03
Abr15
A Praça da Canção, de Manuel Alegre
Patrícia
A poesia sai à praça, às gentes e é cantada por vozes mais ou menos conhecidas. Já todos (sim, todos) ouvimos os versos de Manuel Alegre, já todos em algum momento tornámos nossos estes versos mesmo sem saber da mão ou da voz que primeiro os escreveu ou cantou.
Os poemas deste livro percorreram mais de meio século e foi neste Abril que me chegaram às mãos. Alegre cantou Abril antes de tempo, quando Abril escondia o medo, a revolta, a morte e não a esperança, a vida e a liberdade.
Não sei apreciar poesia, não a percebo facilmente e só torno meu um poema por acaso, quase por engano. Li este livro por vergonha de não o ler, já que era o livro escolhido para o grupo de Leitura em Grupo da LEYA (na Buchholtz) e acabei por ter uma boa surpresa. É um livro cheio de tristeza, que conta o nosso passado, que mostra a revolta de uns tantos e que faz parte da nossa história literária.
Deixo-vos o meu poema favorito:
Variações sobre "O poema pouco original
do medo" de Alexandre O´Neill
Os ratos invadiram a cidade
povoaram as casas os ratos roeram
o coração das gentes.
Cada homem traz um rato na alma.
Na rua os ratos roeram a vida.É proibido não ser rato.
Canto na toca. E sou um homem.
Os ratos não tiveram tempo de roer-me
os ratos não podem roer um homem
que grita não aos ratos.
Encho a toca de sol.
(Cá fora os ratos roeram o sol).
Encho a toca de luar.
(Cá fora os ratos roeram a lua).
Encho a toca de amor.
(Cá fora os ratos roeram o amor).
Na toca que já foi dos ratos cantam
os homens que não chiam. E cantando
a toca enche-se de sol.
(o pouco sol que os ratos não roeram).
Manuel Alegre, in " Praça da Canção ", 1965