No Jardim do Ogre, de Leila Slimani
É difícil falar deste livro. Mas é um livro que merece ser falado, discutido. Sei que a maioria não concordará comigo mas gostei mais do No Jardim do Ogre que de Canção Doce. Se não leram, aconselho a que não continuem a ler este post, haverá certamente spoilers neste texto. Mas a sinopse tb revela muito, demasiado, acho. E não acreditem na frase que diz que isto é, no fundo, uma história de amor. Não é nada, é o contrário disso.
Esta é a história de duas pessoas infelizes, que tentam desesperadamente encaixar-se numa sociedade que não as aceita como são. Ou melhor, esta é a história de duas pessoas que não se aceitam como são e que vivem profundamente infelizes na sua própria pele. É-nos mais fácil (ou imaginar) os porquês da Adèle, de onde veio aquela falta de segurança, como amor e violência se misturaram naquela cabeça. Também nos é mais fácil criticar as atitudes de Adèle. E até mais fácil ter pena de Adèle. Mas Richard não é melhor que ela. Nada naquela casamento funciona, a começar pelo sexo e a passar por todas as outras coisas importantes numa relação. Aliás, nenhum dele devia estar numa relação. Ou melhor, qualquer deles poderia estar numa relação com alguém que quisesse o mesmo. Que compreendesse e aceitasse a necessidade de violência que Adèle sente. Que aceitasse a relação asséptica que Richard pretende. Que aceitasse a totoal ausência de sentimentos numa relação. Mas não podiam estar numa relação um com o outro.
Como habitualmente li algumas opiniões sobre este livro e sinto que não li as mesmas palavras que a maioria das pessoas. "Ninfomania", "Pulsão sexual", "Desejo". Não foi nada disso que aqui li. Não é um livro sobre desejo. Não é o prazer sexual que Adèle procura. Nem sequer é prazer que ela procura (antes fosse). Pulsão, sim, mas pouco sexual. A violência, a dor e, acima de tudo, a humilhação são a verdadeira pulsão. Procura-as como confirmação da opinião que tem de si mesma . Não consegui sequer achar que Adèle gostava de sexo. Talvez seja um lugar comum dizer que ela pretendia acima de tudo ser "vista" mas fiquei com essa sensação (aliás, quando é descoberta sente efectivamente alívio). Infelizmente para ambos, a raiva em Richard toma a forma de possessão. Uma das coisas que me impressionou foi que, quando descobre a traição, uma das primeiras frases que lhe sai é "nunca mais vês o teu filho, vou tirar-to". Tão típico. Tão verdadeiro. Tão triste. E o "perdão" vem com toda uma forma de tortura e violência mansa que me arrepiou.