Kairos, de Jenny Erpenbeck
Jenny Erpenbeck leva-nos até à RDA antes da queda do muro de Berlin, para acompanharmos a relação entre Hans e Katharina.
Em 1986, quando se conhecem por acaso, Katharina é uma miúda de 19 anos e Hans um homem de 53. Uma relação que nasce desigual, uma dependência que roça o amor mas que mergulha na obcessão, no ciúme doentio, na manipulação.
A literatura usa o particular para nos mostrar o global e é esse particular, essas tragédias individuais na relação de Hans e Katharina que vão sendo exploradas para, em pano de fundo, olharmos a revolução, os acontecimentos que levaram à queda do muro, a liberdade (É isto a liberdade?). Mas o pano de fundo não pode ser mais interessante que a história principal, digamos que nem só de paralelismos vive a literatura.
E a verdade é que eu estava já muito cansada de Hans (que ódio, senhores, que ódio) e de Katharina. E mesmo aquele final (podeis chamar-me "pedantezinha") é tudo menos surpreendente. Quanto muito é a confirmação de tudo quanto lemos ao longo das páginas.
Falta-me conhecimento de arte, música para entender muito do que se passa nas páginas destes livro. E paciência, vontade e tempo para parar a cada página para ir procurar referências, ouvir música, deixá-la entranhar-se em mim, ler livros e peças de teatro para compreender, sentir cada referência que aqui existe. Resumindo sou demasiado ignorante para este livro, essa é que a verdade, não vale a pena fingir.
Relendo o que escrevi parece que nada de positivo encontrei neste livro mas não é verdade. A escrita desta escritora (aquilo que me fará procurar outros livros dela, mesmo sabendo que me vou sentir muito burra) é maravilhosa. Exigente, sim, difícil, pede tempo (tive que reler tantas vezes algumas passagens) mas maravilhosa. Há passagens absolutamente deslumbrantes aqui. Deixo-vos a passagem, logo nas primeiras páginas, que me encantou e a que voltei uma e outra e outra vez ao longo da leitura:
Numa mala assim, numa caixa assim, o fim, o princípio e o meio jazem juntos, indiferentes, no pó dos decénios, jaz o que foi escrito para enganar e o que foi pensado como verdade, o que se silenciou e o que se contou, tudo isso, queira ou não queira, jaz estreitamente imbricado, jazem as contradições, a raiva emudecida e o amor emudecido jazem juntos num envelope, numa e na mesma pasta, o que se esqueceu está exactamente tão amarelecido e amarrotado como aquilo que, vaga ou distintamente, se recorda.”