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Ler por aí

Ler por aí

14
Jul23

Livros de Verão

Patrícia

Há livros de verão? As estações do ano condicionam as vossas leituras? Os livros que lêem nas férias de "inverno" (se as tiverem) são os mesmo que lêem nas férias de verão?

Acho que há duas correntes ou melhor três. Os primeiros e acredito que mais comuns são os que para as férias procuram livros mais leves, romances, policiais, enfim, livros de leitura rápida. Os segundos são os que aproveitam as férias para ler livros mais complexos, calhamaços, enfim, livros pesados (e não apenas no que ao peso diz respeito) por terem mais "disponibilidade mental". E depois temos os terceiros que não são muito influenciados pelas circunstâncias externas ao "agora apetece-me ler isto", categoria em que me incluo.

Na verdade percebo quem diz que nas férias quer é livros envolventes e de leitura rápida, para ler à beira-mar ou de uma piscina e para "limpar a cabeça". Quem nunca precisou deste género de leitura que atire a primeira pedra. Já eu acho que ler um "guilty plesure" num dia de praia que vai terminar num jantar bem regado e com muito riso é sinónimo de um dia perfeito. Por outro lado também percebo quem pega num livro exigente apenas nas alturas em que tem tempo para reflectir sobre a leitura, para dedicar algumas horas a ler sem interrupções.

Repito-vos a pergunta que fiz no início "Há livros de Verão?" por pura curiosidade e sem qualquer género de crítica ou julgamento. Os livros de verão são sempre aqueles que cada um de nós escolher ler no verão, claro.

Com o advento dos livros electrónicos eu tenho sempre disponível uma escolha imensa. Terminou o tormento de ter que escolher os livros para levar na mala. Sei lá eu o que me vai apetecer ler depois do livro que estou a ler. Mas, just in case, já comprei um calhamaço para levar na mala... é que nunca se sabe se não acaba a bateria do e-reader numa noite sem luz.

09
Jul23

São tempos interessantes

Patrícia

Na última semana deu-se mais uma revolução nas redes sociais. Não sei se a morte do Twitter é "manifestamente exagerada" ou se é desta que o pássaro azul vai mesmo à vida. Eu apaguei a minha conta. Há uma semana decidi que chegava. A "minha" rede era, desde há muito, o Twitter, gostava daquela interacção através de palavras, aprendi bastante, acabei por me apoiar naquelas contas para estar informada. Com a venda da rede ao Elon Musk e as alterações que foram acontecendo tornou-se cada vez menos possível acreditar no que por ali se diz (pelo menos sem fazer uma verificação séria), tornou-se também bastante difícil ter uma opinião sem ter uma enxurrada de energúmenos a chatear, insultar. Até falar de livros se tornou difícil. E por isso chegou ao fim mais este ciclo. A violência que me fazia estar cada vez mais calada acabou por fazer a diferença e mostrar-me que eu já não tinha lugar ali. Numa tentativa de manter o contacto com algumas pessoas que fui conhecendo nos últimos anos abri conta no Mastodon e no Bluesky, no primeiro há uma comunidade de leitores jeitosa, o segundo parece o Twitter há uns anos mas ainda bastante calmo. A nova rede do Meta não é nem será para mim - e se o Instagram tiver que ir à vida por causa disso, irá. 

Não sei 

04
Jul23

Babel, or the Necessity of Violence (An Arcane History), de R.F Kuang

Patrícia

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A escritora deste livro tem 27 anos. Caramba. Enfim, avancemos.

Ficará desiludido quem lê este livro à espera de um worldbuilding fantástico, de um sistema de magia à lá Sanderson ou coisa que o valha, de um universo absolutamente novo. As diferenças para o "nosso" mundo são subtis. A magia neste livro não é mais que "lost in translation", o poder daquilo que se perde na tradução de duas palavras inscritas numa barra de prata. Para um leitor que, por definição, gosta tanto de ler e do poder da palavra este é um conceito fantástico. Apesar de haver muitas páginas dedicadas à linguagem, ao seu poder e à tradução, este não é um livro de linguística - mesmo que todas as notas de rodapé nos remetam para tal. Na verdade esta torrente de notas de rodapé faz-me lembrar o livro Jonathan Strange e Mr. Norrel,  uma vez que ambos pegam na História, na realidade histórica e a distorcem, brincam com ela, criam uma jogo de imagens e acabam por ser uma espécie de jogo de diferenças. Mas eu gostei bem mais do Jonathan Strange e Mr. Norrel.

