Os Rostos, de Tove Ditlevsen
Um tratado sobre a loucura, as expectativas, a culpa e essa grande meretriz que é a nossa mente.
Ao longos destas páginas de uma escrita absolutamente cativante, acompanhamos a descida ao inferno de Lise, uma escritora de livros infantis. Rapidamente nos apercebemos que vemos o mundo através do rosto e da mente de Lise, pelo que não se torna fácil destrinçar a ilusão da realidade. Mas…neste caso a realidade não me interessa. Não me interessa medir o nível de loucura daquela mulher, nem é este um livro onde o complexo de Cassandra é importante. O meu fascínio desde as primeiras páginas foi a percepção que estava a navegar na loucura, a ver o mundo através de outra realidade. Por vários motivos, este olhar, por dentro, para uma realidade enviesada interessa-me muito. Sempre dei por mim a perguntar-se se os outros veriam as coisas da mesma forma que eu (e não o faço de uma forma filosófica ou metafórica, mas literal) e, como lido com demências várias, tenho que imaginar o mundo dos outros, que lhes é tão real como o meu é para mim.
É simplista descartar as consequências da loucura, o medo provocado por uma ilusão é tão forte (ou ainda será mais) como o que é suportado pela realidade. As expectativas irreais que apenas existiam na mente de Lise tiveram consequências tão fortes como quando alguém nos diz de forma explícita o que espera de nós. Não, na verdade as expectativas (e a culpa, essa sacana) que criamos em nós mesmos são mais poderosas que quaisquer outras.
Foi uma surpresa e uma excelente leitura, que me vai acompanhar muito tempo.