Uma pequena vida, de Hanya Yanagihara (com spoilers)
"Pornograficamente violento" foi das expressões que mais ouvi em relação a este livro, amado por tantos, odiado por outros. Eu não o achei pornograficamente violento, aviso desde já. Talvez usasse a expressão pornograficamente real. Eu sei, eu sei que é tão mais simpático ler histórias de sucesso, de superação, quase nos convencemos que somos, que devemos ser, sempre capazes de ultrapassar, de transformar a violência em amor e que até na mais negra das situações, a luz do ser humano brilha. Quem me conhece sabe o quanto abomino este tipo de romantização do mal que considero apenas servir para que estejamos confortáveis na nossa inacção. A literatura serve para incomodar, para nos fazer sentir desconfortáveis, para nos tirar da zona de conforto. E também para nos mostrar o quão feia é a humanidade. E só para acabar com a conversa do "isto é um exagero", deixo-vos um número: em 2022 o número de vítimas registadas de tráfico humano na UE foi de 10093 e a exploração sexual é a primeira das razões para o tráfico (na UE e registadas, imaginem no mundo e os números reais). E poderia estar aqui a falar de casos de violência doméstica até à eternidade. E sim, neste tipo de casos há a tendência a tudo acontecer a uma mesma pessoa. over and over again. E sim, é mais fácil acreditar que tudo acaba bem quando estas pessoas são salvas e ficam livres dos agressores do que passar 700 páginas a olhar e a remoer nas consequências a longo prazo de algumas situações. Também é mais fácil acreditar que basta querer para se ultrapassar a tristeza e depressão que por vezes temos dentro de nós. (e neste caso até é fácil acreditar que há razões para isso, justificar essa tristeza torna-se fácil, podíamos e devíamos olhar para os casos em que não há uma razão aparente mas ainda assim essa negritude é real e mortal).
Este livro não é perfeito. É-me difícil acreditar que todos os 4 amigos atingem o sucesso daquela forma, por exemplo. É-me difícil acreditar que ninguém desiste do Jude, é-me difícil acreditar que o Jude se consegue transformar naquela pessoa altruísta - eu sei que não conseguiria, etc, etc. Mas a escritora conseguiu levar-me a acreditar e a viver a angustia daquela pessoa. Eu já sabia que ia correr mal sempre que algo de bom acontecia. Consegui perceber o Jude de muitas formas. E todos os acontecimentos finais foram tão, mas tão previsíveis que talvez essa tenha sido a parte menos bem conseguida deste livro.
Gostei muito.