O Alegre Canto da Perdiz, de Paulina Chiziane
Fiquei fascinada nas primeiras páginas. Esse assombro pela forma como alguém pode escrever desta forma não me deixou durante toda a leitura. Paulina Chiziane transforma as palavras em imagens, embeleza-as mesmo quando o que conta é feito. Acho que ela tem razão e contadora de histórias assenta-lhe melhor que escritora. Ela é mais que "apenas" uma escritora (como se fosse pouco, ser escritor). Este foi o primeiro livro da escritora que li e envergonho-me um pouco por admitir que até ela ganhar o prémio Camões não a conhecia. Esta é, também, a importância dos prémios, dar visibilidade a quem a merece. Este é um livro que ganhava ainda maior poesia em formato áudio.
Neste livro contam-se histórias de mulheres, de racismo, de colonialismo, de morte. Em cada página perguntamo-nos como é possível convencer alguém que é menos, que é menor, por ser mulher ou por causa da cor da pele. Como é possível tratar gente como coisa que se compra e se vende, que não tem valor ou tem o valor de mercado. Em cada página olhamos para as consequências do passado, que continuam a escrever o presente. Este é um livro cheio de África, de mulheres africanas a quem lhes foi roubada a vida dos braços, filhos, irmãos, pais, e que se tornaram raizes do mundo.
"Os mais velhos suspiram por ela: Delfina, como era bela! Delfina, a rainha! Que desafiou brancos, desafiou o sistema, entrou na guerra, ganhou e perdeu, e pela vida se perdeu. Por isso a sua vida foi transformada em canto, em conto, em poema. Ela é parábola e ditado. Provérbio. Esta é a Delfina"
"Foi a partir desse momento que começou a olhar em volta. E viu que os negros eram muito negros. Que os brancos eram muito brancos. Diante dos pretos chamavam-lhe branca. E não queriam brincar com ela. Afastavam-na, falavam mal da mãe e diziam nomes feios. Diante dos brancos chamavam-lhe preta. Também corriam com ela, falavam mal da mãe e chamavam.lhe nomes feios"
"Mãe, porque me fez assim tão escura?"