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Ler por aí

Ler por aí

27
Ago24

A Desobediente - Biografia de Maria Teresa Horta , de Patrícia Reis

Patrícia

A desobediente.jpg 

Para que uma biografia seja interessante é tão necessário que a biografada seja interessante como que a biógrafa saiba contar uma história. Atrevo-me até a dizer que o talento da biógrafa é mais importante, apesar de não ser suposto que esta transforme a biografada em algo que não é. Neste caso, e na minha opinião, temos ambas as situações: a vida e obra de Maria Teresa Horta é fabulosa e a Patrícia Reis sabe contar uma história. Além de que se sente amor nestas páginas. 

Acho que é mais ou menos do conhecimento geral (pelo menos na minha geração) de que Maria Teresa Horta é uma das Três Marias, mulheres que ousaram ser livres quando não era propriamente indicado, apropriado ou seguro sê-lo. E na verdade pouca gente, que não do meio da escrita, conhece a vida e obra de Teresa. E isso é de uma injustiça gritante que esta biografia tenta colmatar. 

A vida de MTH é bastante interessante e a forma como a sua vida nos é contada, não de uma forma completamente linear, é absolutamente brilhante. A leitura deste livro torna-se viciante. 

Mas o mais importante de tudo foi conhecer esta mulher. Que vendaval e que importante foi. Ainda hoje as atitudes, a personalidade e convicções de Maria Teresa Hora seriam um escândalo, antes do 25 de Abril de 74, eram sinónimo de uma coragem e de uma inteligência imensa. E tanto temos que agradecer a estas mulheres. Conhecer a sua vida é o mínimo. Ao longo do livro é dito várias vezes que Maria Teresa tem a convicção que ser e assumir-se como feminista terá sido a razão para ter sido tantas vezes preterida, esquecida. Não duvido. Não duvido mesmo. As pessoas incómodas (especialmente as mulheres incómodas) tendem a ser ignoradas quando não podem ser derrotadas.

Tenho vários livros da Maria Teresa Horta e não duvido que serão das minhas próximas leituras - e sim, é uma promessa.

24
Ago24

Onde crescem os limoeiros, de Zoulfa Katouh

Patrícia

onde crescem os limoeiros.jpg 

Um livro tão lindo quanto triste. Uma história de Amor. Amor em primeiro a um país destruído pela guerra. A uma cidade sitiada onde uma estudante de farmácia do primeiro ano se vê "promovida" a médica porque é a melhor opção de quem precisa. Amor à família, aos amigos, às memórias. Uma menina que se transforma em mulher num instante. Sobreviver requer mais força, mais coragem do que devia ser necessário. Salama era uma menina normal de 17 anos, com uma família bem estruturada, feliz, com um futuro em construção quando a primavera árabe e guerra civil da Síria lhe muda a vida num instante. Em vez de estudante de farmácia passa ser voluntária no hospital da cidade de Homs, onde vive situações inimagináveis. Ao mesmo tempo tenta a todo o custo proteger Layla, a sua amiga e cunhada grávida. Mas, onde nascem os limoeiros também pode nascer um novo amor.  Mas não foi a história de amor entre Salama e Kenan que arrebatou. A amizade de Salama e Layla sobrepõe-se a tudo e é de uma beleza imensa. O sofrimento de Salama é palpável ao longo das páginas, o trauma e forma como lida com esse trauma é de partir o coração e não é possível ficar indiferente.

Empatia. Este é um livro que nos obriga, nem que seja apenas por alguns momentos, a rever e questionar o nosso lugar e as nossas atitudes perante os outros. E cumpre de forma impecável essa função. É daqueles livros que irei oferecer à minha miudagem toda.

 

23
Ago24

em jeito de ponto de situação

Patrícia

Eu não sei quanto a vocês mas este verão tem sido bastante profícuo no que às leituras diz respeito. E não tenho apenas lido muito como (e isso é bem mais importante) tenho lido livros fantásticos. Houve também algumas desilusões, claro. E também tenho escrito mais, seja aqui no blog ou nos inúmeros cadernos que tenho (sabem lá o que sofro sempre que vou ao supermercado com o "regresso às aulas"? Preciso de tudo, lápis, canetas, post-its, cadernos, agendas e todas e cada uma das coisas que por lá há à venda. Estive quase a comprar um caderno de música, desse não tenho em casa, pensei, até que recordei o trauma que foram os ditados musicais na escola, o nó na garganta quando descia as escadas para a sala de música que, sendo numa cave, mais me parecia uma sala de tortura, sabia lá eu e o meu ouvido duro se aquela nota no piano era um dó ou sol, só acertava por acaso e quando calhava e não havia estudo nem dedicação que me valesse. E quando tinha que ir ao quadro e sentia as bolas de ferro que me estavam agarradas aos pés, grilhões que transformavam aquele pequeno percurso numa descida aos infernos? Traumatizada até hoje, só vos digo). 

