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Ler por aí

Ler por aí

20
Nov24

Não é possível que já seja Novembro

Patrícia

O tempo, relativo ou não, passa demasiado depressa. Não, ainda não venho falar de Natal nem fazer-vos sugestões de livros-presente (claro que um livro é sempre o presente certo), isso fica para o mês de Dezembro. Não tenho andado a ler muito e não prevejo vir a fazê-lo no próximo mês. Desde o A Guardiã li apenas dois livros. O primeiro foi o Os Crimes do verão de 1985 de que não fiquei fã - demasiadas incongruências para mim, sou uma pessoa que sofre dos nervos quando deixo de acreditar no que estou a ler. Esta minha característica é tão amada quanto questionada no meu grupo de leitores. Amada porque é uma risota completa quando eu começo “ora vamos lá a ver, então cabe na cabeça de alguém que esta merda pudesse acontecer?” ou “a sério? Querem mesmo convencer-me que alguém espirra sempre que levanta o dedo mindinho da mão direita e dá três passos em pé coxinho?”. Questionada, porque me perguntam como raio eu sou tão picuinhas com determinados livros mas falo de dragões e fantasia como se acreditasse piamente que aquilo é verdade. A resposta é simples, a questão da verosimilhança é, para mim enquanto leitora, bastante importante. Quando eu estou a ler um livro tenho que acreditar no que está ali.

Enquanto eu estou a ler Fantasia ou Ficção cientifica, acredito que aquele mundo, aquelas regras, são reais. E a verdade é que os leitores de fantasia e FC são, por definição, uns chatos do catano com esta questão da verosimilhança dada uma determinada premissa.  No worldbuilding de um livro de fantasia é estabelecida a premissa, a definição das regras é feita e no final aquilo tem que bater certo, de acordo com aquelas regras. Para inventar regras a meio é preciso ter muito cuidado (o Sanderson é exímio nisto porque quando relemos os livros percebemos o quão bem definidas estão as regras mesmo que só mais tarde saibamos que existem). Quando estou a ler ficção passada na nossa realidade, tudo o que ali está tem que ser compatível com aquilo que conheço, uma espécie de “se non è vero, è ben trovato”. Num romance histórico passado no século XIX não pode haver telemóveis. Acho que assim toda a gente percebe o que quero dizer. E sim, eu sei que que há imensa coisa (especialmente mentalidades/higiene) nos romances de ficção histórica que não correspondem à época e confesso que isso não me agrada mas admito algumas liberdades a bem da estória. Só que há coisas que não são verosímeis. Às vezes basta uma grande, outras vezes são as várias pequenas que me enervam. No caso deste policial começou por me enervar a atribuição de uma reportagem de um caso de pedofilia a um dos personagens, reportagem essa extramente conhecida, aquilo pareceu-me preguiça. Depois foi a inclusão de todos os casos (e mega processos) possíveis e imaginários (ao contrário do que possa parecer, uma bela dose de realidade não ajuda a fazer de um policial uma leitura interessante). E não esquecer as cenas do “a sério?” começando com uma determinada cena num beco e terminando na personagem do padre (claramente o autor conhece pouco da vida numa pequena paróquia em particular e da igreja católica em geral – isso ou o padre ganhou o euromilhões e cortaram essa parte do livro). Enfim, o livro terá as suas qualidades porque tem sido extremamente bem recebido mas não me agradou, certamente pela minha picuinhice habitual.

O outro livro que li foi o A impostora, da R. F Kuang e também não achei um livro de entrar para os tops. Não criei anticorpos  a este livro mas, apesar do tema principal – o mercado editorial – ser um bombom para qualquer leitor, achei-o chato a um determinado ponto, cheio de clichés e com um final típico da escritora – cheio de violência despropositada. Pareceu-me um livro escrito pelo poder da raiva e isso até pode ser surpreendente mas não será memorável.

Já a leitura em andamento – Os Rostos, de Tove Ditlevsen – tem tudo para ser uma leitura fabulosa mas sobre isso falaremos num próximo post.