Robin Swift é um órfão oriundo de Cantão, que veio para Inglaterra com um propósito muito específico: aprender o máximo de línguas possível de forma a ingressar em Babel, o instituto de tradução de Oxfort, na idade certa. A desenraizamento deste miúdo começa aqui. Num livro que fala do poder das palavras não é possível ignorar que a este menino é pedido que escolha um novo nome mais inglês. Quer o percebamos nessa altura ou mais à frente começa aqui a "questão de identidade" que perseguirá Robin ao longo de toda a vida. Já em Babel, seguimos o grupo de amigos de Robin: Ramy, nascido em Calcutá e educado em Inglaterra; Victoire, nascida no Haiti mas que cresceu em França; Letty, nada e criada em Inglaterra, uma verdadeira rosa inglesa. São, em Babel, o grupo dos outsiders. Curiosamente são, ao mesmo, tempo o maior trunfo de Babel. Aliás, Babel reflecte o mundo que R.F Kuang nos quer efectivamente mostrar. Destes meninos, trazidos sem escolha das colónias inglesas, espera-se subserviência, agradecimento e nada mais que uma atitude de gratidão por lhes ter sido dada a oportunidade de viver como ingleses. Bem, quase, porque se espera que passem a sua vida a devolver a Inglaterra o favor. Para sempre serão devedores dessa benevolência. 

Já perceberam certamente que as questões de identidade e do colonialismo são centrais neste livro. Bem, isso e a questão que o subtítulo levanta "há, ou não, uma real necessidade de violência?"

Já acabei de ler este livro há algum tempo e ainda não consigo ter uma opinião completamente formada. Não me apaixonei, confesso, apesar de achar que é um livro que tem bastantes virtudes, nomeadamente o não ser minimamente meigo para com o leitor e abordar temas interessantes sob perspectivas interessantes. Acho que o que falhou para mim foi a construção dos personagens. Num calhamaço pareceu-me demasiado pouco que a única personagem realmente desenvolvida seja Robin. Apesar dos interlúdios nunca conhecemos realmente Rami, Letti ou Victoire, apenas os conhecemos na sua relação com Robin. Os interlúdios que nos levam ao passado são apenas uma forma fácil de explicar algumas atitudes como se o presente ou passado recente não tivessem qualquer poder ou influencia.

16
Jun23

"Subitamente, sós", de Isabelle Autissier

Patrícia

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A premissa é simples. Louise e Ludovic ficam presos numa ilha deserta e, para sobreviver, têm que se reinventar. Situações extremas pedem soluções extremas. Desengane-se quem espera uma aventura ao género de Robinson Crusoé ou de Tom Hanks enquanto náufrago. O único livro que me veio à memória enquanto lia este “subitamente, sós” foi o “A ilha de Sukkwan” de David Vann, apesar deste ser bastante mais negro e opressivo que o livro da Isabella Autissier. Ou talvez a diferença esteja em mim, na minha predisposição ao lê-lo.

Louise e Ludovic são tão diferentes quanto duas pessoas o podem ser. Ela, tímida, fechada, vive para as montanhas mas não consegue fazer do alpinismo a sua forma de vida porque a família considera não ser essa uma profissão adequada.  O que falta de confiança a Louise, Ludovic tem em excesso. A autoconfiança que vem da beleza, do amor e da certeza que alcançará tudo aquilo a que se propõe. Dois seres diferentes que se atraem e se completam. Depois de embarcarem numa volta ao mundo a dois, acabam por ficar presos numa ilha do pólo sul, sem nada mais que a mochila de montanhismo de Louise.

