As Primas, de Aurora Venturini
Nos primeiros capítulos, o choque e a estranheza. Foi bom ter começado a ler este livro às escuras, sem nada saber sobre ele.
(num aparte, acho que esta é a desvantagem de toda a informação/comunicação à volta dos livros, raramente nos surpreendemos, já sabemos pelo menos o que esperar daquele livro porque já lemos inúmeras opiniões, exactamente iguais a esta, e que, mesmo sem spoilers já nos prepararam, já criaram expectativas, já nos condicionaram a leitura. No fundo acontece o mesmo quando lemos um primeiro maravilhoso livro de um escritor – por muito bom que seja, nunca mais é como na primeira vez)
Dizia eu que primeiro foi o choque e a estranheza. Num tempo em que a linguagem é cada vez mais pensada, higienizada, tornada socialmente correcta e aceitável, temos neste livro o claro exemplo do poder da linguagem. O poder da linguagem. O poder da literatura. A forma como a literatura consegue fazer-nos sentir, como consegue fazer-nos visualizar, como nos transmite tanto a beleza como a repulsa. Posso esquecer a maioria por pormenores desta história mas dificilmente esquecerei como me senti ao lê-la.
Yuna conta-nos a sua vida e a vida daquela família estranha. Aquelas histórias, pelos seus olhos, pelas suas palavras, pela sua voz que cresce e se desenvolve nas páginas daqueles livros. Eu confesso que não sei bem o que é um livro de “personagem” mas, o que quer que seja, este parece sê-lo: Yuna cresce sob o nossos olhos, transforma-se, engrandece. Não é um livro fácil, nem pretende sê-lo, nem é um livro que leve o leitor pela mão – e ainda bem.