A Guerra das Papoilas, de RF Kuang (cheio de spoilers)
Depois de lido Babel decidi que tinha que ler mais alguma coisa desta escritora. Decidi, por isso, ler o primeiro volume da trilogia das Papoilas (A Guerra das Papoilas). Tal como no caso de Babel, com o seu subtítulo "ou a necessidade de violência" (que também podia ser subtítulo deste volume), também aqui podemos perceber o que temos pela frente pela frase na primeira página do livro - A guerra não determina quem está certo. A guerra determina quem sobra.
Vamos por partes. worldbuilding e sistema de magia
Em qualquer livro de fantasia, o mundo em si e o sistema de magia são mais que apenas decoração. São personagens e das mais importantes. Nós, leitores de fantasia, queremos mundos em que consigamos acreditar e sistemas de magia que consigamos dissecar e defender. O worldbuilding deste livro não existe. Ok, há ali uns personagens secundários que são "ligeiramente" diferentes. Mas são tão pouco importantes neste livro e tão únicos que acabam por pouco ou nada contar (já lá volto). A própria escritora, num post seu do goodreads indica-nos que a inspiração para este livro (que escreveu em 3 meses) foi a segunda guerra sino-japonesa (nomeadamente o massacre de Nanquim). Bastou um bocadinho de pesquisa para perceber que "inspiração" talvez não seja a palavra certa e que pegar na realidade, mudar-lhe uns nomes e locais também não pode ser considerado worldbuilding.
A grande virtude deste livro foi chamar-me a atenção para esta guerra de que eu sabia tão pouco. Por outro lado isto não me parece apenas batota, parece-me uma banalização de tudo o que aconteceu.
Eu não tenho paciência para os romances "auschwitz qualquer coisa". Não tenho paciência para a romantização do holocausto nem para a sua banalização/normalização através do "sim, foi mau mas até no pior emerge o amor/o melhor do ser humano". Não é isso que Kuang aqui faz. Neste caso Kuang pega na história da guerra entre a China e o Japão e eleva a violência à sua completa desumanização. E um dos problemas é (depois de ter lido o Babel) ter reconhecido um padrão aqui.
Portanto, Kuang conta-nos a história da China com recurso ao xamanismo. Os nossos protagonistas entram em contacto com os seus deuses e o seu poder através de drogas. Ou através do ódio e do desejo de vingança e aí usam as drogas para fugir dos deuses. Enfim, não é o meu estilo de fantasia preferido.
Falemos agora dos nossos Xamãs. Podia ter sido um grupo engraçado, a ligação aos deuses, a encarnação desses deuses, podia ter apresentado uma série de histórias secundárias engraçadas, interessantes, que nos fizessem criar empatia com os Cike. Mas não. Eles existem apenas e só para serem úteis à história da Rin. Todo o grupo é plano, acabam exactamente como começaram, chega a ser ridículo quando a Venka aparece apenas para contar a sua história. 2 páginas de uma total desumanização. Ser a Venka ou qualquer outra mulher é indiferente.
E por falar em mulheres. Uma das coisas que me incomodou logo no início deste livro foi a leveza com que Rin pede para lhe destruírem o útero (e isso é feito) assim que lhe aparece o período porque a incomoda enquanto aspirante a guerreira. Pensei, inocentemente, que aquele momento iria ser importante, o início de alguma coisa. Não é, é gratuito. Assim como é gratuita a auto-mutilação para chegar à excelência, a banalização do "a violência dele mostra que se preocupa comigo", etc, etc. Tanta, tanta coisa errada neste livro.
E a Rin. Nem tenho palavras. Não consegui estabelecer qualquer empatia com ela. Uma fedelha que faz tudo pelas razões erradas. As saudades que tenho da Vin.
Acho que é óbvio que não vou ler os próximos livros da série nem outros da escritora.