Boa parte do livro conta a história de sobrevivência, da desumanização e da sorte/força/coragem necessária para fazer o possível para não perder a luta contra os elementos. Interessante quanto baste. Na segunda parte do livro, o regresso. Passamos a ler sobre a dificuldade de sair do “modo de sobrevivência” e a forma como a sociedade actual “vive” este tipo de história.

A verdade é que quer na primeira parte, na luta pela sobrevivência, quer na segunda, na forma como se sobrevive à “sobrevivência”, achei esta uma história contada pela rama. Entre muita “palha”, muitas cenas risíveis, há outras que, bem desenvolvidas, podiam ter feito deste um livro especial. Infelizmente não senti, enquanto leitora, que isso tivesse sido conseguido. A história está lá mas o foco não foi o mais certeiro. O que aconteceu com o navio de cruzeiro, por exemplo, não se percebe. Se há coisa que aqueles dois tinham era tempo e não estarem coordenados naquele ponto específico não me convenceu. Pareceu-me apenas uma forma de chegar àqueles “durante e depois”. E teria havido tantas outras formas de provocar aquela situação. Noutro ponto, a parte mais interessante da segunda parte seria o pós-revelação mas, miraculosamente e depois de “engonhar” por páginas e páginas, chegamos ao final certo mas sem perceber muito bem porquê ou que acontecerá depois, um final decidido de forma unilateral quando nada naquela história o poderia ser.

11
Jun23

No Jardim do Ogre, de Leila Slimani

Patrícia

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É difícil falar deste livro. Mas é um livro que merece ser falado, discutido. Sei que a maioria não concordará comigo mas gostei mais do No Jardim do Ogre que de Canção Doce. Se não leram, aconselho a que não continuem a ler este post, haverá certamente spoilers neste texto. Mas a sinopse tb revela muito, demasiado, acho. E não acreditem na frase que diz que isto é, no fundo, uma história de amor. Não é nada, é o contrário disso.

Esta é a história de duas pessoas infelizes, que tentam desesperadamente encaixar-se numa sociedade que não as aceita como são. Ou melhor, esta é a história de duas pessoas que não se aceitam como são e que vivem profundamente infelizes na sua própria pele. É-nos mais fácil (ou imaginar) os porquês da Adèle, de onde veio aquela falta de segurança, como amor e violência se misturaram naquela cabeça. Também nos é mais fácil criticar as atitudes de Adèle. E até mais fácil ter pena de Adèle. Mas Richard não é melhor que ela. Nada naquela casamento funciona, a começar pelo sexo e a passar por todas as outras coisas importantes numa relação. Aliás, nenhum dele devia estar numa relação. Ou melhor, qualquer deles poderia estar numa relação com alguém que quisesse o mesmo. Que compreendesse e aceitasse a necessidade de violência que Adèle sente. Que aceitasse a relação asséptica que Richard pretende. Que aceitasse a totoal ausência de sentimentos numa relação. Mas não podiam estar numa relação um com o outro.

Como habitualmente li algumas opiniões sobre este livro e sinto que não li as mesmas palavras que a maioria das pessoas. "Ninfomania", "Pulsão sexual", "Desejo". Não foi nada disso que aqui li. Não é um livro sobre desejo. Não é o prazer sexual que Adèle procura. Nem sequer é prazer que ela procura (antes fosse). Pulsão, sim, mas pouco sexual. A violência, a dor e, acima de tudo, a humilhação são a verdadeira pulsão. Procura-as como confirmação da opinião que tem de si mesma . Não consegui sequer achar que Adèle gostava de sexo. Talvez seja um lugar comum dizer que ela pretendia acima de tudo ser "vista" mas fiquei com essa sensação (aliás, quando é descoberta sente efectivamente alívio). Infelizmente para ambos, a raiva em Richard toma a forma de possessão. Uma das coisas que me impressionou foi que, quando descobre a traição, uma das primeiras frases que lhe sai é "nunca mais vês o teu filho, vou tirar-to". Tão típico. Tão verdadeiro. Tão triste. E o "perdão" vem com toda uma forma de tortura e violência mansa que me arrepiou. 

