em modo irónico (e furioso)
Um homem matou a companheira e a enteada em Sesimbra.
No próximo dia 8 de Março, continuemos a celebrar e a ficar muito felizes quando nos oferecerem uma rosa.
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Um homem matou a companheira e a enteada em Sesimbra.
No próximo dia 8 de Março, continuemos a celebrar e a ficar muito felizes quando nos oferecerem uma rosa.
A leitora que há em mim leu esta crónica do Henrique Raposo com imensa vontade de concordar. No geral concordo, é uma tragédia que os rapazes leiam pouco e não diversifiquem as suas leituras (podemos dizer o mesmo das raparigas, no entanto, apesar das diferenças de géneros preferidos por ambos). Concordemos por isso que se lê pouco e isso é uma tragédia.
Mas foi este parágrafo que me incomodou:
A compaixão, uma caraterística desprezada pelo trumpismo e vista como “fraqueza” pelos arautos da masculinidade à antiga, ui ui, que machos!, não é necessariamente natural na mente humana, não é um impulso, é um treino mental, é um hábito civilizacional que se faz sobretudo através da leitura de romance. A leitura de um romance é a forma mais próxima que temos de viver outras vidas, de sentir e perceber outros meios e outros pontos de vista.
Incomodou-me porque o acho redutor e característico de uma superioridade moral da qual me quero afastar. A compaixão não se treina através da leitura. Não digo que a leitura não possa dar uma ajuda, que dá, na capacidade de nos pormos no lugar do outro, no conhecimento de outras culturas, de outras formas de vida, de aceitar a diferença. A leitura é fundamental em tanta coisa e também aí, nesse papel de empatia e aceitação da diversidade. Mas daí a dizer que que é sobretudo através da leitura que nos treinamos para a compaixão vai uma enorme diferença. Pior, acreditar nisso parece-me uma excelente forma de nos sentirmos bem connosco sem fazer, na prática, a ponta dum corno pelos outros.
Concordo com o HR na importância que características como a compaixão, a gentileza, a empatia, a bondade são das mais importantes que qualquer um de nós pode ter mas acredito que nascem muito mais da educação (que não se inicia nem se esgota na leitura) e do contacto com a bondade, a compaixão, a gentileza e empatia que nas páginas de um livro. É para mim assustador pensar que uma criança só tenha contacto com estas características através das palavras escritas.
Os livros e a leitura têm-me dado tanto, tanto ao longo da vida. A minha capacidade de imaginação vem dos livros, o meu lugar seguro é nas páginas dos livros, aprendo e torno-me melhor pessoa, mais informada, por causa dos livros que leio.
Mas compaixão? Empatia? Essas, as melhores coisas da vida, aprendi através do exemplo. A minha mãe em primeiro lugar mas tantas outras pessoas que fui encontrando foram-me ensinando, mostrando-me o caminho, ajudando-me a perceber que pessoa quero ser. Até com os animais aprendo sobre amizade, gentileza, amor, partilha. Reduzir isto a “A leitura de um romance é a forma mais próxima que temos de viver outras vidas, de sentir e perceber outros meios e outros pontos de vista” parece-me sobretudo triste. A maneira mais próxima que temos é mesmo sair de casa e falar com o vizinho, parar na rua e falar com um estranho, fazer voluntariado, ligar para um amigo que precisa falar e desabafar, olhar para os que estão na nossa casa e perguntar-lhes se estão bem, dar um abraço.
Não, esta não é uma biografia romanceada de Nadia . Ou pelo menos não é uma daquelas biografias em que ouvimos a voz da biografada a cada linha, em que conhecemos pequenas curiosidades acerca da pessoa, a sua personalidade, a sua família ou os seus amigos. O retrato de Nadia Comăneci feito por Lola Lafon deixa-nos com mais perguntas que respostas. Por isso não lhe chamaria uma biografia romanceada. Sim, há notas biográficas e, sim, há alguma ficção, a que eu também não chamaria ficção, antes interpretação. Ao longo da leitura vamos assistindo ao esgrimir de argumentos entre Lola e Nadia, à tentativa da escritora de conseguir informação da ginasta e à tentativa de Nadia de controlar a narrativa. Pessoalmente agradou-me o estilo e o todo.
Adoro ginástica. E os aparelhos em que Nadia C. se tornou lenda, a trave e as paralelas, são os meus preferidos. Aquele(s) “perfect 10” é uma maravilha e confesso que quando estou a ver os vídeos não penso no que foi preciso para o atingir (gostamos de acreditar que é só talento e muito trabalho) nem nas consequências físicas, mentais e (neste caso) políticas de tal. E é disso que este livro trata. Talvez por isso despache o mais icónico momento protagonizado por Nadia C. nas primeiras páginas: o momento em que a máquina foi vencida por uma menina de 14 anos, perfeita. Depois vem o como, os porquês, o antes e o depois.
