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Ler por aí

Ler por aí

04
Fev21

presente do indicativo

Patrícia

Nem todos os dias são dias fáceis.

Há dias em que a perspectiva de continuar assim durante tempo indeterminado é demasiado avassaladora para permitir que continue a sorrir e a fingir que está tudo bem, tudo óptimo e que nada disto me afecta muito. É verdade que na maioria dos dias, naqueles em que consigo pensar apenas no presente do indicativo, "tiro isto de letra" que é como quem diz, consigo perceber a sorte que tenho no meio desta merda toda (desculpem lá mas não me apetece chamar-lhe outra coisa). Mas hoje apetecia-me pensar no futuro, e já nem importa se era no futuro do presente do indicativo ou no condicional. Eu sei que o grande problema é que dormi pouco e tenho um sapo ainda para digerir e está a ser difícil e nestes dias só me apetecia fazer como o bicho da conta e enrolar-me numa bolinha pequenina.

Mas mesmo nos dias mais negros há coisas que nos fazem sorrir... como os bichinhos de conta. Não me lembro da última vez que vi um. Mas lembro-me da primeira. Era uma noite de verão e eu, com uns 4, 5 anos no máximo,  encontrei-o, enrolado numa bolinha. Peguei-lhe, fui a correr mostrar à minha mãe e, ao estender a mão, o bicho perdeu o medo e pôs-se a passear pela minha mão.

Não, não sorriam, que a história ainda não acabou.

Uma lagarta (com o bonito nome de bicho de conta) pôs-se a andar na minha mão e eu fiz aquilo que qualquer pessoa racional fazia perante tal ataque: atirei-o ao chão e pus-lhe um pé em cima.

Eu criei cães, gatos, pássaros, lagartixas, cágados, camaleões, ouriços e peixes; brinquei com ovelhas e cabras; apanhei gafanhotos, salvei várias aranhas, osgas e cobras, gosto de todos os animais excepto de lesmas (que são nojentas) mas, aos 5 anos, assassinei um bicho da conta porque ele me fez cócegas na mão. 

(afinal, pensar no pretérito perfeito também ajuda ...)

23
Jan21

Ler em pandemia

Patrícia

Não tem sido fácil ler nesta segunda pandemia. Falta-me o tempo, falta-me a vontade. E o dia parece nunca ter horas suficientes. É uma tolice porque quando finalmente páro, desligo da realidade, e começo a ler volto a ser eu e a sentir-me eu. Preciso arranjar formas de ler mais. Ler é, sempre foi, importante para o meu equilíbrio. Não é a questão de ler pouco ou muito, é mesmo uma questão de necessidade. Tudo fica um bocadinho melhor quando se lê.

15
Jan21

Assombrações

Patrícia

Esta noite acordei com um pesadelo. Já não me lembro bem (esta mania de alguns sonhos se desvanecerem é lixada) mas acordei com um aperto no peito bem meu conhecido. A verdade é que me lembro de ter pesadelos desde os meus 4/5 anos. Durante muitos anos o pesadelo era sempre o mesmo ou com as variações decorrentes da idade - porque a verdade é que esse sonho me acompanhou quase 30 anos, a uma média de 2/3 vezes por semana. Aliás, tenho 2 pesadelos-chave, um em que me morrem pessoas e outro em que estou perdida, a tentar chegar a qualquer lado e nunca consigo. Nunca me lembro de sonhar que estou a cair, coisa que parece ser bastante comum. Os meus pesadelos sempre reflectiram as minhas angústias e os meus medos e isso sempre foi bastante óbvio. Uma coisa engraçada é quando as pessoas dizem que não se sonha a cores. Quanto a vocês não sei mas os meus sonhos devem ser a cores. O pormenor da cor não costuma ser importante mas num pesadelo específico foi, metia um tractor amarelo e foi daqueles tão horríveis que nunca me esqueci. Desses horríveis, ainda mais horríveis que o normal, está aquele em que conduzia um carro, tive um acidente e na queda só conseguia pensar que tinha matado as pessoas que estavam comigo no carro ou o tal do tractor. Esta noite pus-me a pensar que, depois de alguns anos sem pesadelos dignos de nota, voltaram de mansinho para assombrar as minhas noites. 

08
Jan21

Vamos todos voltar a fazer pão

Patrícia

Também podia ter escolhido um "bora comprar papel higiénico?" mas há que manter o nível neste blog. Aqui não há açambarcadores de papel higiénico ou de outros bens de primeira necessidade.

continuando.

Isto está tudo a correr mal, as asneiras do mês de Dezembro estão a cair-nos em cima agora,  e vamos voltar todos para casa. Menos mal que está frio e até sabe bem ficar no sofá debaixo duma mantinha. A verdade é que o sacrifício que nos pedem é ficar em casa. Eu até percebo que algumas pessoas sofram um bocadinho com isso mas nós, leitores, rimo-nos, não é? 

Agora é diferente, já há vacina, é apenas uma questão de tempo. Portanto está na altura de pôr em dia as leituras e experimentar todas as receitas de pão.

Eu tive azar: não é que a máquina do pão, que me acompanha há tantos anos avariou ontem? Raios e coriscos!*

Lá vou ter que me tornar uma padeira um pouco mais tradicional e pôr, literalmente, a mão na massa. Depois conto-vos o resultado e que máquina comprei qdo chegar à conclusão que não tenho jeito para fazer pão como deve ser.