04
Nov24

A Guardiã, de Yael van der Wouden

Patrícia

a guardiã.webp

Países Baixos, 1961. Isabel é a fiel guardiã da casa da família. Bem, talvez não apenas da casa da família, mas da própria família. Afinal Louis, o irmão mais velho, foi o primeiro a sair de casa e continua a coleccionar mulheres e a relação da família com Hendrik é, no mínimo, conturbada. Ficou para a mulher da família (que surpresa) a obrigação de tratar da mãe e da casa que um dia ficará para Louis, o primogénito. Já a Isabel, após cumprir a missão de cuidar da mãe até ao fim, é-lhe relembrado que, como mulher, não deve pesar na vida do irmão mais velho, deve “desamparar a loja” arranjando um marido.

 No início do livro, os três irmãos são-nos apresentados de uma forma muito clara: Louis, mimado, instável e mulherengo; Hendrik, bem resolvido e estável; Isabel, solitária, deprimida, obsessiva.

Quando Eva, a nova namorada de Louis, vem passar uma temporada à casa da família, a organizada e solitária vida de Isabel desmorona-se. Primeiro desaparece uma colher. Não, primeiro aparece um caco de cerâmica que parece mesmo, mesmo, um pedaço de um prato do serviço bom da mãe de Isabel, aquele que tem lebres desenhadas. Só que não falta nenhum prato nem a Isabel se lembra de algum se ter partido. Depois desaparece uma colher. Depois desaparece outra coisa e outra ainda. Isabel dá conta de cada coisa que desaparece e a sua loucura parece crescer em espiral. Terá sido Neelke, a empregada? Ou será Eva, a estranha namorado do irmão, a responsável pelos desaparecimentos?

Isabel foi uma personagem que me fascinou desde o início do livro. As suas maldadezinhas eram, quanto muito, dignas de pena, especialmente porque o seu sofrimento era óbvio. Às tantas achei que o único caminho para ela era o da loucura. Mas enganei-me, claro e ainda bem. Teria sido demasiado óbvio. Talvez mais verosímil, mas menos interessante.

A tensão sexual é patente ao longo de todo o livro. E as cenas mais eróticas talvez possam incomodar o leitor mais sensível (digamos que não era um livro que desse a ler à minha mãe).

Quem me conhece sabe que sou muito chatinha quando deixo de acreditar que determinados acontecimentos podiam ser ou não verdadeiros. Ao longo deste livro fiz várias comparações com Portugal, geralmente pensando que “isto não se poderia ter passado ”, mas a verdade é que não sei o suficiente dos Países Baixos em 1961 para saber se as coisas poderiam ter sido bem assim.  Falo, claro, de Hendrik, da forma como foi apoiado pelo tio e da forma soft de discriminação que passou.

Mas aquilo que vou recordar deste livro é o que senti quando percebi efectivamente o que se estava a passar, qual era o acontecimento que tinha levado àquela situação. Esse momento, aquele momento em que percebemos que o que estamos a ler é outra coisa, e tudo o que lemos depois desse momento, é a razão pela qual lemos livros atrás de livros.

07
Out24

Fazer as pazes com os livros

Patrícia

Hoje devia vir aqui escrever sobre um dos livros que li mas na verdade não me apetece fazê-lo. Anos houve em que usava este blog como quase todos usamos o goodreads: como uma forma de manter um registo dos livros que vou lendo ao longo do ano. (Às vezes ainda vou ler opiniões antigas e fico com uma ideia do que senti quando o li mesmo se o texto não é assim tão explícito) Deixei de o fazer há uns anos.

Escrevo o que quero, quando e se me apetece. E isso inclui as opiniões sobre livros. Às vezes não me apetece, outras é mesmo falta de tempo - quando o tenho já passou a oportunidade ou apetece-me escrever sobre outro livro (tenho para mim que isso é o que vai acontecer com o O Pacto da Água, de Abraham Verghese, de que gostei muito mas que já está na pasta dos livros lidos e não nos que ainda mexem comigo). Há, no entanto, alturas em que fico efectivamente sem palavras. Nem sempre tenho palavras que façam justiça àquilo que determinados livros me fizeram sentir. Aconteceu-me, por exemplo, com o "por um desejo imenso" do Frederico Lourenço que nunca me canso de sugerir mas sobre o qual nunca escrevi. Há livros que pedem discussão. Às vezes preciso mesmo de ter o contraponto para chegar conseguir fechar um determinado livro. 