É uma leitura dura, com o nosso olhar “sec XXI” olhamos para aquelas práticas, em plena guerra fria, como algo inimaginável, sofremos com aquela menina. E ouvimos as suas palavras em adulta acusando-nos de hipocrisia, ouvimos a sua defesa das práticas, do objectivo, do sucesso obtido. Perguntamo-nos a cada página pela sua saúde mental, pela força necessária para sobreviver àquilo tudo, pelas suas reais convicções. Perguntamo-nos qual o grau de ficção e de verdade do que aqui nos é contado, mas nunca, nunca perdemos o interesse.
Foi uma óptima leitura.
Ora fica uma. A única, para ser sincera, que eu cá não sou destas coisas.
Não começar mais livros sem terminar os que estão em andamento. Ora, vejamos:
Em livro físico:
Nós
A pequena comunista que nunca sorria
E se eu gostasse muito de morrer
The blue between sky and water
Em ebook:
Shantaram
Em audiobook:
Wind and Truth
(Estou tão lixada. Mas fica a promessa, não começo mais nada sem despachar isto tudo. Virei fazer um ponto de situação de vez em quando. Desejem-me sorte. Estou tão lixada)
Os melhores livros são aqueles que nos fazem querer ler todos os livros do escritor em questão e aqueles que nos ficam a remoer num cantinho da cabeça durante muito tempo. Este é um dos livros que consegue fazer as duas coisas. Terminei de o ler há uns dias mas precisei de algum tempo para o digerir (e sim, vai ficar comigo durante muito tempo).
A premissa deste livro é muito simples. Tão simples que duvidei que fosse mesmo "só isso" durante muito tempo. Mas as coisas (aparentemente) simples são tantas vezes as mais importantes e complexas. Não sei se é possível pensar sobre este livro sem spoilers mas vou tentar. Se a surpresa for muito importante para vocês, leiam o livro sem saber absolutamente nada sobre ele. Exactamente como eu fiz. A única coisa que sabia era tratar-se da história de uns miúdos num colégio interno. Sendo ex-aluna de um colégio interno achei piada e após ter ouvido alguns comentários acerca da sua qualidade decidi que o queria ler. E como o recebi como presente de Natal, foi uma das leituras das minhas férias.
Este é um livro sobre ética. Sobre a forma como nos vemos uns aos outros. Sobre o que somos capazes de fazer quando não consideramos os outros iguais a nós. E como isso condiciona tudo. Há uns anos achei que caminhávamos para a igualdade, hoje sei que não apenas não o fazemos como não aprendemos nada, enquanto povo, sociedade, humanidade, e que iremos repetir os mesmos erros vezes sem conta. E também sei que a realidade supera a ficção, pelo que nada me surpreenderia que isto acontecesse. Chamam-lhe ficção especulativa, eu chamo-lhe um exercício de análise da espécie humana, um aviso, um alerta como apenas a arte (neste caso a literatura) sabe fazer.
Este é um livro exímio a mostrar-nos o que é ser humano. Desde o início acompanhamos Kathy a mergulhar nas suas memórias (este também é um livro sobre memória), a tentar compreender o que a fez tornar-se a pessoa que é, o peso de cada decisão, de cada interacção. É um livro sobre a busca do seu lugar no mundo. Sobre família e amizade, duas palavras que se entrelaçam aqui. É um ensaio sobre vida e morte. É um livro que nos destrói a cada página. Pelo menos foi assim para mim. Aquele final não me surpreendeu, infelizmente. E digo "infelizmente" não por o ter achado literariamente imperfeito ou mal conseguido. Digo-o porque foi a chapada final.
Estamos habituados a ler livros que se destacam pela luta contra a injustiça, contra a crueldade e acaba por ser chocante não o ver aqui. Essa luta deixa-nos sempre de bem com a vida, como se nós fizéssemos parte dessa luta e da consequente vitória. Afinal os bons ganham sempre no fim. Mas não é de todo isso que acontece aqui. O autor não faz esse favor nem nos dá espaço para nos sentirmos bem connosco. E por mais que nos choque, que nos revoltemos, temos, ao longo destas páginas que admitir a nossa fragilidade, a nossa hipocrisia. E apenas admitindo isso podemos aspirar a ser mais, a ser melhor.
Repito, este livro é um alerta e isso faz dele um livro muito, muito importante. É um daqueles livros que tem o poder de nos mudar.