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Ler por aí

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03
Out24

A mulher-casa, de Tânia Ganho

Patrícia

a mulher-casa.webp 

"Thomas é inventivo. Thomas é paciente. Thomas é bom pai. o único defeito de Thomas é ser pai uma hora por dia, meia hora antes de sair de casa, meia hora depois de chegar; as restantes vinte e três são da responsabilidade de Mara."

"O bebé anula uma parte dela, torna-a invisível."

"Não deixa de ser irónico que a aldeia que a asfixiava em adolescente se tenha tornado sinónimo de espaço e liberdade."

 

Tânia Ganho não é apenas uma das grandes tradutoras, é também uma das grandes escritoras portuguesas. E terei, obviamente, de ler todos os seus livros. Este A mulher-casa foi dos mais elogiados na Roda dos Livros e, por isso, está na minha lista infinita de "livros que quero ler". Foi ficando por aqui, como tantos outros, à espera da altura certa para ser lido. Escuso de dizer que gostei muito, mas cá fica "leiam, é um óptimo livro".

Não há coisa melhor para um leitor que rever-se nas páginas de um livro, perceber que aquilo que sente é também sentido por outros. Isto é especialmente importante quando se fala de temas difíceis, quando a empatia e o reconhecimento chegam mesmo que apenas através das palavras. Mesmo quando as circunstâncias das personagens são outras, tão distintas das nossas como a ficção da realidade, ainda assim o reconhecimento está lá.  Para mim, o que fica deste livro é isso, esta identificação com Mara logo às primeiras páginas apesar de todas as diferenças entre nós. Não tenho filhos, o meu marido é tudo menos ausente ou palerma, o meu sentido de estilo é inexistente (como este fim de semana uma amiga me lembrava: "ai, tantas vezes a tua mãe dizia que tu não tinhas um pingo de vaidade, não compravas uma peça de roupa era só livros, livros"). Mas compreendo o que é a solidão, o sentir-me invisível. O que é querer um bocadinho de tempo para mim e sentir-me culpada quando o tenho. 

É esta a verdadeira mestria de Tânia Ganho neste livro: conseguir escrever sentimentos, culpas, sensações. Mostrar toda a paleta de cores que há entre o branco e preto. Mara, a nossa protagonista, tem tantas qualidade como defeitos, é um poço de contradições, é uma força da natureza como todas as mulheres, avança apesar das dúvidas, da dor, dos erros, das más decisões. Mara é sinónimo de amor, de dedicação.

Era tão mais fácil para todos, homens e mulheres, que deixássemos de lado a culpa em determinadas situações. E não falo do adultério (honestamente, estou-me a borrifar para essa parte do livro, está ali porque cumpre um propósito mas não é, ou não foi para mim, relevante nesta leitura). Falo da culpa que ela sente sempre que se questiona se será uma boa mãe ou não. A necessidade que temos de nos anular em detrimento dos outros, não por amor (o amor não é algo que se ponha em causa, existe, é fundamental, é parte integrante de nós), mas por sentido de dever, porque a sociedade, porque a nossa cultura assim o diz. Sentirmos que tentar preservar aquilo que somos em vez de nos transformarmos naquilo que os outros precisam que sejamos é um erro que pagamos caro. E que prejudica aqueles que mais amamos e que nunca nos pediram que o fizéssemos. 

Percebo e não percebo o final deste livro. Acho que está muito na onda dos "sim, sim, até era giro que acontecesse mas simplesmente não consigo acreditar". Não me estragou a leitura mas não consigo ter em mim aquela doçura. 

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