Diário de Leitura: Não há tantos homens ricos como mulheres bonitas que os mereçam (Pode ter spoilers)
Numa visita à maravilhosa livraria Lello comprei o livro "Não há tantos homens ricos como mulheres bonitas que os mereçam", da escritora e crítica literária Helena Vasconcelos. Confesso a minha ignorância, não conhecia a escritora nem a Crítica Literária (provavelmente já li algumas coisas escritas por ela, uma vez que sou leitora do Público) e fiquei muito curiosa com este livro após ter ouvido o Pessoal e Transmissível em que foi entrevistada pelo Carlos Vaz Marques.
Enquanto esperávamos o avião para regressar a Lisboa (vá, o autocarro com asas) aproveitei para começar a lê-lo.
Dei por mim a revirar os olhos logo na primeira página com esta frase:
"Ao darmo-nos conta do défice de «génios» no atual universo criativo - sim porque hoje em dia o mundo pertence aos economistas e aos políticos, quiçá duas das profissões menos sexy e inventivas da galáxia - compreendemos que é difícil encontrarmos um Rembrandt ou um Tolstói, um Da Vinci ou um Joyce, uma Gentileshi ou uma Woolf, num mundo em que quase tudo é programado, copiado e repetido e em que o dever e o haver são as maiores preocupações das pessoas sejam elas as mais banais ou as mais sofisticadas."
e um pouco mais à frente:
"...estudo de humanidades, em declínio acentuado, por essa altura, nas sociedades ocidentais, mais preocupadas com as apostas na economia dos mercados, cotações na Bolsa, subidas e descidas de ratings e afins"
Passa-me pela cabeça que começa aqui a critica à sociedade prometida na contracapa e que a sucessão de clichés mais não são que ironias. Ora se assim é, muito bem.
Mas se assim não é, e porque é o género de expressão que eu - com formação em Matemática - oiço regularmente deixem-me desabafar um bocadinho (e extrapolar completamente).
Há algumas pessoas das (chamadas) Letras que parecem ter um imenso orgulho em dizer "eu não gosto nada de matemática" ou "eu sou de letras, não percebo nada de matemática" ou "eu odeio matemática". Cada vez que oiço tal sinto a mesma vergonha alheia que quando oiço alguém de matemática (ou de qualquer ramo das ciências ditas exatas) a dizer "eu sou de ciências, não gosto de ler". É exatamente a mesma coisa. Ter mais apetência e talento para uma das coisas é natural, desprezar a outra é estúpido e considerar natural a distinção é menosprezarmo-nos.
Eu tenho imensa inveja de quem domina áreas que eu não domino. E isso é verdade quer para quem trabalhar em Física Quântica quer em Literatura Clássica, só para dar dois exemplos. Mas isso é diferente de dizer, com desprezo, que quem faz investigação é "um cromo" ou que quem já leu Proust é um "Totó".
Eu já estou habituada a ser considerada a croma dos livros, sou conhecida por ter sempre um livro comigo e estar sempre a ler e continuo a ficar surpreendida por isso ser considerado uma peculiaridade que me caracteriza, uma característica "engraçadinha que se suporta com um sorriso". E também estou habituada a ser a croma de matemática, um ser sobrenatural que efetivamente gosta cenas estranhas como a fórmula de Euler, sigma-álgebras ou números imaginários. Na verdade qualquer uma das duas coisas é simples e natural e nada incompatíveis.
E sendo pouco socialmente correta (temos pena, tenho mau feitio) deixem que vos diga: há mais gente da área de ciências a perceber que a área das humanidades é maravilhosa que o contrário. Não é por acaso que temos tantos cientistas e engenheiros,matemáticos e médicos que são também escritores.
Claro que há exceções.
A escritora Maria Manuel Viana escreveu um livro "Teoria dos limites", também com base no trabalho de Leibnitz e foi maravilhoso ouvi-la (privilégios da Roda dos Livros) a dizer que ficou fascinada com a "teoria de limites", que a estudou por opção e que isso deu este livro maravilhoso.
Claro que os valores da nossa sociedade estão extremamente errados mas dizer que: é difícil encontrarmos um Rembrandt ou um Tolstói, um Da Vinci ou um Joyce, uma Gentileshi ou uma Woolf, num mundo em que quase tudo é programado, copiado e repetido e em que o dever e o haver são as maiores preocupações das pessoas sejam elas as mais banais ou as mais sofisticadas parece-me de um saudosismo desnecessário, principalmente se tivermos em conta que as sociedades daquelas épocas eram tudo menos perfeitas.