Discutir um livro é compreendê-lo. Não significa que precise de que alguém mo explique mas o acto de começar a falar, as tentativas de explicar o que gostei ou não, porque gostei, porque determinada passagem me emocionou ou tocou, onde o livro me perdeu ou me encantou é importante sempre mas fundamental em determinados livros. Ouvir alguém com uma opinião totalmente diferente da minha obriga-me a olhar de outra forma, ver outras perpectivas, outros ângulos para além dos óbvios (para mim). Falar com alguém sobre os livros que leio é, tantas vezes, uma forma de fazer as pazes com determinadas livros.

Estou nessa fase com o livro que acabei de ler hoje de manhã. 

 

03
Out24

A mulher-casa, de Tânia Ganho

Patrícia

a mulher-casa.webp 

"Thomas é inventivo. Thomas é paciente. Thomas é bom pai. o único defeito de Thomas é ser pai uma hora por dia, meia hora antes de sair de casa, meia hora depois de chegar; as restantes vinte e três são da responsabilidade de Mara."

"O bebé anula uma parte dela, torna-a invisível."

"Não deixa de ser irónico que a aldeia que a asfixiava em adolescente se tenha tornado sinónimo de espaço e liberdade."

 

Tânia Ganho não é apenas uma das grandes tradutoras, é também uma das grandes escritoras portuguesas. E terei, obviamente, de ler todos os seus livros. Este A mulher-casa foi dos mais elogiados na Roda dos Livros e, por isso, está na minha lista infinita de "livros que quero ler". Foi ficando por aqui, como tantos outros, à espera da altura certa para ser lido. Escuso de dizer que gostei muito, mas cá fica "leiam, é um óptimo livro".

Não há coisa melhor para um leitor que rever-se nas páginas de um livro, perceber que aquilo que sente é também sentido por outros. Isto é especialmente importante quando se fala de temas difíceis, quando a empatia e o reconhecimento chegam mesmo que apenas através das palavras. Mesmo quando as circunstâncias das personagens são outras, tão distintas das nossas como a ficção da realidade, ainda assim o reconhecimento está lá.  Para mim, o que fica deste livro é isso, esta identificação com Mara logo às primeiras páginas apesar de todas as diferenças entre nós. Não tenho filhos, o meu marido é tudo menos ausente ou palerma, o meu sentido de estilo é inexistente (como este fim de semana uma amiga me lembrava: "ai, tantas vezes a tua mãe dizia que tu não tinhas um pingo de vaidade, não compravas uma peça de roupa era só livros, livros"). Mas compreendo o que é a solidão, o sentir-me invisível. O que é querer um bocadinho de tempo para mim e sentir-me culpada quando o tenho. 

É esta a verdadeira mestria de Tânia Ganho neste livro: conseguir escrever sentimentos, culpas, sensações. Mostrar toda a paleta de cores que há entre o branco e preto. Mara, a nossa protagonista, tem tantas qualidade como defeitos, é um poço de contradições, é uma força da natureza como todas as mulheres, avança apesar das dúvidas, da dor, dos erros, das más decisões. Mara é sinónimo de amor, de dedicação.

Era tão mais fácil para todos, homens e mulheres, que deixássemos de lado a culpa em determinadas situações. E não falo do adultério (honestamente, estou-me a borrifar para essa parte do livro, está ali porque cumpre um propósito mas não é, ou não foi para mim, relevante nesta leitura). Falo da culpa que ela sente sempre que se questiona se será uma boa mãe ou não. A necessidade que temos de nos anular em detrimento dos outros, não por amor (o amor não é algo que se ponha em causa, existe, é fundamental, é parte integrante de nós), mas por sentido de dever, porque a sociedade, porque a nossa cultura assim o diz. Sentirmos que tentar preservar aquilo que somos em vez de nos transformarmos naquilo que os outros precisam que sejamos é um erro que pagamos caro. E que prejudica aqueles que mais amamos e que nunca nos pediram que o fizéssemos. 

Percebo e não percebo o final deste livro. Acho que está muito na onda dos "sim, sim, até era giro que acontecesse mas simplesmente não consigo acreditar". Não me estragou a leitura mas não consigo ter em mim aquela doçura. 