08
Jun23

As Primas, de Aurora Venturini

Patrícia

 

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Nos primeiros capítulos, o choque e a estranheza. Foi bom ter começado a ler este livro às escuras, sem nada saber sobre ele.

(num aparte, acho que esta é a desvantagem de toda a informação/comunicação à volta dos livros, raramente nos surpreendemos, já sabemos pelo menos o que esperar daquele livro porque já lemos inúmeras opiniões, exactamente iguais a esta, e que, mesmo sem spoilers já nos prepararam, já criaram expectativas, já nos condicionaram a leitura. No fundo acontece o mesmo quando lemos um primeiro maravilhoso livro de um escritor – por muito bom que seja, nunca mais é como na primeira vez)

Dizia eu que primeiro foi o choque e a estranheza. Num tempo em que a linguagem é cada vez mais pensada, higienizada, tornada socialmente correcta e aceitável, temos neste livro o claro exemplo do poder da linguagem. O poder da linguagem. O poder da literatura. A forma como a literatura consegue fazer-nos sentir, como consegue fazer-nos visualizar, como nos transmite tanto a beleza como a repulsa. Posso esquecer a maioria por pormenores desta história mas dificilmente esquecerei como me senti ao lê-la.

Yuna conta-nos a sua vida e a vida daquela família estranha. Aquelas histórias, pelos seus olhos, pelas suas palavras, pela sua voz que cresce e se desenvolve nas páginas daqueles livros. Eu confesso que não sei bem o que é um livro de “personagem” mas, o que quer que seja, este parece sê-lo: Yuna cresce sob o nossos olhos, transforma-se, engrandece. Não é um livro fácil, nem pretende sê-lo, nem é um livro que leve o leitor pela mão – e ainda bem.

 

28
Mai23

O tempo dos outros

Patrícia

O tempo pergunta ao tempo quanto tempo o tempo tem.

O tempo responde ao tempo que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem.

Vamos ser sinceros: Tal como a galinha da vizinha é sempre melhor, a erva é sempre mais verde do outro lado, também o nosso tempo é muito mais importante que o tempo dos outros.

Este texto surgiu na sala de espera de um consultório médico. Tinha marcado uma consulta para o primeiro horário disponível, uns minutos antes da hora estava a tocar à campainha da clínica e depois esperei cerca de 1h10 minutos pelo médico. 1h10 minutos na primeira consulta do dia. Mas é um médico, preciso da consulta, cerro os dentes e aguento. Perco 1h10 da minha vida porque alguém não tem respeito suficiente para acreditar que o meu tempo vale tanto quanto o dele.

Há uns tempos aceitei a marcação de uma reunião zoom e meia hora depois saí da reunião sem que as pessoas do outro lado tivessem sequer aparecido. Certamente o seu tempo é bastante mais valioso que o meu.

Nós leitores carregamos livros para todo o lado para aproveitar este tempo, que nos é oferecido por quem não nos respeita o suficiente para cumprir os horários que connosco acordaram mas ainda temos que ouvir "eu não tenho tempo para ler". Certamente que o tempo destas pessoas é bastante mais valioso que o nosso e ocupado em actividades em que vale a pena gastar o tempo, enquanto nós, que temos tempo para dar e vender, até podemos gastar tempo com os livros.

E os amigos? Aqueles que sistematicamente chegam atrasados ao café? Um sorriso e um "desculpa, não consegui chegar antes" porque o seu tempo é muito mais importante que o nosso, resta-nos esperar que façam o sacrifício de gastar um pouco do seu precioso tempo connosco.

(nem vou falar do que tanta gente passa em casa, com o seu tempo a ser totalmente desvalorizado pelo outro)

Espectáculos vários e concertos em particular que começam sistematicamente tarde e que demonstram ter mais respeito por quem chega atrasado do que por quem os respeita o suficiente para chegar a horas é também um banal por cá.

