Ler é liberdade
Penso cada vez mais na importância da leitura. Acho que a maioria de nós já não consegue sequer imaginar o que será não saber ler. Eu sei que já não o consigo imaginar e, no entanto, essa era a realidade de tantos há tão pouco tempo aqui neste país à beira mar plantado. E isso é algo que não devemos esquecer, nos dias que correm pouco ou nada pode ser tomado como garantido.
Não, acredito que voltemos aos tempos bafientos de nem sequer aprender a juntar letras, mas ler não é apenas juntar letras e perceber o significado de uma palavra em concreto. Ler é tão mais que isso. Ler é liberdade e liberdade é aquela coisa que faz comichão a tantos hoje em dia. O truque é sempre retirar liberdade sem o dar a entender e minar a leitura é a forma perfeita de o fazer. Porque ler sem compreender o que se está a ler dá barraca. Porque censurar livros e leituras é um dos caminhos para a autocracia. Só que passar da fase da leitura básica para uma leitura crítica está a tornar-se algo cada vez mais difícil.
Todos os indicadores (o PISA, por exemplo) mostram que há um declínio na área da leitura e da compreensão de textos. E, no entanto, esta competência é fundamental (ainda mais com o advento da AI e a era das notícias falsas).
O COVID e a pandemia, a par dos telemóveis, serão os grandes bodes expiatórios neste assunto e nem me dou ao trabalho de ir por aí a não ser para dizer que a pandemia foi uma oportunidade perdida, sim, mas não tinha que ser. Ainda acredito que se se tivesse apostado forte na leitura naqueles anos, isso podia ter salvado uma geração. Mas pronto, o que está feito, feito está e há que andar em frente.
Vejo a leitura como a cana de pesca do “em vez de dar o peixe, ensina a pescar”. Ler, mas ler a sério, permite-nos chegar a qualquer género de conhecimento. E se há pouco tempo falava de como acho que a compaixão se aprende pelo exemplo e não através dos livros, hoje defendo que dar um livro (ou 20) a uma criança é um acto de amor. E acho efetivamente que não apostamos o suficiente na leitura. Nem a escola nem os pais.
A nível da escola falo de uma aposta séria, global, forte na leitura. Isto tinha que vir da tutela, claro, de uma reestruturação clara do sistema de ensino. Não estou a falar de clubes de leitura na escola – isso os professores já fazem. Falo de mesmo de uma mudança de paradigma.
Mas como qualquer aspecto da educação, é o comportamento e o exemplo dos pais que faz a diferença. E alguns pais, por muito que digam o contrário, não valorizam a leitura. Já perdi a conta das vezes que disse a amigos: “mas como queres que eles leiam se tu não o fazes? Que livros estás a ler?”
As nossas prioridades estão bastante trocadas. O exemplo mais recente e triste disso foi a atenção dada nas nossas televisões perante a morte de uma mulher como Maria Teresa Horta, que pouca passou da nota de rodapé, e a de um homem como Pinto da Costa, cuja “canonização” durou três dias e muitas capas de jornal.
É engraçado pensar também na publicidade. Publicitar um livro nas televisões ou rádios é tão raro que quase podemos dizer que não acontece. Aliás, a publicidade a livros é feita através do lema “os consumidores (ou os escritores) irão fazer o nosso trabalho e de borla, ou quase, bem que podemos ficar sentadinhos a chorar que não vendemos”. Quão estranho é que o investimento em publicidade funcione para tudo menos para os livros?
Pelo lado positivo podemos ver o maravilhoso trabalho feito nas bibliotecas deste país – mas mais uma vez é algo que depende da boa vontade, da imaginação e da energia dos trabalhadores e dos leitores e menos de um plano concreto - imagino o quanto se podia fazer se houvesse mais meios e se explorasse ainda mais este meio.
Eu vou fazendo o meu trabalho. Ofereço livros a quase todos os amigos, especialmente a crianças e jovens. Provoco amigos, empresto (é mais impinjo) livros a toda a gente e vou pensando nestes assuntos.