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Ler por aí

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24
Abr19

Filho da Mãe, de Hugo Gonçalves

Patrícia

Filho da Mãe.jpg

"Essa foi a minha identidade clandestina durante muitos anos. Se fazia novos amigos, evitava contar-lhes que ela morrera. Se as suas mães preparavam lanches ou os abraçavam, eu jamais revelava desencanto ou inveja, porque a ideia de ser solitário era o meu selo de singularidade"

 

 

Foi em Setembro de 91 que entrei para uma nova escola e que me esforcei muito para não ser "a miúda sem pai". Lembro-me do choque nos olhos de um dos meus melhores amigos quando, anos mais tarde, lhe disse - de forma bruta e aparentemente displicente - que o meu pai tinha morrido há anos.

Talvez não seja justo começar uma opinião sobre um livro a falar de mim, a escrever na primeira pessoa do singular, mas a verdade é que há livros com os quais nos identificamos de tal forma que temos, ao longo da leitura, de nos esforçar por reconhecer que o livro não foi escrito por nós, nem para nós, nem por ninguém que nos conhece. E quando isto acontece é muito difícil julgar o livro por algo mais que a nossa reacção a ele, que as nossas emoções quando o lemos. 

Por outro lado tenho sempre algum pejo em falar da vida dos outros e ler este livro - que foi tornado público por escolha do autor - fez-me sentir, repetidas vezes, que estava a imiscuir-me em algo que não devia... e eu tenho total noção que isso acontece porque a parte da minha vida onde estão os sentimentos, o medo, a tristeza, a raiva e as lágrimas é algo que protejo com unhas e dentes.

Acho que um escritor só o é, ou só o é na totalidade, quando tem alguma coisa para dizer, quando tem uma história para contar. Não acho que todos os escritores precisem fazer o que fez o Hugo Gonçalves mas acredito que, em cada livro que escrevem, põem um pouco (e tantas vezes mais do que apenas um pouco) de si. Imagino que não tenha sido fácil escrever e, acima de tudo, partilhar este livro. 

Há imensos livros, a maioria de psicólogos e psiquiatras, sobre o luto e mais especificamente, sobre o luto na infância. Esses livros serão óptimos para pais, professores e adultos. Têm zero importância para quem passa por isso. Imagino que haverá livros infantis que o expliquem, que tentem ajudar nessas situações. 

Mas ouvir na voz de outra pessoa aquilo que não podemos admitir a ninguém - "não me lembro da voz da minha mãe"  ou  "Eu sabia que ela ia morrer" talvez ajude mais que propriamente a infinidade de conselhos triviais e banalidade vazias com que, cheios de boa vontade, pena e superioridade, os adultos tentam ajudar as crianças. 

Não em interpretem mal, isto não é, nem pretende ser, um manual para ninguém. É apenas a história que o autor quis contar. Só que essa história cruza-se com a minha, com tantas outras histórias que nunca serão contadas.

 

meu-tempo-e-quando.html.jpg

Persistência da memória, de Salvador Dali

 

 

 

 

 

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