A minha mãe, professora primária, ensinou-me sempre que se chegasse em cima da hora, estava atrasada. Se a aula começava às 08h, a essa hora deveríamos estar sentados, preparados para começar a aula e não a entrar na escola/sala de aula. Trouxe esse hábito para a vida. Tenho o dia estragado se me atraso para o trabalho. 10 minutos é o suficiente para me deixar à beira de um ataque de nervos. Claro que me atraso, de vez em quando, como toda a gente mas tento sempre avisar, pedir desculpa e não agir como se o meu tempo fosse mais importante que o de todos os outros.

25
Mai23

A história de Roma, de Joana Bértholo

Patrícia

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Desde que li o Ecologia, o nome da Joana Bértholo entrou de forma directa para a lista dos "escritores que quero ler". Fui lendo e ouvindo muitas opiniões, a maioria extremamente positiva, que referiam ser uma história sobre "o que podia ter sido". 

Após ter acabado de ler este livro, de que definitivamente gostei muito, precisei de algum tempo para "encaixar o que li" e conseguir verbalizar a minha opinião.

(se não leram o livro aconselho a que parem de ler aqui, pode haver alguns spoilers)

Sim, eu percebo porque é tantas vezes dito "é uma história sobre o que podia ser dito". Prefiro não a entender assim. E já o explico. 

Às páginas tantas percebemos que a nossa narradora, Joana, é "pouco confiável". Na verdade é tão pouco confiável quando qualquer pessoa na vida real. Ela conta-nos a forma como viveu, o que sente, a sua interpretação dos acontecimentos, a sua memória de certas conversas, a sua versão de alguns momentos. E também nos omite factos, seja de forma consciente ou inconsciente. Para mim, neste livro, isso faz dela uma pessoa bem mais real que muitas personagens uni-dimensionais que por hábito vamos encontrando nos livros e que nos convencemos que conhecemos. Independentemente de gostarmos ou não de Joana, de sentirmos ou não empatia com ela, com as suas escolhas e com as suas decisões, conhecemo-las e compreendemo-las ao longo destas páginas e das suas viagens. Apesar de, tal como Joana fazia com os amigos, só conhecermos o que ela nos quer contar e de, por vezes, duvidarmos da veracidade daquelas memórias/declarações. Literariamente, esta forma de contar uma história é bastante interessante e é aqui que para mim encaixa a frase "é uma história do que podia ter sido"...

A maternidade, o ser ou não "mãe", é um assunto central na vida de qualquer mulher, da sociedade. A pressão que existe e que valida/critica as escolhas que supostamente as mulheres têm o direito de fazer, é algo que qualquer mulher conhece e que tão bem está retratado aqui. Joana Bértholo não tem complacências e ao longo destas páginas vai-nos contando aquilo que já tão bem sabemos, que tantas de nós vivemos em cada dia. Este, que é um assunto maior, é tantas vezes menorizado na literatura e quase sempre apresentado da forma que reflecte a posição da sociedade: as mulheres são acima de tudo reprodutoras, "podem escolher mas..." e é este "mas" que contém toda a culpa do mundo.

Este livro é uma história do que podia ter sido, reformulo, este livro é uma história de quem podia ter sido. Confesso que esta parte me fez, à primeira leitura, ter uma reacção de "a sério? depois disto tudo, é esta a opção?" mas tenho que ser justa e perceber que Joana Bértholo faz aqui aquilo que a literatura faz de melhor: fazer-nos pensar, não ser meiga nem nos levar pela mão. A literatura não serve apenas para nos contar histórias bonitas, fáceis ou que digam exactamente aquilo que pensamos. Serve também para nos incomodar, espicaçar. 

Ecologia ainda é o meu livro preferido da Joana Bértholo mas gostei muito deste A história de Roma, que é o tipo de livro que fica comigo muito tempo, que vou descobrindo mesmo quando já o li há muito, de que me apetece falar e ir redescobrindo a cada conversa.

