E hoje, algo totalmente diferente...
"mulher ao volante, perigo constante"
Quantas vezes não ouvimos esta piadola? muitas, demasiadas. Felizmente as seguradoras não concordam e essas trabalham sempre com factos e probabilidades. E são como o outro, nunca têm dúvidas e raramente se enganam.
Lembro-me da primeira vez em que, orgulhosa do carro novo - um fofo Mitsubishi Colt Cz3, azul e outro - fui a condutora que levou a malta do escritório ao restaurante. Quando chegámos perto vi um lugarzinho e estacionei. Não seria nada de especial, não fora o espanto do meu chefe que se saiu com um "e não é que conseguiste estacionar aqui? nunca pensei". Foi uma constante ao longo da vida, esse espanto por eu conseguir estacionar em lugares onde mal cabia o meu carro.
Sempre achei que esse preconceito tinha passado mas nos últimos tempos passei por duas situações que me deixaram lixada.
No ano passado, pouco tempo depois de ter feito a revisão do carro, comecei a reparar num barulho que não era normal. Fui à oficina, expliquei a situação e pedi para verificarem. O mecânico, com um ar muito gozão, diz-me "não será o barulho do cinto do passageiro que está dobrado?". Eu disse-lhe que não, que o cinto tinha ficado assim porque o meu marido tinha saído há pouco do carro e tinha ficado assim mas vi-lhe na expressão aquela pena de quem se sente superior e que tinha sido ali taxada de "mulher ao volante, perigo constante", a burrita que entra em pânico por uma mão cheia de nada. Não surpreendentemente, o diagnóstico foi "está tudo bem, vá descansada" com o "agora que o cinto está direito" não dito mas pensado. Como podem imaginar, saí dali para outra oficina onde o mecânico me levou a sério, foi dar uma volta comigo, ouviu o barulho e, de volta à oficina, pediu-me para esperar um pouco. Passado uns minutos perguntou-me quem raio tinha mudado as pastilhas do travão porque um dos parafusos tinha ficado mal apertado e tinha saltado. Mulher 1, mecânico machista 0. Houve reclamação, claro. Não foi bonito.
Há umas semanas, estava eu no pára-arranca da segunda circular quando o pedal da embraiagem bloqueou. Chamei o reboque, esperei uma hora e quando o reboque veio o moço entrou no meu carro e voilá, o pedal funcionava. Olhou para mim e disse-me que estava tudo bem e o ar de "mulher ao volante, perigo constante" surgiu-lhe no focinho. Eu perguntei-lhe "ok, agora funciona, há pouco não, o carro vai para a oficina". A dúvida dele era "mas o que ponho na razão para ir para a oficina? tudo funciona" e o ar, senhores, o ar de paternalismo que me tira do sério. Limitei-lhe a dizer que o carro não estava seguro, que escrevesse a verdade "o pedal da embraiagem bloqueou" e que estava fora de questão aquele carro voltar a andar sem ser visto. A pipa de massa que paguei para mudar as peças necessárias (felizmente não foi preciso mudar a embraiagem completa) deu-me nova "vitória". Mulher 1- motorista machista 0.
Tivesse eu sido menos confiante e em qualquer um dos dois casos poderia ter tido acidentes graves só porque não fui levada a sério. E não fui levada a sério, apesar conduzir de forma regular há mais de 20 anos, por ser mulher.
E não, não sei muito de mecânica. Aliás, a única mecânica que alguma vez estudei foi a dos aviões e já lá vão uns anitos mas sei quando alguma coisa está errada no meu carro. E o mínimo aceitável é ser levada a sério. Porque o perigo é não o ser.
(um dos poucos posts neste blog que não versa sobre livros mas só para vos provar que até aqui eu conseguiria meter o tema livros, tenho que confessar que naquela hora em que esperei pelo reboque e fazia fila na 2ª circular, saquei do kobo e li umas páginas sempre que não estava com receio que um tipo qualquer ignorasse o triângulo e se espetasse contra o meu carro parado)