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Ler por aí

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18
Dez24

A vegetariana, de Han Kang

Patrícia

A vegetariana.jpeg

Claro que o facto de Han Kang ter sido laureada com o prémio Nobel da literatura “for her intense poetic prose that confronts historical traumas and exposes the fragility of human life” teve um peso na escolha deste livro. Muito falado na Roda dos livros, não estava nem perto do topo das minhas escolhas, o que fez com que não tivesse grandes expectativas e consequentemente que não seja tão crítica quanto poderia ser.

Começo por dizer que li este livro de “fora”. A cultura sul-coreana é tão diferente da nossa que não consegui sentir verdadeira empatia com as personagens. Por outro lado, essa diferença é a parte mais interessante deste livro. É (também) para conhecer outras culturas que lemos livros.

Uma mulher, um dia e por causa de um sonho, decide deixar de comer carne (ou ovos, ou vestir couro, enfim, quase tudo o que tenha origem animal). E à sua volta todos fazem questão de lhe mostrar (e a nós) que assim ela está a rejeitar todos os princípios da sociedade (patriarcal) na qual se insere. Essa decisão que, diríamos, é algo pessoal que não deveria afectar os outros de forma substancial, é, no entanto, vista como um insulto, como um ataque.  Não é de incompreensão pela opção dela que falamos, é de incompreensão e rejeição da mera possibilidade de uma coisa, uma mulher, decidir algo fora da caixa, algo diferente. Bem, incompreensão em relação à mera possibilidade de uma mulher decidir.

Os homens deste livro são execráveis. Mas apesar de ser através dos olhos deles que vemos Yeong-hye, não são importantes nesta história, servem um propósito e é tudo.

Escolher é um escândalo, isso é bem patente neste livro. A escolha de Yeong-hye é a rejeição dos princípios, dos costumes de uma sociedade. A audácia de ser diferente leva-a (como tantas mulheres ao longo da história) ao hospício e a doença mental (como origem ou como consequência das decisões, depende a quem perguntarem) passa a ser uma questão, especialmente para a irmã, a outra mulher desta história, que se vê a si mesma reflectida no percurso da irmã, revelando também ela alguns traços de uma certa instabilidade mental. E foi aqui que este livro me perdeu.

Às páginas tantas, enquanto a In-hye reflecte no seu próprio percurso, nas suas decisões e em como nem o seu próprio corpo as mulheres têm a liberdade de tratar como quiserem, diz:

Se calhar, a determinada altura, Yeong-hye deixou simplesmente cair o ténue fio que a mantinha ligada à vida de todos os dias. Durante os últimos meses de insónia, In-hye sentia por vezes que estava a viver num estado de caos total. Se não fosse por Jin-woo – e pelo sentido de responsabilidade que tinha em relação a ele-, talvez também ela tivesse quebrado esse fio.”

Ora eu estou tão farta, mas tão farta desta associação do valor da mulher à maternidade que ver escarrapachada, neste livro, a ideia de que o que separa a sanidade da loucura é a maternidade me chocou e me transportou imediatamente à época em que as mulheres eram arbitrariamente internadas por “histeria”.

E voilá, uma frase, uma ideia, estragou-me um livro que, não sendo o género de história que mais me agrada, podia ter sido uma leitura interessante, se bem que estranha.

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