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Ler por aí

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10
Out15

JOSÉ EDUARDO AGUALUSA - A RAINHA GINGA 

Catarina

E de como os africanos inventaram o mundo


 
Vou começar pelo princípio ou, neste caso, pela capa maravilhosa, bonita, colorida que tem tudo a ver com o título, adorei (não costumo ligar às capas em geral só servem para me enervar, quando vejo edições com novas capas de livros do tempo da Maria Cachucha como se fossem novidades, é uma coisa que me agasta, mas adiante).
Depois ao abrir o livro e ver o tamanhão da margens, caramba... Cabia mais um livro no espaço destas margens.
Mas quando começamos a ler esquecemos capa, margens, tudo. As palavras são redondas e quentes: malungas, mucama, tandala, ambundosmuxicongos, quibuca, quimbanda, quitandeira, quilombo, macota, mulembalibambos, maboque, banza, diculundundo … a escrita é cantada e tudo faz sentido. 
Entramos numa outra era, como era o mundo no séc. XVII. Estória com História contada pelo padre Francisco José da Santa Cruz que se torna o secretário e conselheiro da Rainha Ginga, que o acha “estranho” de aparência:
 A minha mãe era índia — expliquei-lhe —, da nação Caeté. ... Meu pai era mulato, filho de um comerciante da Póvoa do Varzim e de uma negra mina... Sou a soma, por certo um tanto extravagante, de todos esses sangues inimigos.
É uma aventura, há escravos, guerreiros, ciganos, padres, mouros, judeus, piratas (à séria com perna de pau e tudo), de todas as tonalidades e misturas, amor, ódio, e guerra, muita guerra: os soldados com “bexigas” (varíola) eram cortados aos bocados e catapultados para o lado do inimigo.
A Rainha Ginga é completamente invulgar, e os homens acham que é o demo: Ali conheci o senhor Rodrigo de Araújo, anfitrião da Ginga, que era um dos que mais surpresa manifestava pela inteligência da embaixadora. É coisa sobrenatural, disse-me, a fluência com que ela fala. No juízo dele, a inteligência, quando manifestada numa mulher, e para mais numa mulher de cor preta, de tão inaudita, deveria ser considerada inspiração do maligno e, portanto, matéria da competência do Santo Ofício.
Carismática, inteligente, resistente, lutou contra os portugueses, fez alianças usando a ideia “inimigos dos meus inimigos meus amigos são”.
E não sei se os africanos inventaram o mundo mas foram o motor sem dúvida, os escravos eram o combustível para tudo e foram centenas de milhares os africanos a serem traficados para o Brasil:  Os portugueses não respeitam nenhuma destas leis, enviando para o Brasil não somente os escravos ou caxicos mas também os homens livres (murinda). Este desrespeito foi sempre uma das queixas da rainha contra os portugueses.
O padre vive sempre atormentado pela cobiça e crueldade que vê à sua volta, foi fiel à Ginga e considerado um traidor pelos portugueses, já não acredita na igreja:
- Já não sou padre.
- Não ter martirizes com isso. Os brancos têm boas obras, mas a Igreja não é uma delas.
Deixa de ser padre para seguir o seu coração ou melhor uma rapariga chamada Muxima. Tudo faz sentido porque muxima é a palavra Angolana para coração.
 
Fecho o livro e volto à capa, vejo a Ginga, sei da sua vida e história mas não foi a voz da rainha que ouvi, foi sempre a do seu secretário, o padre. Como teria sido esta estória contada por ela?
 
 
 
 

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