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Ler por aí

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01
Jan24

Revolução, de Hugo Gonçalves

Patrícia

Revolução.jpg

Não é fácil falar, quanto mais escrever, sobre o PREC. A verdade é que o período entre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975 é pouco falado, pouco discutido, quer nas escolas quer na sociedade. Temos muito orgulho na nossa revolução pacífica e insistimos em esquecer todos os acontecimentos que não encaixam na narrativa da “revolução dos cravos”. O tema do retorno das ex-colónias ainda vai sendo abordado, geralmente na primeira pessoa, pelas crianças que o viveram e que hoje são homens e mulheres e sentem necessidade de processar e partilhar o assunto, mas o PREC tem ficado bastante esquecido, pelo menos em determinadas partes da sociedade. E, no entanto, foi há tão pouco tempo. Aquele tempo é também parte de nós e tem reflexos na sociedade actual, como não podia deixar de ser,

Pela coragem de abordar o assunto num livro como este, o Hugo Gonçalves está de parabéns. É um livro importante.

Para além de ser um livro importante pelo assunto (acho que até lhe posso chamar protagonista) principal, é também um livro com uma história bastante interessante. Ao longos destas páginas, que se leem muito rapidamente, seguimos a dinâmica familiar dos Storm. Uma família peculiar, com a matriarca Antónia, mãe solteira que casa com um filho de piloto alemão que se despenhou em Portugal na segunda guerra mundial e uma portuguesa, e os seus filhos, Maria Luísa, Frederico e Pureza. Este também é um livro sobre o equilíbrio necessário entre o amor fraternal e o antagonismo das ideias ideológicas.

Gostei de conhecer todos os imperfeitos protagonistas deste livro. A destemida, corajosa e tenaz Malú, que nos faz pensar se os fins justificam os meios e no que é realmente importante. O incompreendido, sensível, inteligente Frederico, que é sinónimo de desperdício e tão típico dos anos 80 (quem não conheceu vários Fredericos?). E que serve de alerta para a actualidade. Pelo que vemos por aí, não são tempos passados. A Pureza, a corajosa Pureza, cujo arco é um dos mais interessantes. Tão errada, por vezes, tão certa, outras vezes. E Antónia, uma mãe portuguesa que só quer uma mesa sem lugares vazios.

Com revolução, terminei as leituras em 2023. É bom terminar o ano com um livro que podemos recomendar sem reservas.

25
Jul21

DEUS, PÁTRIA, FAMÍLIA, de Hugo Gonçalves

Patrícia

Deus, Pátria, Família.jpg

Um livro que recomendo sem reservas e de que gostei muito apesar de não o ter achado aquilo que prometia.

Em DEUS, PÁTRIA, FAMÍLIA, Hugo Gonçalves apresenta-nos um retrato bastante fiel de uma época (na realidade de mais que uma) e isso é algo de que precisamos na literatura portuguesa.

Também aposta em mostrar-nos uma alternativa à história como todos a conhecemos partindo da premissa de "e se Salazar tivesse morrido?". É uma ideia magnífica que gostaria de ter visto bastante mais desenvolvida mas como distopia não me convenceu, confesso. Na verdade, senti-me sempre no Portugal de Salazar (excepto talvez nas últimas páginas mas aí era tarde de mais, o worldbuilding não pode ser feito quando a história está a acabar). Para a história não incomodou, pelo contrário, uma vez que talvez  fosse uma distracção demasiado grande para a história em si.

Gostei dos personagens deste livro e preferia tê-los visto mais desenvolvidos e aprofundados. Ainda assim Luís Paixão Leal é um digno protagonista e a sua história, passada presente e quiçá futura é interessante. Os outros personagens, de Rebeca a Inácio Capote, passando pelos policias, pides e não pides, pelas prostitutas, criadas e afins, eram um leque bastante consistente. 

Não é possível ler este livro sem que nos apercebamos da crítica feroz que o escritor fez à religião (católica) em geral e ao fenómeno de Fátima em particular. Também por isso este livro vale a pena. Há que lhe tirar o chapéu, Hugo Gonçalves não é minimamente condescendente. 

Qualquer livro que não pretenda ser um manual histórico reflecte e obriga-nos a pensar no presente, na história que vivemos. E aqui não é possível deixar de pensar no poder de desvio que uma virgula na história tem, na força da manipulação de massas (chamo-lo muitas vezes, benignamente, de populismo, retirando-lhe quiçá parte do perigo) e no quão presente isto está no Portugal dos nossos dias.

24
Abr19

Filho da Mãe, de Hugo Gonçalves

Patrícia

Filho da Mãe.jpg

"Essa foi a minha identidade clandestina durante muitos anos. Se fazia novos amigos, evitava contar-lhes que ela morrera. Se as suas mães preparavam lanches ou os abraçavam, eu jamais revelava desencanto ou inveja, porque a ideia de ser solitário era o meu selo de singularidade"

 

 

Foi em Setembro de 91 que entrei para uma nova escola e que me esforcei muito para não ser "a miúda sem pai". Lembro-me do choque nos olhos de um dos meus melhores amigos quando, anos mais tarde, lhe disse - de forma bruta e aparentemente displicente - que o meu pai tinha morrido há anos.

