Caderno de Memórias Coloniais, de Isabela Figueiredo
"A minha terra havia de ser uma história, uma língua, uma ideia miscigenada de qualquer coisa de cultura e memória, um não pertencer a nada nem a ninguém por muito tempo, e ao mesmo tempo poder ser tudo, e de todos, se me quisessem, para que me merecesse ser amada; quanto custava o amor?"
As memórias de Isabela Figueiredo fizeram-me companhia num voo longo de avião. Pude lê-las com tempo e de quase uma penada. A ideia de ter pela frente 8 horas de solidão é-me estranhamente apelativa. 8 horas sem notificações no telefone nem possibilidade de contacto. 8 horas minhas e só minhas, em que não me sinto de forma nenhuma culpada por ler e dormir como se não houvesse amanhã. Acho que percebem o quão cansada me ando a sentir. É um bocado triste ansiar pelo momento de ficar fechada num avião (e acreditem, não era o destino que me atraia - de todo - foram dias de intenso trabalho, longe de casa e sem tempo ou forças para fazer algo mais) mas é a pura verdade.
Adiante.
As memórias de Isabela Figueiredo fizeram-me companhia num longo voo. E que bom foi. Livraço. Não é surpreendente. Sou fã assumida da escritora que agora também admiro pela coragem de se expor nas páginas deste livro. O retorno das colónias após o 25 de Abril marcou uma (ou várias) geração. Cá e lá. Como bons portugueses que somos gostamos de nos convencer que lidámos com tudo (colonização, descolonização, retorno, aceitação) da forma perfeita. Tão perfeita que nem vale a pena falar nisso. E é por isso que testemunhos como este, da Isabela Figueiredo, são tão importantes. Não vou falar do conteúdo do livro, não acho que seja relevante para a mensagem que vos quero passar. Prefiro destacar a importância do testemunho, a beleza das palavras e da forma como a escritora se mostra nestas páginas. Imagino que não tenha sido fácil. Imagino que tenha sido necessário. Não sei bem o que lhe diria se tivesse a oportunidade de me sentar a beber um café com ela mas acho que seria qualquer coisa do género "o amor transborda desde livro" antecedido de um "obrigada, foi um privilégio lê-lo".
Acabo a dizer o mesmo que digo sempre que falo de "O retorno", de Dulce Maria Cardoso ou do Gente feita de terra, da Carla M. Soares: eis um livro que podia ser lido nas nossas escolas, não apenas pela qualidade literária mas também pela ligação ao nosso passado recente e à importância que a memória do fomos tem para o nosso futuro.
"eu era ali a figura da terra vencida que pode saquear-se"