Jogos de Raiva, de Rodrigo Guedes de Carvalho
Jogos de Raiva foi uma óptima surpresa.
Apesar de ter em casa um dos livros deste jornalista feito escritor (se bem que o mais justo e certo seria, talvez, dizer escritor feito jornalista), o Canário, a verdade é que nunca me tinha apetecido lê-lo. Foi depois de ouvir a sua participação no podcast do Expresso Palavra de Autor (partilho abaixo para quem não conhece e tem curiosidade) que decidi que queria ler este livro. E gostei muito mesmo.
Este é um livro extremamente actual. Sem dúvida será um livro datado, um livro da nossa época. Aquele que um dia daremos aos miúdos para lhes contar como foi o início do séc XXI. Há aqui um olhar acutilante, extremamente crítico mas também muito real da vida nas redes sociais. O olhar do jornalista aqui é tão importante quanto o talento do escritor. Aquela sequência final deixou-me sem ar. Não tanto pelo conteúdo (naquela altura já não tinha grandes dúvidas sobre o resultado da coisa) mas pela consciência do quão real é. Todos os dias. A toda a hora.
Exactamente como o escritor diz no Palavras de autor, a primeira página desde livro ataca-nos, provoca-nos uma impressão que não nos larga ao longo do livro. Quem é, afinal, aquele casal?
Uma discussão entre Francisco José e o seu filho Nuno, uma daquelas discussões que provocam um terramoto e mudam a geografia da terra, é o mote para levar-nos, a nós leitores, para o seio desta família. Francisco José e Clara, os filhos Nuno, Ana Teresa e Santiago, a neta Catarina, o cão Camões, o amigo Pedro e outros personagens igualmente interessantes. O Xerife Sousa, por exemplo, cuja história me deu um aperto no peito que nem imaginam.
A família Sereno é uma família como qualquer outra. E como tantas tem um segredo. E os segredos têm essa coisa de crescer, criar tentáculos e às tantas destruir. Exactamente como as palavras. Que, às tantas, têm o poder de nos magoar de formas que nem imaginávamos.
Mas ia contar-vos um bocadinho sobre os personagens. Francisco, o pai que conta histórias mirabolantes aos filhos e que um dia escreve um livro que se tornará um sucesso porque foi descoberto pelos leitores presentes nas redes sociais, Clara, uma psiquiatra que adora flores e não sabe se fez diferença na vida dos doentes, Nuno que cresceu para ser jornalista, Ana Teresa que toca descalça, Santiago que vê o mundo de forma especial, Pedro que não é um artista (E então? Não temos todos de o ser), Catarina que já nasceu velha.
Às tantas o autor avisa-nos: Francisco José é assombrado por três naufrágios. Depois, conta-nos tudo. Um a um.