Tenho feito um esforço para deixar aqui algumas impressões das leituras que faço mas esta parte não tem sido assim tão bem conseguida, procrastinar raramente dá bom resultado (depois escrevo qualquer coisa, agora vou ler um bocadinho) mas ainda assim não está mau de todo.

Vamos então ao resumo da coisa:

A barragem, o segundo volume da série Blackwater,  escrita por Michael McDowellde e de que gostei bastante. É uma série de terror (bem, não é assim tão assustadora mas tem o ambiente certo) bastante interessante e que se passa numa cidade à beira do Rio Perdido onde tudo muda com a chegada de uma bonita mulher durante uma cheia. O terceiro volume já saiu (a série é antiga, está a ser editada cá a uma cadência bastante simpática) e espero lê-lo ainda este ano (tantos livros para comprar, há que gerir a coisa, até porque o cartão oferta dos meus anos está quase, quase a ficar a zeros, daqui para a frente é do meu bolso mesmo).

Uma pequena vida, de Hanya Yanagihara - Foi a leitura durante a viagem que fiz à Colômbia. Nas viagens de trabalho (como esta) que faço costumo ler bastante. Para já passo muitas horas dentro de um avião, depois tenho por hábito não ligar a TV quando estou em hotéis, o que me permite fazer as duas coisas de que tanto gosto e de que tanto sinto falta na minha rotina: ler e dormir. Foi o que fiz durante aqueles dias. O Uma pequena vida mostrou ser o livro ideal para esta viagem, fiquei completamente enredada nesta história e consegui ler muito em pouco tempo, não deixando que a leitura (que muito beneficiou disto) se arrastasse. Tinha sido um presente de Natal (na verdade uma troca de um presente de Natal pois tinha recebido um livro repetido), o que significa que me ando a portar bem e a dar cabo a pilha.

Uma Vida entre Costuras, de Maria Dueñas - Bem, como dizer isto? Depois do Uma pequena vida, quis ler algo leve e como este livro é tão querido por tantos leitores foi a escolha. É mau? Nem por isso. É bom? Nem por sombras. A minha opinião: uma estopada. Há quem goste, tudo bem, não é o meu estilo.

Empúsio, de Olga Tokarczuk - Tão bom este livro. Gostei muito, já li em Julho mas só ontem publiquei a minha opinião. Se nunca leram esta escritora, do que estão à espera?

Onde Crescem os limoeiros, de Zoulfa Katouh - Ainda não escrevi nada sobre este livro (talvez nos próximos dias isso aconteça) mas recomendo-o com todas as minhas forças. É maravilhoso. Triste que dói mas, mesmo assim, deixa-nos com aquele quentinho na alma. Adorei.

Estação onze, de Emily St. John Mandel - Gostei. Não é aquele livro imperdível mas lê-se bem e tem uma premissa engraçada (relembro que foi escrito antes da pandemia).

O Caminho dos Reis, de Brandon Sanderson - se carregaram no link, já perceberam que esta foi uma releitura. Comecei a ler esta saga em 2016 e desde aí nunca me cansei de a recomendar. Agora começou a ser editada em Portugal e eu, claro, tinha que reler. Foi uma óptima forma de começar as minhas férias. Horas e horas em Roshar. Gostei da tradução e espero que este livro se venda muito (é caro como tudo mas vale a pena) para que os restantes também sejam traduzidos e reeditados. Em dezembro falamos mais sobre Cosmere porque dia 06 sai o 5º volume.

Augusta B, ou as jovens instruídas 80 anos depois, de Joana Bértholo - Ainda não escrevi nada sobre esta novela porque, honestamente, ela é tão pequena que se o fizer posso estragar o prazer da vossa leitura. Gostei bastante, a Joana Bértholo não sabe escrever mal e este jogo entre Agustina e Augusta, uma jovem instruída 80 anos depois, é delicioso. Lê-se numa tarde. 

Caderno Proibido, de Alba de Céspedes - Que boa surpresa foi este livro. Nunca tinha ouvido falar dele e peguei-lhe mais ou menos por acaso  mas adorei e já o recomendei a várias pessoas.

Shuggie Bain, de Douglas Stuart - Mais uma excelente leitura que vai ficar a moer-me durante muito tempo. Recomendadíssimo.

O clube dos poetas mortos , de N.H. Kleinbaum - Perdoem-me a linguagem mas só tenho uma forma de dizer isto "mas que merda é esta?" Estamos resolvidos.

31 Faces de Terror, da Rita Santos - Uma surpresa boa para terminar as férias, com uma nova autora do género do terror. Mais um livro que vale a pena ler.

Agora estou a terminar o A desobediente, a biografia da Maria Teresa Horta escrita pela Patrícia Reis, e estou a gostar muito. E uma certeza já tenho: a biografia da Natália Correia (O dever de deslumbrar) será um dos livros que vou ler nos próximos tempos. Mas antes disso lerei o Pacto da Água, de Abraham Verghese, que não resisti a comprar e que quero muito começar a ler.

