A inquilina de Wildfell Hall, de Anne Brontë
Muitas vezes temos ouvido e lido que é importante analisar um texto à luz do seu tempo e não de acordo com os actuais valores sociais. Ora, esta frase, correcta e tão importante tem um quê de arrogância e de hipocrisia que não me apetece neste momento esmiuçar. Mas o que dizer quando um livro publicado em 1848 retrata de forma tão real a actualidade e poderia passar, não fosse este ser um clássico bastante conhecido e aclamado, por um romance meio distópico carregadinho de crítica social? Não deixo de ter alguma vontade de rir (aquele rir meio desesperado) por acreditar piamente que Anne Brontë seria hoje considerada um misto entre beata e feminista histérica.
Não me vou alongar muito a respeito da história (mas não aconselho a que quem não leu o livro continue a ler este texto) somente que se trata de um romance epistolar que conta a história de uma mulher, a sua luta pelo direito a ter uma palavra a dizer no seu destino, na sua vida e na educação do seu filho.
É assustador como tanto tempo nos separa do momento em que foi escrito mas estão nestas páginas os piores medos e receios de tantas mulheres (e homens). A violência psicológica, a dependência patológica, a noção de posse por um lado e por outra o romantismo de "comigo ele muda, eu posso ser a diferença na vida dele, a influência que transforma o bad boy em moço decente". A violência física, aquela "se ela a isso me obriga, a culpa não é minha". A sociedade e os seus duplos critérios (aliás, no início do livro ficamos sem dúvidas sobre o tom do que se vai seguir) - e em caso de dúvida, ela é sempre a culpada. Não falta sequer o salvador, que sabe perfeitamente do que ela precisa, afinal só ele a pode salvar e proteger. Ela pode não o saber, afinal é mulher, mas ele bem o sabe e tem-lhe tanto amor e respeito que é sem dúvida aquele de quem ela precisa. Curiosamente e bem, também aqui fica bem patente que a violência não é apenas num sentido e que os homens também podem ser maltratados.
Não posso deixar de realçar a relavância deste romance nos dias de hoje e a forma como Anne Brontë se tornou, com este livro, a minha favorita das irmãs Brontë.