Revolução, de Hugo Gonçalves
Não é fácil falar, quanto mais escrever, sobre o PREC. A verdade é que o período entre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975 é pouco falado, pouco discutido, quer nas escolas quer na sociedade. Temos muito orgulho na nossa revolução pacífica e insistimos em esquecer todos os acontecimentos que não encaixam na narrativa da “revolução dos cravos”. O tema do retorno das ex-colónias ainda vai sendo abordado, geralmente na primeira pessoa, pelas crianças que o viveram e que hoje são homens e mulheres e sentem necessidade de processar e partilhar o assunto, mas o PREC tem ficado bastante esquecido, pelo menos em determinadas partes da sociedade. E, no entanto, foi há tão pouco tempo. Aquele tempo é também parte de nós e tem reflexos na sociedade actual, como não podia deixar de ser,
Pela coragem de abordar o assunto num livro como este, o Hugo Gonçalves está de parabéns. É um livro importante.
Para além de ser um livro importante pelo assunto (acho que até lhe posso chamar protagonista) principal, é também um livro com uma história bastante interessante. Ao longos destas páginas, que se leem muito rapidamente, seguimos a dinâmica familiar dos Storm. Uma família peculiar, com a matriarca Antónia, mãe solteira que casa com um filho de piloto alemão que se despenhou em Portugal na segunda guerra mundial e uma portuguesa, e os seus filhos, Maria Luísa, Frederico e Pureza. Este também é um livro sobre o equilíbrio necessário entre o amor fraternal e o antagonismo das ideias ideológicas.
Gostei de conhecer todos os imperfeitos protagonistas deste livro. A destemida, corajosa e tenaz Malú, que nos faz pensar se os fins justificam os meios e no que é realmente importante. O incompreendido, sensível, inteligente Frederico, que é sinónimo de desperdício e tão típico dos anos 80 (quem não conheceu vários Fredericos?). E que serve de alerta para a actualidade. Pelo que vemos por aí, não são tempos passados. A Pureza, a corajosa Pureza, cujo arco é um dos mais interessantes. Tão errada, por vezes, tão certa, outras vezes. E Antónia, uma mãe portuguesa que só quer uma mesa sem lugares vazios.
Com revolução, terminei as leituras em 2023. É bom terminar o ano com um livro que podemos recomendar sem reservas.