Ouvir um audiobook pode ser considerado ler?
É comum ouvir comentários como "não leste, ouviste!" quando digo que li determinado audiobook ou que foi bom ler determinado livro que ouvi em áudio. Isso não é bem ler, como se eu tivesse feito batota no jogo da leitura. Ora, vamos por partes. Em primeiro lugar ler não é um jogo, estou-me bem a borrifar com a quantidade de livros que leio ou deixo de ler e leio em formato áudio porque gosto. Mas irrita-me um bocado o purismo que é " ai e tal, não é bem ler". É ler, sim!
O que não é bem ler é mastigar e cuspir palavras e histórias como se fossem pastilha elástica e não lhes entender o significado, as nuances, ou sem parar para pensar e reflectir no seu significado.
Sim, ler em formato físico é diferente de ler em formato digital e é diferente de ler em formato áudio. Mas ler numa esplanada ou nos 15 minutos que dura uma viagem de um metro apinhado é diferente de ler em silêncio e com calma. Tal como ler dois livros diferentes é diferente. E a diferença é boa. E estimula.
Provavelmente usamos partes diferentes do cérebro dependendo do formato em que estamos a ler. Mas isso não é mau e até tem vantagens consideráveis, como provavelmente saberá que já lidou de alguma forma com pessoas com dislexia. Ou com invisuais. A primeira vez que lidei com formatos áudio foi quando via o meu primo a passar a áudio as gravações das aulas da faculdade para que uma pessoa invisual pudesse estudar. Pensei muitas vezes que o meu sobrinho que é disléxico teria aprendido muito mais se tivesse tido a hipótese de estudar em áudio em vez terem desistido dele na escola. O puto simplesmente não conseguia compreender uma pergunta se fosse ele a lê-la. Mas se eu a lesse debitava a resposta com entusiasmo. A ele a escola falhou e muito. Este fim de semana estávamos a falar e tendo ele demonstrado interesse em determinado livro mas sabendo que seria extremamente improvável conseguir lê-lo resolvi oferecer-lhe um audiobook. Ele tem, desde criança, uma capacidade de concentração invulgar, papa documentários e podcasts e só me questiono porque não insisti com os livros em áudio mais cedo. Acho sinceramente que ele vai gostar.
Eu sei que gosto. Gosto de ler, ouvindo histórias. Há narradores maravilhosos que acrescentam aos livros. Ouvir livros como Born a Crime na voz do próprio Trevor Noah ou I know why the cage birds sings na voz da Maya Angelou é uma experiência e tanto. Se eu fechar os olhos ainda oiço a voz deles na minha cabeça. As impressões, os sentimentos que estes livros me provocaram ficaram marcados de uma forma bem mais indelével do que se apenas tivesse "lido" com os meus olhos.
Ler é uma experiência maravilhosa e sabe deus que precisamos encontrar formas de ler mais, ler melhor, de crescer com livros, de pôr crianças a ler. E os vários formatos de livros podem e devem ser usados para isso. Não sejamos velhos do Restelo, ler é abrir a mente, deixar a arrogância e o pedantismo de lado e partilhar a maravilha que é mergulhar numa história. Seja lá em que formato for.