Amor Estragado, de Ana Bárbara Pedrosa
Ler este livro em duas madrugadas marcadas pela insónia habitual talvez não tenha sido a melhor das ideias mas a verdade é que foi o que aconteceu. Já sabia mais ou menos ao que ia mas o primeiro parágrafo marcou o tom: "Matei a minha mulher. Não fiz de propósito, mas é daquelas coisas que, depois de feitas, já não deixam volta a dar". Quem nos fala assim é Manel, o agressor, assassino de Ema. A primeira voz que ouvimos é a do agressor, não a admitir um crime mas a constatar um facto. Aconteceu, pronto. E nem sequer foi culpa dele. A segunda voz é a de Zé, irmão de Manel, que nos conta, de fora do casamento mas de dentro da família, como é que ninguém conseguiu impedir que tal acontecesse. A voz de Ema não se ouve mas enche as páginas deste livro.
Ao longo desta breve e dura leitura pensei muitas vezes que talvez, talvez, isto fosse um pouco de exagero mas imediatamente me lembrava de todas as mulheres que todos os anos morrem às mãos de homens violentos (no ano de 2023 foram, salvo erro, 17 cá em Portugal) e voltava às páginas à procura de uma explicação para além da maldade pura e dura. Ana Bárbara Pedrosa não tem qualquer complacência e obriga-nos a olhar para esta mulher - morta às mãos de um amor estragado (o dela, que dele não se pode falar de amor) - que sofre humilhação atrás de humilhação, que é destruída a cada página, a cada chapada, cada insulto e obriga-nos a reflectir e a admitir que falhamos enquanto sociedade.
Tenho sempre dificuldade em dizer que um livro destes é bom ou que gostei. Esta história é feia e magoa, deprime e revolta-nos. Como ler isto? Como não ler isto?
Há muitas histórias sobre violência doméstica. Tenho a impressão que a grande maioria é contada na perspectiva da mulher, da vítima. Esta é contada da perspectiva do agressor e de um espectador homem. E dessa forma a escritora consegue passar-nos toda a força desta história.