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Ler por aí

Ler por aí

11
Jun23

No Jardim do Ogre, de Leila Slimani

Patrícia

no jardim do ogre.jpeg

É difícil falar deste livro. Mas é um livro que merece ser falado, discutido. Sei que a maioria não concordará comigo mas gostei mais do No Jardim do Ogre que de Canção Doce. Se não leram, aconselho a que não continuem a ler este post, haverá certamente spoilers neste texto. Mas a sinopse tb revela muito, demasiado, acho. E não acreditem na frase que diz que isto é, no fundo, uma história de amor. Não é nada, é o contrário disso.

Esta é a história de duas pessoas infelizes, que tentam desesperadamente encaixar-se numa sociedade que não as aceita como são. Ou melhor, esta é a história de duas pessoas que não se aceitam como são e que vivem profundamente infelizes na sua própria pele. É-nos mais fácil (ou imaginar) os porquês da Adèle, de onde veio aquela falta de segurança, como amor e violência se misturaram naquela cabeça. Também nos é mais fácil criticar as atitudes de Adèle. E até mais fácil ter pena de Adèle. Mas Richard não é melhor que ela. Nada naquela casamento funciona, a começar pelo sexo e a passar por todas as outras coisas importantes numa relação. Aliás, nenhum dele devia estar numa relação. Ou melhor, qualquer deles poderia estar numa relação com alguém que quisesse o mesmo. Que compreendesse e aceitasse a necessidade de violência que Adèle sente. Que aceitasse a relação asséptica que Richard pretende. Que aceitasse a totoal ausência de sentimentos numa relação. Mas não podiam estar numa relação um com o outro.

Como habitualmente li algumas opiniões sobre este livro e sinto que não li as mesmas palavras que a maioria das pessoas. "Ninfomania", "Pulsão sexual", "Desejo". Não foi nada disso que aqui li. Não é um livro sobre desejo. Não é o prazer sexual que Adèle procura. Nem sequer é prazer que ela procura (antes fosse). Pulsão, sim, mas pouco sexual. A violência, a dor e, acima de tudo, a humilhação são a verdadeira pulsão. Procura-as como confirmação da opinião que tem de si mesma . Não consegui sequer achar que Adèle gostava de sexo. Talvez seja um lugar comum dizer que ela pretendia acima de tudo ser "vista" mas fiquei com essa sensação (aliás, quando é descoberta sente efectivamente alívio). Infelizmente para ambos, a raiva em Richard toma a forma de possessão. Uma das coisas que me impressionou foi que, quando descobre a traição, uma das primeiras frases que lhe sai é "nunca mais vês o teu filho, vou tirar-to". Tão típico. Tão verdadeiro. Tão triste. E o "perdão" vem com toda uma forma de tortura e violência mansa que me arrepiou. 

26
Set22

uma espécie de diário de férias e leituras

Patrícia

Os dias começam a ficar mais pequenos que as noites e as minhas férias de verão acabaram. Há anos que não tinha férias, férias, mas este ano vinguei-me e consegui tirar uns dias para não fazer mais que ler e mergulhar quando o calor se tornava mesmo insuportável. Nas duas semanas intercaladas que tirei consegui ler vários e bons livros. Eu sei que ando muito preguiçosa para escrever opiniões e de todos só o Velhos Lobos teve direito a opinião a solo mas as leituras foram bastante interessantes.

Neste verão (com uma grande ajuda das férias mas não só) li o Chamavam-lhe Grace, da Margaret Atwood, onde a questão "será que Grace é culpada?" nos acompanha da primeira à última página já que conhecemos a história pela própria, sabendo apenas o que ela nos quer contar, e por olhos exteriores aos acontecimentos. É bom quando um livro não nos faz a papinha toda, nos obriga a pensar e nos relembra que é perigoso ter apenas certezas. Num contraponto, precisamente porque considero que nos levou pela mão, está o Canção Doce, da Leila  Slimani. Talvez lhe tenha pegado com demasiadas expectativas mas sinto que se a estrutura do livro não fosse assim, com o fim contado logo de início, a história não teria resultado. Ao contrário do Chamavam-lhe Grace, que aposta na indecisão do desconhecimento, na incerteza que acompanha todos os acontecimentos que não são testemunhados em primeira mão, este Canção Doce, opta por conduzir o leitor, migalha a migalha, apesar de sabermos exactamente o caminho. Não me conquistou.

Depois da depressão que foi o Canção Doce, li um livro fofinho e divertido, Lições de Química, de Bonnie Garmus, que vale pela leveza e sorriso  com que nos deixa.  E pelo Seis e meia. Conta a história de uma mulher que, se não é do seu tempo é certamente do nosso.

O livro da Paulina Chiziane que escolhi para este verão, Niketche, uma história de poligamia é, como já esperava, uma maravilha. Esta mulher escreve maravilhosamente e vou querer ler e ter todos os seus livros na minha estante. 