Alguns de vocês talvez não saibam mas a verdade é que sou uma esquisitinha com pão. Gosto imenso mas apenas e só do pão alentejano. Sou da serra algarvia, do sítio que tem o melhor pão do mundo, daquele feito com farinha a sério e que coze em forno de lenha. Além disso ainda me lembro do sabor e da consistência do pão amassado à mão - e tenho imensa saudade. Torradas de pão caseiro com doce de tomate é algo tão bom. Cheira a avó e sabe a saudade. Até fico com lágrimas nos olhos só de me lembrar. Mas adiante.

Pão. Fazer pão. Ficar em casa. Ler. protegermo-nos e protegermos os outros. Façamos de Janeiro um mês de esperança. 

 

04
Jan21

da normalidade e coisas que tal

Patrícia

São 19h05 do primeiro dia de "trabalho" do ano.

Há duas coisas "interessantes" nesta frase: a primeira é que eu escrevi sem pensar muito que hoje, dia 04 de Janeiro, foi o primeiro dia de trabalho do ano como se tudo o fiz nos últimos 3 dias não fosse "trabalho". Cozinhar não é trabalho, limpar não é trabalho, organizar não é trabalho, cuidar não é trabalho. É também minha (nossa) a culpa da desvalorização de todo o trabalho não-remunerado que fazemos como se fosse de somenos importância.

Adiante, talvez um dia volte ao tema mas não é bem disso que hoje vinha aqui falar.

Passemos para o segundo facto interessante da frase: são 19h05, acabei de trabalhar mas o meu horário de saída é às 18h. E garanto-vos que não me atrasei à entrada e que não tive um minuto livre no meu dia. E isto é "normal". É verdade que não costumo ter dias tão assoberbados (tive que fazer algum malabarismo mas acho que não deixei nada de urgente por tratar) e também é verdade que adoro o meu trabalho mas (e há sempre um "mas" quando paramos para pensar) a verdade é que deveria ter podido passar a última hora a ler se me tivesse apetecido e não o pude fazer. E devia ser possível acabar um dia de trabalho (especialmente depois de um fim de semana comprido) sem estar completamente estafada. 

O que me apetecia? estar relaxadamente a curtir a minha lareira e a ler o meu livro

Mas agora que acabei o "trabalho" preciso organizar roupa, fazer o jantar (mentira, na verdade preciso do ir comprar porque a lâmpada do candeeiro da cozinha fundiu e é daquelas compridas, precisa de 4 mãos, pelo que hoje é dia de take away) mas só consigo pensar em atirar-me para o sofá e fechar os olhos por 10 minutos. Só 10 minutos. 

02
Jan21

Chorar é subvalorizado

Patrícia

Sou uma chorona, essa é que é a verdade. Choro de irritação mas choro, especialmente, de (demasiada) emoção. Sou muitas vezes apanhada de surpresa, uma música, um reportagem com alguém a ter uma daquelas atitudes que nos renovam a crença na humanidade e dou por mim com a voz embargada e olhos aguados. E, acreditem, os dias em que isso acontece são dias bons. 

01
Jan21

Hoje a vida é discreta e não contínua

Patrícia

Gosto do silêncio cansado de dia 1 de Janeiro. Gosto da promessa de recomeço mesmo que saibamos que a vida não é discreta mas contínua. 

No primeiro dia do ano gosto de acordar cedo e ficar a curtir o silêncio, gosto de me enroscar nele e sentir-lhe a respiração pausada e o braço que, de forma inconsciente, me puxa para o calor do seu corpo. Gosto de me levantar primeiro que todos e ir à janela. Gosto de sentir o frio de Janeiro na cara enquanto bebo um café.

Gosto começar o ano com flores em casa. Gosto do silêncio deste dia. Gosto de saber que não preciso sair de casa, que posso deixar a vida lá fora mais umas horas e não me preocupar com isso. 

Gosto de agendas novas. Este ano optei por uma agenda "escolar" porque gosto do mês de Setembro e do início de uma nova etapa. Por isso este ano não vou ter uma agenda nova no dia 1 de Janeiro e tento convencer-me que  a continuidade é também uma coisa boa.

Não me apetece continuar a desejar "bom ano", acho que esgotei os "bom ano" que existiam em mim. O ano começou e será aquilo que cada um de nós fizer dele. Ou aquilo que a sorte e o acaso quiserem que seja. Não interessa, este ano continuarei a viver um dia de cada vez. A inevitabilidade tem-me caído em cima com demasiada regularidade.

Gosto de passar a tarde do primeiro dia do ano a ler e a dormir. Espero passar a tarde do primeiro dia do ano a ler e a dormir e continuar em silêncio. Gosto do silêncio acompanhado, que é aquele que tenho. Há silêncios que fazem doer a alma mas há aqueles que a aconchegam e é desses que este dia é feito.

Não houve passas, não houve desejos à meia-noite. Essa tradição sempre me pareceu tola. Até porque não gosto de passas e começar o ano a comer algo de que não gosto só porque alguém que gosta de passas decidiu que era tradição sempre me pareceu ... parvo. Por isso passei o Ano num abraço apertado, a ver fogos a encher o céu de cores (gostei da forma como, pelo menos por aqui, o fogo de artifício foi a forma como muitos decidiram ripostar e fazer um enorme #fuck2020) enquanto, na TV, o Drácula de Bram Stoker estava em pausa.

 

A ler: Rhythm of War, de Brandon Sanderson (11%)

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