13
Set24

Os livros das insónias

Patrícia

Espero que não vos aconteça mas eu durmo mesmo muito mal. Apesar de ter imensa facilidade em adormecer estou de novo acordada passadas duas ou três horas e aí é difícil voltar para o reino do sono (o reino dos sonhos é outro problema porque estou constante a ter sonhos e a grande maioria maus - mas isso é algo que me acontece deste criança). Em muitas das noites de insónia, quando finalmente desisto de tentar adormecer... leio, pois claro. A logística é fácil. De forma a não acordar o ser humano que dorme ao meu lado leio sempre no kobo (até porque é mais confortável para ler deitada). Muitos dos livros de que falo aqui são lidos a altas horas da madrugada. A consequência disto é que, mesmo quando estou a ler um livro físico, como agora, estou sempre a ler qualquer coisa no kobo também. O problema disto é quando o livro das insónias me parece mais interessante mais que o outro. 

Neste momento estou a ler O Pacto da Água, de Abraham Verghese, em formato físico e A Mulher-Casa, da Tânia Ganho, em digital. E o A mulher-casa ganha aos pontos, encantou-me como já seria previsível e de uma forma que o Pacto da Água não fez. Estou já lançada na leitura desde livro de Abraham Verghese e a escrita é boa, as personagens até parecem interessantes mas o enredo a sério está difícil de aparecer. Quase a chegar às 200 páginas lidas e aquilo não desenvolve. Ainda tenho expectativas - tenho boas recomendações de quem tem gostos parecidos com os meus - mas a verdade, verdadinha, é que o livro me está ser indiferente, que é a pior coisa que posso dizer, é que nem mal posso falar.

Já o A mulher-casa é de leitura compulsiva (não é perfeito para noite de insónia, para ser sincera), quero saber o que vai acontecer à Mara, sofro por ela, identifico-me tanto com tanta coisa (ok, para quem já leu, não, não é isso que me identifico, falo de sentimentos, culpa, pensamentos). 

Como sou uma leitora absolutamente indisciplinada, claro que me vou borrifar para O pacto da água até acabar este maravilhoso A Mulher-Casa. Venham as insónias.

01
Set24

Enfrentemos Setembro com um livro debaixo do braço

Patrícia

Gosto de meses de recomeço e, para mim, Setembro é mais um recomeço que Janeiro. Setembro tem manhãs a cheirar a frio, noites a crescer, Setembro tem em si todos os sonhos do mundo. As agendas deviam começar em Setembro e não em Janeiro. E sim, sei bem que já existem, estive quase a comprar uma mas tive juízo, praticamente só uso as agendas do telefone e do outlook pelo que, por mais que adore, não faz qualquer sentido carregar mais um peso. Além disso, as agendas em papel têm um defeito: são datadas (mesmo as sem fim) pelo que um caderno branco é bem mais simpático, útil e imprescindível. E eu gosto de cadernos, senhores, e isso é outra coisa que me faz adorar Setembro: as campanhas de regresso às aulas. 

E já vos falei das noites mas não o suficiente que vos mostre o quão fico feliz por estes dias intermináveis começarem a passar. Gosto de dias pequenos e noites longas, como gosto de frio e de chuva. Sou estranha, eu sei, mas é o que é.

E os cheiros de Setembro? O cheiro a chuva ainda com calor. O cheiro a sol quase de inverno mas que ainda aquece os ossos. O cheiro a praia vazia. O cheiro a castanhas nos dias mais frios. 

Nos livros também Setembro é aquele mês. Começam a sair as novidades e há sempre livros novos à nossa espera. Recomeçam os clubes literários, os podcasts regressam, a vida torna a acontecer com aquele sentimento de esperança de que precisamos agora mais do que nunca. 

Em Setembro apetece-me mudar tudo. Por razões que não são importantes para este blog, este Setembro será também importante para consolidar algumas mudanças e implementar outras. Como sempre, quando nem tudo corre bem, é nas páginas dos livros me escondo, é nas páginas dos livros, no tempo passado a ler que encontro força, esperança e aquela energia extra que preciso para seguir em frente. Acho que este Setembro, mais do que muitos outros, vai ser decisivo. Imagino que para alguns de vocês também.  Enfrentemos Setembro com um livro debaixo do braço.

 

“Were you . . . thinkin’ you’d fight them all on your own?” Lift said. “With a book?”

“There is someone else for me to fight here.”

“. . . With a book?”

“Yes.”

She shook her head. “Sure, all right. Why not? What do you want me to do?”

The girl didn’t match the conventional ideal of a Knight Radiant. Not even five feet tall, thin and wiry, she looked more urchin than soldier.

