Não há tantos homens ricos como mulheres bonitas que os mereçam, de Helena Vasconcelos
Disclaimer: O texto seguinte reflete apenas a minha opinião, pessoal e intransmissível. Não faço, nem tenho conhecimentos para fazer, análise de estrutura ou forma ou lá o que seja, não faço nem pretendo fazer crítica literária. Este post é também uma forma de exorcizar os sentimentos que este livro me trouxe. Nunca sou imparcial enquanto leitora, mas neste caso ainda menos. E o texto está cheio de SPOILERS.
Por isso, se pretendem ler este livro, não leiam este texto. E depois, se quiserem podemos conversar. E se gostarem, venham dizer-me, mostrem-me tudo o que este livro tem de bom e que eu perdi, não percebi ou deixei passar. Eu agradecer-vos-ei.
Diz Maria do Rosário Pedreira, no seu Horas Extraordinárias, que a escritora Helena Vasconcelos queria escrever sobre Jane Austen e que a história de Ana Teresa é apenas uma desculpa para isso. Tenho imensa pena que a escritora não se tenha ficado pelo ensaio uma vez que gostei imenso de todas as partes referentes à Jane Austen e nem um pouco da história de Ana Teresa.
Gostei de ler sobre a vida de Jane Austen, sobre a sua vida familiar, sobre o contexto que explica parte da obra desta fascinante mulher. Foi essa parte que me ajudou a chegar ao fim deste livro.
Já vos falei, nos Diários de Leitura (aqui e aqui) que senti necessidade de ir fazendo, duas das coisas que me chatearam.
As personagens femininas dos livros de Jane Austen que já li são maravilhosas, inteligentes, chatas, irritantes, execráveis, adoráveis mas sempre e acima de tudo interessantes. Ana Teresa, a protagonista deste livro é insonsa, tonta e absolutamente desinteressante.
Esta é a banal história de uma pobre menina rica. Em Londres, enquanto refaz os passos de Jane Austen, e enquanto acaba a tese sobre a escritora Inglesa, procura um paralelismo entre si mesma e maravilhosa Jane. Ao mesmo tempo que seguimos as “aventuras” e desventuras da Ana em terras de sua majestade, vamos conhecendo o seu passado e as pessoas que dele fazem parte. Ouvimos vagamente falar de Tiago, o namorado de quem não gosta realmente e que parece ser a única boa pessoa da sua vida; Rebeca, a única amiga e que não passa de uma desequilibrada, invejosa e frustrada artista; José e Paula, os pais displicentes; Marianne a avó hippie a quem correu mal uma ida ao Alentejo (“...um campo inóspito e monocromático em Portugal, sob um sol inclemente, numa paisagem a perder de vista”) depois de ter vivido uma paixão ardente e proibida em Londres e Eduardo, um ex-professor. Em Londres, conhece Mark, um atraente músico que, com uma agenda secreta, está intermitentemente presente na sua vida. A história de Ana Teresa é banal e totalmente incaracterística de uma miúda de 22 anos (a tendência para a melancolia parece ser a sua mais marcante característica).
Compreendendo e concordando com a maioria das críticas que a escritora faz a este meu país, a nada subtil critica ter-me-ia apenas deixado desconfortável e até envergonhada caso houvesse o contraponto necessário de forma a permitir-me reconhecer o meu Portugal. Um exemplo para que percebam a diferença entre o Portugal deste livro e o meu Portugal:
Já no finalzinho do livro e no regresso da protagonista a Lisboa...
“O céu pejado de nuvens negras e o ar sufocante não auguravam nada de bom. O motorista remoeu as suas queixas e as notícias dos fogos que consumiam o País. A Rádio debitava notícias de bancarrota, desemprego, desalento, cisões, pobreza, corrupção, raiva e violência.
“Quem disse que Lisboa é uma cidade bonita?”, pensou Ana
Estava de mau humor e o que avistava da janela não a entusiasmava: as casas incaracterísticas, os prédios desirmanados, e desproporcionados, a tinta das paredes a estalar, descoloridos aqui e ali, o lixo a voar rente aos passeios e tapumes a tapar prédios devolutos. Estranhou a ausência de confusão no tráfego e fez um comentário ao motorista que resmungou: “Está calor, não há trabalho, vai tudo para a praia!”
Pararam no Areeiro, uma praça que Ana sempre achara feia e que agora ainda lhe parecia mais estreita e apertada.
Mas ainda não foi isto que me fez saltar a tampa e o mau feitio.
Enquanto bebe um copo com um homem, “percebeu que não queria, não lhe apetecia, não podia ser. No entanto, não teve coragem para fugir”. Bebeu uns gins tónicos e acabou por ser violada.
A autora optou por pôr a miúda a ter medo de reagir e a preferir engolir a humilhação e a nunca contar a ninguém.
Sim, eu sei que isto, infelizmente acontece amiúde. O que eu não percebo é como é que, para esta escritora, esta cena não tem qualquer consequência. Como é que a miúda, 10 páginas à frente, tem um fugaz momento de intensa e verdadeira felicidade, como é que o trauma que necessariamente vem como consequência de uma cena destas (a miúda ainda se questiona se seria mesmo violação) simplesmente não existe.
No final, só consigo dizer que não gostei deste livro.