O dia depois
Sempre adorei o dia 26 de dezembro. Até quando gostava do Natal preferia este dia. Por norma ainda estava na casa da minha avó e era um dia reservado às nobres artes da preguiça e da leitura. Ter sempre uma pilha de livros novos ajudava. É verdade que a tarde/noite de 25 já era passada a ler mas acordar e saber que ia ter a liberdade de me enroscar a um canto e ler sem que ninguém me chamasse era algo que já em pequena valorizava.
Hoje o Natal é apenas um tormento necessário. Eu adoro a minha família mas tudo o que saia da rotina é um pesadelo para os doentes de Alzheimer e para os seus cuidadores. Mesmo quando eles percebem que esta é, de alguma forma, uma época especial, a coisa é muito difícil. Mas a sociedade em geral e as famílias em particular não compreendem nem aceitam (por mais que digam o contrário) que não se comemore em grande e até tarde. Não compreendem que o entusiasmo de abrir presentes é menor que o cansaço e a dificuldade de abrir presentes e compreender que raio é aquilo e para que serve. É difícil perceber que em vez da alegria típica da época a única coisa que se consegue sentir é tristeza, pelo que foi e já não é, medo de perder o controlo da situação e vontade de mandar tudo e todos calarem a boca e desampararem a loja. É difícil explicar que as reuniões de família que noutro dia qualquer do ano nos deixam de coração cheio, nestes dias apenas nos pesam. Não apenas porque o cansaço é extremo (e em dezembro apenas se acumula) mas porque na maioria do ano parecem não ser necessárias ou pelo menos não tão importantes.
Mas o Natal também é isso, fazermos pelos outros aquilo que podemos e tantas vezes aguentar, fingir felicidade e fazer de palhaça é o melhor presente que podemos e conseguimos oferecer.
E por isso, o dia 26 de dezembro ser o dia mais longe que existe do próximo natal é a principal razão para nesta fase este seja um dos meus dias preferidos. Isso e porque, depois de muitas semanas, posso finalmente passar um dia quieta, sem sair de casa e até, quem sabe, ler uma ou duas horas. E sabe deus o quão preciso deste tempo e que os livros não se lêem sozinhos.