She was also all he had.

“Do you have a weapon?” he asked.

“Nope. Can’t read.”

(Oathbringer, de Brandon Sanderson)

27
Ago24

A Desobediente - Biografia de Maria Teresa Horta , de Patrícia Reis

Patrícia

A desobediente.jpg 

Para que uma biografia seja interessante é tão necessário que a biografada seja interessante como que a biógrafa saiba contar uma história. Atrevo-me até a dizer que o talento da biógrafa é mais importante, apesar de não ser suposto que esta transforme a biografada em algo que não é. Neste caso, e na minha opinião, temos ambas as situações: a vida e obra de Maria Teresa Horta é fabulosa e a Patrícia Reis sabe contar uma história. Além de que se sente amor nestas páginas. 

Acho que é mais ou menos do conhecimento geral (pelo menos na minha geração) de que Maria Teresa Horta é uma das Três Marias, mulheres que ousaram ser livres quando não era propriamente indicado, apropriado ou seguro sê-lo. E na verdade pouca gente, que não do meio da escrita, conhece a vida e obra de Teresa. E isso é de uma injustiça gritante que esta biografia tenta colmatar. 

A vida de MTH é bastante interessante e a forma como a sua vida nos é contada, não de uma forma completamente linear, é absolutamente brilhante. A leitura deste livro torna-se viciante. 

Mas o mais importante de tudo foi conhecer esta mulher. Que vendaval e que importante foi. Ainda hoje as atitudes, a personalidade e convicções de Maria Teresa Hora seriam um escândalo, antes do 25 de Abril de 74, eram sinónimo de uma coragem e de uma inteligência imensa. E tanto temos que agradecer a estas mulheres. Conhecer a sua vida é o mínimo. Ao longo do livro é dito várias vezes que Maria Teresa tem a convicção que ser e assumir-se como feminista terá sido a razão para ter sido tantas vezes preterida, esquecida. Não duvido. Não duvido mesmo. As pessoas incómodas (especialmente as mulheres incómodas) tendem a ser ignoradas quando não podem ser derrotadas.

Tenho vários livros da Maria Teresa Horta e não duvido que serão das minhas próximas leituras - e sim, é uma promessa.

24
Ago24

Onde crescem os limoeiros, de Zoulfa Katouh

Patrícia

onde crescem os limoeiros.jpg 

Um livro tão lindo quanto triste. Uma história de Amor. Amor em primeiro a um país destruído pela guerra. A uma cidade sitiada onde uma estudante de farmácia do primeiro ano se vê "promovida" a médica porque é a melhor opção de quem precisa. Amor à família, aos amigos, às memórias. Uma menina que se transforma em mulher num instante. Sobreviver requer mais força, mais coragem do que devia ser necessário. Salama era uma menina normal de 17 anos, com uma família bem estruturada, feliz, com um futuro em construção quando a primavera árabe e guerra civil da Síria lhe muda a vida num instante. Em vez de estudante de farmácia passa ser voluntária no hospital da cidade de Homs, onde vive situações inimagináveis. Ao mesmo tempo tenta a todo o custo proteger Layla, a sua amiga e cunhada grávida. Mas, onde nascem os limoeiros também pode nascer um novo amor.  Mas não foi a história de amor entre Salama e Kenan que arrebatou. A amizade de Salama e Layla sobrepõe-se a tudo e é de uma beleza imensa. O sofrimento de Salama é palpável ao longo das páginas, o trauma e forma como lida com esse trauma é de partir o coração e não é possível ficar indiferente.

Empatia. Este é um livro que nos obriga, nem que seja apenas por alguns momentos, a rever e questionar o nosso lugar e as nossas atitudes perante os outros. E cumpre de forma impecável essa função. É daqueles livros que irei oferecer à minha miudagem toda.