Culpa de Jeff Abbott foi um livro de circunstância. O meu marido começou a lê-lo, não gostou e eu quis perceber porquê. Tem vários clichés e alguma previsibilidade mas lê-se bem. Conta a história de uma miúda que não se consegue lembrar o que aconteceu no acidente que vitimou o seu melhor amigo e que vive com a culpa de ter sido a culpada da sua morte.

Olho da rua, da Dulce Garcia, não me encheu as medidas. Não consegui sentir empatia com nenhum dos personagens (o que, no caso, me parece uma boa coisa) e isso fez-me falta. Demasiado ressentimento por ali. E sim, talvez essa parte seja o verdadeiro reflexo da sociedade mas ainda quero acreditar que não.

A noiva cigana, de Carmen Mola (um pseudónimo Agustín Martínez, Jorge Diaz e Antonio Mercero), surpeendeu-me... não fazia ideia de que se tratada de um policial. É um bom livro, dentro do género.

Um tempo a fingir, do João Pinto Coelho (já sabem que está quase aí novo livro do escritor?) foi uma leitura de impulso. Eu gosto bastante dos livros deste escritor e sei que, mais tarde ou mais cedo, vou lê-los todos. Estava na praia a falar de livros com o meu primo e a namorada dele e falei-lhes do Sarah Gross e foi essa conversa que me levou a começar o Um tempo a fingir. Curiosamente, ainda não o tinha acabado quando fui à feira do livro ouvir o escritor numa conversa muito interessante com o João de Melo (que contou o final do livro mas eu perdoo-lhe o spoiler) sobre a linguagem quando se escreve de dentro ou de fora de uma história. O tempo a ouvi-los foi um ponto alto do meu verão. Hoje este livro ganha especial relevância porque Itália resolveu escolher dar a vitória ao partido de extrema-direita mostrando-nos o quão pouco aprendemos com a história. 

Uma das coisas que foi falada na conversa de JPC com JM foi o quão era difícil, através da linguagem, transmitir determinadas sensações. Dizia, e bem, o JPC que "todos já tivemos frio mas que, no contexto de um campo de concentração, frio é um conceito muito diferente deste que sentimos. Frio é uma coisa e aquele frio é outra completamente diferente". A literatura tem um papel fundamental na memória dos povos mas também tem o poder de suavizar determinados acontecimentos. A literatura ganhou o hábito de nos contar o holocausto de uma forma romantizada, levezinha, assim uma espécie de versão light para gente sensível e isso é coisa que me enerva solenemente.

Foi  por causa de uma conversa com as meninas da Roda dos Livros que peguei no A balada de Adam Henry, de Ian McEwan  um livro que nos conta a história de Fiona, uma juíza a quem cabe decidir se os pais de Adam têm o direito de,  de acordo com os costumes da sua religião, impedirem que um miúdo de 17 anos receba a transfusão de sangue que lhe pode salvar a vida. Um livraço.

Trouxe da Feira do Livro o A ilha de Sukkwan, de David Vann, um dos livros mais sombrios, tristes, angustiantes que já li na vida. Não aconselho a almas sensíveis nem a mães/pais mais impressionáveis. Nem consigo falar muito disto. Acho que quando o fechei disse apenas uma palavra começada por F e fiquei por aí.

Depois deste livro tinha que ir para algo fofinho. Li o A casa do Mar Cerúleo, de T. J. Klune e, sinceramente, não fiquei fã. Eu sei, eu sei, que quase toda a gente amou. Se fosse um livro infantil eu até diria que sim, senhor, tinha o seu interesse. Mas não é um livro infantil (supostamente nem juvenil), até pela linguagem e estrutura e, como tal, achei fraquinho. 

O telescópio de Âmbar, o terceiro volume da sério Mundos Paralelos de Philip Pullman, foi uma releitura de que gostei muito. Tenho tanta pena de não ter lido esta série na minha adolescência. Quero ler o O livro do pó e precisava recordar a história. Além disso estive a ver há pouco a série Mundos Paralelos (HBO) e apeteceu-me reler o terceiro volume já que a série termina no segundo.

Finalmente li o A boneca de Kokoschka do Afonso Cruz. Gostei bastante apesar de ter, como de costume, sentimentos contraditórios com os livros do AC. Ele escreve de forma demasiado bonita coisas muito feias. É um livro cheio de frases sublinháveis e a edição que eu tenho é extremamente bonita enquanto objecto.

O último livro de que vos falo hoje é fraquinho mas tenho por ele um carinho especial. Chama-se A máquina do Tempo Acidental e é de Joe Haldeman. No outro dia foram pôr lá na aldeia uma daquelas caixas de livros "leve, leia, devolva" e eu fiquei, obviamente, deliciada (hei-de escrever um post só sobre isto). Fui lá logo enfiar o nariz e fiz questão de trazer um livro para ler. Este foi o escolhido. Li-o num instante, é uma ficção cientifica levezinha e sem grande história mas espero que cumpra o seu propósito ali - fazer com que mais pessoas naquela aldeia leiam. Escuso de vos dizer que lá deixei alguns livros :) mas a caixa é nova e não estava bem composta. Agora está. 

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