro pelo seu tamanho. Um maior número de páginas prometia mais tempo comprometida com aquela gente, com aquela história. Hoje continuo a achar que a adolescência é a altura ideal para ler os calhamaços de que temos algum receio na idade adulta. Uma série de 10 livros não faz pestanejar alguém cuja ideia de finitude, de limitação, simplesmente não existe. Um clássico não assusta alguém que se acha capaz e vencer o mundo. E não há nenhum problema em não perceber tudo o que lá está escrito - é por nos atrevermos a ser mais do que somos que crescemos, que evoluímos, que descobrimos que somos mais, somos capazes de melhor do que aquilo que achávamos ser. Costumo dizer que não ter todos os que queria fez mais por mim "leitora" que se tivesse tido acesso ilimitado a livros. Sou completamente defensora do aborrecimento como estimulador da imaginação. Quando não nos apetece reler pela centésima vez o mesmo livro talvez estejamos mais dispostos a pegar naquele livro velho, que tem uma capa feia mas que sempre nos foi recomendado. Ler é também um acto de oportunidade.