Interlúdio
Ontem foi dia de futebol, que é como quem diz, dia de leituras lá em casa. É sempre assim, quando há jogos em canal aberto, na tv o jogo corre (às vezes bem para um, outras bem para outro) mas no sofá as pernas entrelaçam-se e enquanto ele vai vendo o jogo, eu leio e o gato dorme. Claro que quando há um golo ou uma jogada mais marcante, eu dou um olhinho e o gato apanha um cagaço e dá um salto mas no geral há aquele silêncio que é o do barulho já esperado e nesse barulho (a bem dizer nos outros barulhos também) eu leio. Tenho até uma certa pena que não haja mais jogos em canal aberto, não por mim e pelas minhas leituras mas pelos velhos que já não têm direito a sequer acompanhar os seus clubes do coração. Lembro-me sempre do meu tio que passava os domingos dentro do carro a ouvir os relatos do jogos do benfica (nunca percebi porquê no carro, ele lá deveria saber, se havia rádios com fartura em casa) e às vezes pergunto-me se ainda há quem vá ouvir para o carro ou cole a orelha à telefonia para ouvir os jogos. Há nas tv's (e, para dizer a verdade, em todos os sítios deste país à beira-mar plantado) demasiadas conversas sobre futebol e poucos jogos, os jogos já não são para os velhos nem para os pobres. Mas falava eu da leitura, que é das leituras que este blog é feito não é de coisas que não me preocupam nada como o futebol, nem de coisas que me preocupam muito como o facto de já terem morrido 9 mulheres às mãos dos homens da família, isto sem contar com uma bebé assassinada pelo cabrão do pai, que há coisas tão horríveis que custa a respirar quanto falamos delas, nem é feito de guerras e mais guerras que nascem todos os dias. É feito de livros e leituras e é nas leituras que esqueço a merda que o mundo é e que a idade adulta é tão diferente daquilo que julgava ser, o Peter Pan é que tinha razão mas ninguém lhe deu ouvidos e todos insistimos em crescer e depois dá nisto. Dizia eu que enquanto dava o jogo eu acompanhava um certo Edmond Dantés na sua pena de prisão no castelo de if e com ele sofria, como sofro sempre mesmo sabendo tudo o que vai acontecer, como vai fugir, de quem se vai vingar, as aventuras, as desventuras, os amores e desamores deste conde de quem gosto tanto. Dizia eu que é sempre bom voltar à companhia de velhos amigos, que o conheci há tantos anos e que lhe acompanhei a aventuras tantas vezes, tantas que várias páginas do livro estão soltas e vou ter que as colar com fita-cola mas pôr fita-cola naqueles livros dá-me pena mas não quero correr o risco de perder as páginas. Dizia eu que, de pernas entrelaçadas em quem escolhi para partilhar a vida e com um gato ao colo, reencontrei velhos amigos.