As crianças invisíveis, de Patrícia Reis
"Mas havia sempre a culpa, a ideia de que ser difícil não é desejável, a vontade de encaixar, a vergonha de ser quem se é por não se saber ser melhor. Não tendo a certeza da possibilidade de regresso ao lugar que conhece, M. considerou que era melhor concordar, fazer o jogo do estou-bem"
Quão invisíveis são as crianças institucionalizadas? Suponho que essa invisibilidade seja directamente proporcional à falha da sociedade para com eles.
Patrícia Reis, neste belíssimo livro - como objecto é extremamente cuidado, como já seria de esperar, desde a textura da capa à cor dos separadores dos capítulos (não me ouvem dizer isto muitas vezes mas este livro merecia uma edição em capa dura) - conta-nos a história de M. durante o tempo da sua institucionalização na "Casa".
Ao longo destas (poucas) páginas, vamo-nos debruçar e reflectir sobre uma realidade que, tantas vezes, apenas conhecemos na teoria e que, como geralmente acontece nestes casos, julgamos conhecer e atrevemo-nos a julgar e opinar.
A institucionalização - algo que me parece um mal necessário - de crianças em risco e o drama que é, por vezes, a tentativa de as inserir numa família. O horror que é a possibilidade de devolução de uma criança nos primeiros 6 meses. O tipo de laços criados numa instituição, o tipo de família que, também aí se cria, e o seu futuro.
Acho que é unânime a opinião de que todas as crianças merecem ter uma família - seja mais ou menos tradicional - e a protecção e amor que lhes permitam crescer em segurança e com oportunidade para serem tudo o que quiserem ser.
Mas, e este é o ponto mais importante deste livro, será esta solução (a adopção) a mais certa para todas as crianças? Até que ponto, a nossa noção do que é "certo" entra em colisão com aquilo que é necessário, com aquilo que aquela menina ou menino, aquela pessoa, quer e precisa?
Gostava de ter tido mais tempo com M. e com Conceição para estabelecer com estas personagens uma ligação maior. Provavelmente isso iria implicar mais páginas e que a acção não abrangesse um período de tempo tão longo. Não me importava nada até porque a autora levantou várias questões que acabou por não aprofundar.
Doeu-me ler este livro e isso é o maior elogio que lhe posso fazer. Sem qualquer sombra de dúvida será um dos livros deste ano.