DEUS, PÁTRIA, FAMÍLIA, de Hugo Gonçalves
Um livro que recomendo sem reservas e de que gostei muito apesar de não o ter achado aquilo que prometia.
Em DEUS, PÁTRIA, FAMÍLIA, Hugo Gonçalves apresenta-nos um retrato bastante fiel de uma época (na realidade de mais que uma) e isso é algo de que precisamos na literatura portuguesa.
Também aposta em mostrar-nos uma alternativa à história como todos a conhecemos partindo da premissa de "e se Salazar tivesse morrido?". É uma ideia magnífica que gostaria de ter visto bastante mais desenvolvida mas como distopia não me convenceu, confesso. Na verdade, senti-me sempre no Portugal de Salazar (excepto talvez nas últimas páginas mas aí era tarde de mais, o worldbuilding não pode ser feito quando a história está a acabar). Para a história não incomodou, pelo contrário, uma vez que talvez fosse uma distracção demasiado grande para a história em si.
Gostei dos personagens deste livro e preferia tê-los visto mais desenvolvidos e aprofundados. Ainda assim Luís Paixão Leal é um digno protagonista e a sua história, passada presente e quiçá futura é interessante. Os outros personagens, de Rebeca a Inácio Capote, passando pelos policias, pides e não pides, pelas prostitutas, criadas e afins, eram um leque bastante consistente.
Não é possível ler este livro sem que nos apercebamos da crítica feroz que o escritor fez à religião (católica) em geral e ao fenómeno de Fátima em particular. Também por isso este livro vale a pena. Há que lhe tirar o chapéu, Hugo Gonçalves não é minimamente condescendente.
Qualquer livro que não pretenda ser um manual histórico reflecte e obriga-nos a pensar no presente, na história que vivemos. E aqui não é possível deixar de pensar no poder de desvio que uma virgula na história tem, na força da manipulação de massas (chamo-lo muitas vezes, benignamente, de populismo, retirando-lhe quiçá parte do perigo) e no quão presente isto está no Portugal dos nossos dias.