 

23
Ago24

em jeito de ponto de situação

Patrícia

Eu não sei quanto a vocês mas este verão tem sido bastante profícuo no que às leituras diz respeito. E não tenho apenas lido muito como (e isso é bem mais importante) tenho lido livros fantásticos. Houve também algumas desilusões, claro. E também tenho escrito mais, seja aqui no blog ou nos inúmeros cadernos que tenho (sabem lá o que sofro sempre que vou ao supermercado com o "regresso às aulas"? Preciso de tudo, lápis, canetas, post-its, cadernos, agendas e todas e cada uma das coisas que por lá há à venda. Estive quase a comprar um caderno de música, desse não tenho em casa, pensei, até que recordei o trauma que foram os ditados musicais na escola, o nó na garganta quando descia as escadas para a sala de música que, sendo numa cave, mais me parecia uma sala de tortura, sabia lá eu e o meu ouvido duro se aquela nota no piano era um dó ou sol, só acertava por acaso e quando calhava e não havia estudo nem dedicação que me valesse. E quando tinha que ir ao quadro e sentia as bolas de ferro que me estavam agarradas aos pés, grilhões que transformavam aquele pequeno percurso numa descida aos infernos? Traumatizada até hoje, só vos digo). 

Tenho feito um esforço para deixar aqui algumas impressões das leituras que faço mas esta parte não tem sido assim tão bem conseguida, procrastinar raramente dá bom resultado (depois escrevo qualquer coisa, agora vou ler um bocadinho) mas ainda assim não está mau de todo.

Vamos então ao resumo da coisa:

A barragem, o segundo volume da série Blackwater,  escrita por Michael McDowellde e de que gostei bastante. É uma série de terror (bem, não é assim tão assustadora mas tem o ambiente certo) bastante interessante e que se passa numa cidade à beira do Rio Perdido onde tudo muda com a chegada de uma bonita mulher durante uma cheia. O terceiro volume já saiu (a série é antiga, está a ser editada cá a uma cadência bastante simpática) e espero lê-lo ainda este ano (tantos livros para comprar, há que gerir a coisa, até porque o cartão oferta dos meus anos está quase, quase a ficar a zeros, daqui para a frente é do meu bolso mesmo).

Uma pequena vida, de Hanya Yanagihara - Foi a leitura durante a viagem que fiz à Colômbia. Nas viagens de trabalho (como esta) que faço costumo ler bastante. Para já passo muitas horas dentro de um avião, depois tenho por hábito não ligar a TV quando estou em hotéis, o que me permite fazer as duas coisas de que tanto gosto e de que tanto sinto falta na minha rotina: ler e dormir. Foi o que fiz durante aqueles dias. O Uma pequena vida mostrou ser o livro ideal para esta viagem, fiquei completamente enredada nesta história e consegui ler muito em pouco tempo, não deixando que a leitura (que muito beneficiou disto) se arrastasse. Tinha sido um presente de Natal (na verdade uma troca de um presente de Natal pois tinha recebido um livro repetido), o que significa que me ando a portar bem e a dar cabo a pilha.

Uma Vida entre Costuras, de Maria Dueñas - Bem, como dizer isto? Depois do Uma pequena vida, quis ler algo leve e como este livro é tão querido por tantos leitores foi a escolha. É mau? Nem por isso. É bom? Nem por sombras. A minha opinião: uma estopada. Há quem goste, tudo bem, não é o meu estilo.

Empúsio, de Olga Tokarczuk - Tão bom este livro. Gostei muito, já li em Julho mas só ontem publiquei a minha opinião. Se nunca leram esta escritora, do que estão à espera?

Onde Crescem os limoeiros, de Zoulfa Katouh - Ainda não escrevi nada sobre este livro (talvez nos próximos dias isso aconteça) mas recomendo-o com todas as minhas forças. É maravilhoso. Triste que dói mas, mesmo assim, deixa-nos com aquele quentinho na alma. Adorei.

Estação onze, de Emily St. John Mandel - Gostei. Não é aquele livro imperdível mas lê-se bem e tem uma premissa engraçada (relembro que foi escrito antes da pandemia).

O Caminho dos Reis, de Brandon Sanderson - se carregaram no link, já perceberam que esta foi uma releitura. Comecei a ler esta saga em 2016 e desde aí nunca me cansei de a recomendar. Agora começou a ser editada em Portugal e eu, claro, tinha que reler. Foi uma óptima forma de começar as minhas férias. Horas e horas em Roshar. Gostei da tradução e espero que este livro se venda muito (é caro como tudo mas vale a pena) para que os restantes também sejam traduzidos e reeditados. Em dezembro falamos mais sobre Cosmere porque dia 06 sai o 5º volume.

