Berta Isla, de Javier Marías
Berta Isla foi o primeiro livro de Javier Marías que li. Este autor estava naquela lista dos "incontornáveis e adorados por todos que não li porque tenho um medo do caraças de não gostar e ser a ovelha ronhosa cá do sítio". Em vez de começar pelos livros mais famosos ou por aqueles de quem todos os meus amigos falam (com o Os enamoramentos à cabeça desta outra lista) comecei por um que comprei por impulso no dia em fiz 40 anos.
Berta Isla conta a história de um casamento... não, de um "casamento" talvez não seja a palavra certa. Berta Isla conta a história de como duas pessoas, por pura teimosia (e no fundo talvez seja isso a que chamamos amor) se mantêm numa relação quando toda a lógica diz que aquela não faz nenhum sentido. É a história de duas pessoas que não deixam que a vida se intrometa na sua relação.
Berta e Tómas (ou Tom) conhecem-se no liceu. Ela, madrilena, ele, filho de um inglês e de uma espanhola, cedo percebem que é um com o outro que querem ficar. A separação do tempo da faculdade (ela estuda em Madrid, ele em Oxford) marca o início e, afinal, o ritmo de toda uma vida. As separações frequentes, a vida a dois e as vidas, que não se misturam, quando estão separados. É durante a estada em Oxford que Tom é recrutado, após um incidente que tem o poder de mudar o curso de uma vida e por ter um talento especial para as línguas, para os serviços secretos ingleses. Mas não é certamente a necessidade de secretismo que advém deste tipo de ocupação que se irá intrometer na vida de Berta e Tómas.
Berta não sabe, na verdade, a que se dedica o seu marido. E quando descobre continua a não saber. E como tal, como qualquer pessoa que, na verdade, não sabe mas tem parte da informação... especula, adivinha, remói, inventa, sonha, julga. E vou confessar-vos - esta parte chateou-me um pouco. Metade do espaço dedicado às especulações da Berta tinha sido mais que suficiente. É certo que a escrita de Javier Marías é excepcional. É certo que nos consegui transmitir o solidão, o isolamento, o abandono que Berta sente. É certo que as suas dúvidas são também as nossas (apesar de sabermos mais que ela, cortesia do narrador omnisciente da primeira parte do livro) e os seus medos e julgamentos são também os nossos. Ainda assim... demasiado longa, esta segunda parte. Resistir-lhe foi um exercício de persistência (bastante facilitado pela magnífica escrita do autor).
Por outro lado gostei muito mesmo das primeira e terceira parte. Ouvir as histórias de Berta e Tom por um narrador omnisciente com um ritmo me me fazia virar página atrás de página foi mesmo muito interessante. O que me leva a querer ler a trilogia "o teu rosto amanhã" porque acho que vou gostar muito.
Apesar de ter achado desnecessariamente longa a parte em que são levantadas todas as questões morais e existências deste livro achei-as bastante pertinentes. Reflectir sobre o conceito e o pré-conceito do amor e das convenções sociais; sobre o casamento; a lealdade que devemos aos outros e a nós mesmos ou sobre quem somos, sozinhos ou com os outros, é sempre bom.
No geral acabou por ser um livro de que, apesar de não ter sido fácil de ler, gostei muito.