Talvez não seja justo começar uma opinião sobre um livro a falar de mim, a escrever na primeira pessoa do singular, mas a verdade é que há livros com os quais nos identificamos de tal forma que temos, ao longo da leitura, de nos esforçar por reconhecer que o livro não foi escrito por nós, nem para nós, nem por ninguém que nos conhece. E quando isto acontece é muito difícil julgar o livro por algo mais que a nossa reacção a ele, que as nossas emoções quando o lemos. 

Por outro lado tenho sempre algum pejo em falar da vida dos outros e ler este livro - que foi tornado público por escolha do autor - fez-me sentir, repetidas vezes, que estava a imiscuir-me em algo que não devia... e eu tenho total noção que isso acontece porque a parte da minha vida onde estão os sentimentos, o medo, a tristeza, a raiva e as lágrimas é algo que protejo com unhas e dentes.

Acho que um escritor só o é, ou só o é na totalidade, quando tem alguma coisa para dizer, quando tem uma história para contar. Não acho que todos os escritores precisem fazer o que fez o Hugo Gonçalves mas acredito que, em cada livro que escrevem, põem um pouco (e tantas vezes mais do que apenas um pouco) de si. Imagino que não tenha sido fácil escrever e, acima de tudo, partilhar este livro. 

Há imensos livros, a maioria de psicólogos e psiquiatras, sobre o luto e mais especificamente, sobre o luto na infância. Esses livros serão óptimos para pais, professores e adultos. Têm zero importância para quem passa por isso. Imagino que haverá livros infantis que o expliquem, que tentem ajudar nessas situações. 

Mas ouvir na voz de outra pessoa aquilo que não podemos admitir a ninguém - "não me lembro da voz da minha mãe"  ou  "Eu sabia que ela ia morrer" talvez ajude mais que propriamente a infinidade de conselhos triviais e banalidade vazias com que, cheios de boa vontade, pena e superioridade, os adultos tentam ajudar as crianças. 

Não em interpretem mal, isto não é, nem pretende ser, um manual para ninguém. É apenas a história que o autor quis contar. Só que essa história cruza-se com a minha, com tantas outras histórias que nunca serão contadas.

 

meu-tempo-e-quando.html.jpg

Persistência da memória, de Salvador Dali

 

 

 

 

 

21
Nov15

O Caçador do Verão

Patrícia

 

 

O caçador do Verão.jpeg

 

É tão bom sentir-me em casa nas páginas de um livro. O meu Algarve, a minha serra, o meu concelho… as estevas, o medronho, as curvas da serra e o cheiro do mar*. Hugo Gonçalves fez-me voltar à infância em que ouvia contar a história dos irmão assassinos que comigo e com o político partilhavam o sobrenome. Tantas vezes ouvi falar daquela fuga da prisão... E assim, com laivos de verdade feita ficção vi-me transportada para a minha própria infância, para os meus próprios dramas, que me moldaram, obrigaram a crescer, me fizeram aquilo que sou hoje.

Não é imediata a cumplicidade com o protagonista deste romance, José, mas às tantas começamos (nós e ele, acho) a compreender melhor o que o motiva, o que o faz ser a pessoa que é.

O percurso de José, a sua relação com a família, dá o mote para esta história, para um regresso a um Verão marcante, em que miúdo é abandonado pela mãe, no meio da serra, ao cuidado de uma avó que mal conhece. Um Verão cheio de aventuras, de perguntas e de respostas (nem sempre as que mais gostaríamos), de saltos para o desconhecido e para o mar e de esperança...

 

Acabou por ser a escrita (rápida) e o facto de me ter identificado tanto com o local e a infância de José que me cativou. Inicialmente não fiquei agarrada à história, pouco me impediria de fechar o livro e continuar na minha vida. E no fim, quando tudo fez sentido, fiquei com pena de não ter sido mais espicaçada, de não ter sido obrigada a refletir nas escolhas e nas razões de José e do Avô. Ficou, na minha opinião, o mais interessante por explorar...

Mas ainda assim muito dá que pensar neste livro. O amor está no centro da vida. Mas como escolhemos quem amar? Como amamos os que temos obrigação de amar ou como deixamos de amar quem não nos merece? O que fazemos por amor? Como podemos deixar de fazer o que nos pede quem amamos?

Fiquei com vontade de ler mais deste escritor.

 

* quase perdoo ao escritor/editor/revisor ter deixado passar um “foi encontrado em Fonte Santa” em vez de “na Fonte Santa”. Tal como nenhum Algarvio diz “na Quarteira” (em vez de Em Quarteira), nenhum diz “em Fonte Santa”. Só me apetece revirar os olhos cada vez que ouço isto...

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