Augusta B, ou as jovens instruídas 80 anos depois, de Joana Bértholo - Ainda não escrevi nada sobre esta novela porque, honestamente, ela é tão pequena que se o fizer posso estragar o prazer da vossa leitura. Gostei bastante, a Joana Bértholo não sabe escrever mal e este jogo entre Agustina e Augusta, uma jovem instruída 80 anos depois, é delicioso. Lê-se numa tarde. 

Caderno Proibido, de Alba de Céspedes - Que boa surpresa foi este livro. Nunca tinha ouvido falar dele e peguei-lhe mais ou menos por acaso  mas adorei e já o recomendei a várias pessoas.

Shuggie Bain, de Douglas Stuart - Mais uma excelente leitura que vai ficar a moer-me durante muito tempo. Recomendadíssimo.

O clube dos poetas mortos , de N.H. Kleinbaum - Perdoem-me a linguagem mas só tenho uma forma de dizer isto "mas que merda é esta?" Estamos resolvidos.

31 Faces de Terror, da Rita Santos - Uma surpresa boa para terminar as férias, com uma nova autora do género do terror. Mais um livro que vale a pena ler.

Agora estou a terminar o A desobediente, a biografia da Maria Teresa Horta escrita pela Patrícia Reis, e estou a gostar muito. E uma certeza já tenho: a biografia da Natália Correia (O dever de deslumbrar) será um dos livros que vou ler nos próximos tempos. Mas antes disso lerei o Pacto da Água, de Abraham Verghese, que não resisti a comprar e que quero muito começar a ler.

E vocês? O que têm andado a ler? Contem-me tudo...

 

22
Ago24

Empúsio, de Olga Tokarczuk

Patrícia

Empúsio.jpg 

A estadia de Mieczyslaw Wojnicz na cidade de Görbersdorf, que alberga um sanatório onde espera curar a turbeculose, remete imediatamente para o romance A montanha mágica, de Thomas Mann. Até eu, que nunca li este clássico, o percebi de forma imediata. Acredito que quem o tenha lido consigo estabelecer paralelismos vários ao longo das páginas deste Empúsio.  Ora, o moço não está sozinho na sua luta e é com os seus companheiros de doença que embarca em diversas conversa que acabam, naturalmente, por se focar no papel da mulher na sociedade ao mesmo tempo que bebem um estranho licor (Schwärmerei) com sabor a terra e formigas.  Estas conversas, de tão ridículas e divertidas que são, transformam um livro cheio de homens num tratado abertamente feminista. Quando, no fim (ou no princípio para aqueles leitores que não resistem a espreitar as últimas páginas) percebemos que todos estes discursos se baseiam no pensamento de escritores/autores/filósofos homens, ficamos (ou pelo menos eu fiquei) com um sentimento de tristeza pela infeliz veracidade daquela parte do livro ao mesmo tempo que ganhamos um novo respeito (como se isso fosse necessário) pelo trabalho extraordinário desta mulher. 

Este não é um livro sempre fácil de ler. Depois de me divertir bastante com as ridículas conversas daqueles homens sobre as mulheres custou-me a interessar-me pela intriga policial - confesso que pouco me interessei pela busca do assassino daqueles homens. Mas a Olga Tokarczuk é, de facto, uma mestra no que a este tipo de história diz respeito (chamam-se romance de terror neuropático - o que, aqui entre nós, me faria manter longe das páginas se por acaso o tivesse sabido antes de começar a ler) e mesmo sendo uma narrativa lenta há sempre um tom, uma cor, uma presença ao longo dos seus livros que não me permite desistir da leitura. E ainda bem porque o final do livro é perfeito, quando percebemos quem é quem, os porquês e todos os pormenores que percebemos mas descartamos ao longo da história se encaixam. 

Haveria tanto para dizer mas iria certamente estragar-vos a leitura, neste caso os spoilers podem, de facto, fazê-lo e não quero isso. Ao longo da leitura nem nos apercebemos do tanto que lá cabe e isso é das coisas mais fantásticas dos livros. Fechá-lo, deixar passar algum tempo, e perceber que foram vários temas abordados e que, mesmo sem querer, continuamos a pensar neles.

Deixo-vos apenas com uma última nota: Empusa, na mitologia grega, é um dos espectros que terá saído da caixa da pandora e que, podendo metamorfosear-se numa bela mulher de cabelos de fogo, se alimenta de sangue e carne humana. Simpática, portanto :) 

 

 

 

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