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Ler por aí

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06
Jan25

Nunca me deixes, Kazuo Ishiguro

Patrícia

Nunca-Me-Deixes.jpg 

Os melhores livros são aqueles que nos fazem querer ler todos os livros do escritor em questão e aqueles que nos ficam a remoer num cantinho da cabeça durante muito tempo. Este é um dos livros que consegue fazer as duas coisas. Terminei de o ler há uns dias mas precisei de algum tempo para o digerir (e sim, vai ficar comigo durante muito tempo).

A premissa deste livro é muito simples. Tão simples que duvidei que fosse mesmo "só isso" durante muito tempo. Mas as coisas (aparentemente) simples são tantas vezes as mais importantes e complexas. Não sei se é possível pensar sobre este livro sem spoilers mas vou tentar.  Se a surpresa for muito importante para vocês, leiam o livro sem saber absolutamente nada sobre ele. Exactamente como eu fiz. A única coisa que sabia era tratar-se da história de uns miúdos num colégio interno. Sendo ex-aluna de um colégio interno achei piada e após ter ouvido alguns comentários acerca da sua qualidade decidi que o queria ler. E como o recebi como presente de Natal, foi uma das leituras das minhas férias.

Este é um livro sobre ética. Sobre a forma como nos vemos uns aos outros. Sobre o que somos capazes de fazer quando não consideramos os outros iguais a nós. E como isso condiciona tudo. Há uns anos achei que caminhávamos para a igualdade, hoje sei que não apenas não o fazemos como não aprendemos nada, enquanto povo, sociedade, humanidade, e que iremos repetir os mesmos erros vezes sem conta. E também sei que a realidade supera a ficção, pelo que nada me surpreenderia que isto acontecesse. Chamam-lhe ficção especulativa, eu chamo-lhe um exercício de análise da espécie humana, um aviso, um alerta como apenas a arte (neste caso a literatura) sabe fazer. 

Este é um livro exímio a mostrar-nos o que é ser humano. Desde o início acompanhamos Kathy a mergulhar nas suas memórias (este também é um livro sobre memória), a tentar compreender o que a fez tornar-se a pessoa que é, o peso de cada decisão, de cada interacção. É um livro sobre a busca do seu lugar no mundo.  Sobre família e amizade, duas palavras que se entrelaçam aqui. É um ensaio sobre vida e morte. É um livro que nos destrói a cada página. Pelo menos foi assim para mim. Aquele final não me surpreendeu, infelizmente. E digo "infelizmente" não por o ter achado literariamente imperfeito ou mal conseguido. Digo-o porque foi a chapada final.

Estamos habituados a ler livros que se destacam pela luta contra a injustiça, contra a crueldade e acaba por ser chocante não o ver aqui. Essa luta deixa-nos sempre de bem com a vida, como se nós fizéssemos parte dessa luta e da consequente vitória. Afinal os bons ganham sempre no fim. Mas não é de todo isso que acontece aqui. O autor não faz esse favor nem nos dá espaço para nos sentirmos bem connosco. E por mais que nos choque, que nos revoltemos, temos, ao longo destas páginas que admitir a nossa fragilidade, a nossa hipocrisia. E apenas admitindo isso podemos aspirar a ser mais, a ser melhor. 

Repito, este livro é um alerta e isso faz dele um livro muito, muito importante. É um daqueles livros que tem o poder de nos mudar. 

 

 

 

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