 

24
Mai23

Um cão no meio do caminho, de Isabela Figueiredo

Patrícia

 

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Acho que este foi dos livros mais consensuais dos últimos tempos. O problema é que eu sou, geralmente, a ovelha ronhosa e como tal fujo dos livros de que toda a gente gosta. Um outro problema é que todos me diziam ser um livro sobre solidão. Pior, um livro sobre a solidão nas cidades. E, para mim, a solidão tem duas facetas: ou é maravilhosa ou deprimente. As coisas maravilhosas não dão grande literatura e a "solidão deprimente" é coisa que me aflige muito e eu tenho medo de ver as coisas que me afligem muito transformadas em literatura bonita. Eu sei, sou estranha. Para além disto comecei três vezes este livro e não fiquei fascinada - em minha defesa devo admitir que essas três tentativas foram a altas horas de noites de insónia.

Mas quando percebi que o livro não é sobre solidão (eu compreendo porque o dizem) mas sim sobre o contrário da solidão e quando conheci o personagem fascinante que nos conta esta história fiquei completa e absolutamente agarrada. E li-o de duas penadas. 

Não considero que este seja um livro sobre solidão, apesar da "solidão", enquanto modo de ser, estar presente. Para mim esta história é sobre escolhas. Sobre coragem. Sobre a coragem de fazer escolhas que não são imediata ou facilmente entendidas. É também um livro sobre preconceito. A escritora mostra-nos os nossos preconceitos de uma forma muito pouco subtil mas bastante eficaz. 

 A coragem de viver de acordo com aquilo em que se acredita, a coragem de ser quem devemos e queremos ser deixou-me encantada. A força de nos libertarmos do condicionalismo da sociedade, de não permitirmos que seja as crenças dos outros a moldar-nos é aquilo que eu li nas páginas deste livro. Esta força, esta coragem não vem sem consequências. O caminho para sermos quem somos não é sempre fácil e sem caixas, quer dizer, sem pedras no caminho. E nem sempre é possível mesmo com toda a coragem do mundo. 

Isabela Figueiredo, neste livro, obriga-nos a enfrentar a nossa cobardia de uma forma ímpar.

Este foi um livro que ofereci mesmo antes de o ler. E não tenho dúvidas que o vou impingir a todos aqueles a quem ofereço livros.

 

08
Mai23

Os Memoráveis, de Lídia Jorge

Patrícia

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Revisitação literária do 25 de Abril ou viagem à mitologia dos factos e não à história dos factos (palavras da escritora), este é um livro muito interessante.

Quando se passam quase 50 anos sobre o 25 de Abril e assistimos a tristes figuras como as que tiveram lugar na Assembleia da República este ano, percebemos que temos que nos esforçar para "cumprir o sonho, cumprir Abril". A literatura é uma forma, talvez a mais excelente forma, de nos fazer pensar.  De, com tempo e espaço, contar a História, a sua mitologia e o seu coração. A literatura aproxima-nos dos factos, faz-nos reflectir, pensar, pôr em causa, questionar, relembrar.

A Ana Maria Machado, uma filha de Abril, repórter em Washington, é-lhe pedido que regresse a Portugal e conte a história da Revolução dos Cravos. Partindo de uma fotografia que reúne os principais protagonistas de Abril (e da sua própria história), Ana Maria e dois colegas lançam-se na busca da estória dentro da História.

Este é um livro extremamente bem escrito (como todos os da escritora) e que nos força a uma leitura lenta. Não podemos pegar nos Memoráveis e esperar um documentário sobre o 25 de Abril, não é para isso que a literatura serve. Lídia Jorge procura o olhar de uma geração que nasceu depois do 25 de Abril, que sem viver Abril, viveu todas as suas consequências. A dicotomia sonho/desilusão está presente em cada página, em cada relato dos protagonistas de Abril, uns mais reconhecíveis que outros (todos são tratados em cada página do livro pela alcunha que lhes foi dada por Rosie Honoré) ou na forma como Ana Maria, Miguel Ângelo ou Margarida vivem esta reportagem.

Um livro importante a que, sem dúvida, ainda voltarei.

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