E vocês? O que têm andado a ler? Contem-me tudo...

 

22
Ago24

Empúsio, de Olga Tokarczuk

Patrícia

Empúsio.jpg 

A estadia de Mieczyslaw Wojnicz na cidade de Görbersdorf, que alberga um sanatório onde espera curar a turbeculose, remete imediatamente para o romance A montanha mágica, de Thomas Mann. Até eu, que nunca li este clássico, o percebi de forma imediata. Acredito que quem o tenha lido consigo estabelecer paralelismos vários ao longo das páginas deste Empúsio.  Ora, o moço não está sozinho na sua luta e é com os seus companheiros de doença que embarca em diversas conversa que acabam, naturalmente, por se focar no papel da mulher na sociedade ao mesmo tempo que bebem um estranho licor (Schwärmerei) com sabor a terra e formigas.  Estas conversas, de tão ridículas e divertidas que são, transformam um livro cheio de homens num tratado abertamente feminista. Quando, no fim (ou no princípio para aqueles leitores que não resistem a espreitar as últimas páginas) percebemos que todos estes discursos se baseiam no pensamento de escritores/autores/filósofos homens, ficamos (ou pelo menos eu fiquei) com um sentimento de tristeza pela infeliz veracidade daquela parte do livro ao mesmo tempo que ganhamos um novo respeito (como se isso fosse necessário) pelo trabalho extraordinário desta mulher. 

Este não é um livro sempre fácil de ler. Depois de me divertir bastante com as ridículas conversas daqueles homens sobre as mulheres custou-me a interessar-me pela intriga policial - confesso que pouco me interessei pela busca do assassino daqueles homens. Mas a Olga Tokarczuk é, de facto, uma mestra no que a este tipo de história diz respeito (chamam-se romance de terror neuropático - o que, aqui entre nós, me faria manter longe das páginas se por acaso o tivesse sabido antes de começar a ler) e mesmo sendo uma narrativa lenta há sempre um tom, uma cor, uma presença ao longo dos seus livros que não me permite desistir da leitura. E ainda bem porque o final do livro é perfeito, quando percebemos quem é quem, os porquês e todos os pormenores que percebemos mas descartamos ao longo da história se encaixam. 

Haveria tanto para dizer mas iria certamente estragar-vos a leitura, neste caso os spoilers podem, de facto, fazê-lo e não quero isso. Ao longo da leitura nem nos apercebemos do tanto que lá cabe e isso é das coisas mais fantásticas dos livros. Fechá-lo, deixar passar algum tempo, e perceber que foram vários temas abordados e que, mesmo sem querer, continuamos a pensar neles.

Deixo-vos apenas com uma última nota: Empusa, na mitologia grega, é um dos espectros que terá saído da caixa da pandora e que, podendo metamorfosear-se numa bela mulher de cabelos de fogo, se alimenta de sangue e carne humana. Simpática, portanto :) 

 

 

 

21
Ago24

Shuggie Bain, de Douglas Stuart

Patrícia

Shuggie Bain.jpg 

Já sabia que este livro ia ser duro e triste. Também já sabia que o queria ler (não sabia era quando) por isso estava ali no kobo à espera da altura certa. Li-o num instante (calma, estava de férias, lia durante horas e horas) e não me arrependi. Não estava à espera que me fizesse lembrar um outro livro maravilhoso e triste, o As cinzas de Angela, de Frank McCourt que já li há muitos anos e que me marcou bastante. 

Este livro é sobre um menino que tem que crescer mais depressa do que devia. É sobre uma mulher sem auto-estima e com uma doença. É sobre amor, pertença, dedicação. É sobre escolhas, sobre bullying, sobre como as nossas circunstâncias nos moldam e condicionam (felizmente é pouco sobre como as nossas circunstâncias não nos definem, tenho pouca paciência para esse tipo de conversa porque acho que as nossas circunstâncias são precisamente aquilo que nos define, às vezes conseguimos vencer apesar delas, outras vezes por causa delas mas são sempre, sempre importantes), como a vida não é justa para todos, como ainda tempos tanto, tanto para aprender. 

O abandono a que este menino é votado por todos é cruel. Quase me dá vontade de dizer que é impossível alguém sobreviver àquilo com alguma sanidade mental mas a vida já me ensinou que a verdade está, tantas vezes, naquilo que consideramos impossível. Acho que a parte que mais me incomodou neste livro foi isto. Shuggie não tem ninguém. O pai, um cabrão. A mãe, uma inútil que escolhe sempre o gajo errado (acho que até a perdoava não tivesse sido o envolvimento com Eugene). Os irmão, vítimas como ele, não conseguem mais e têm que se salvar a si mesmos, tal como Shuggie. Que as crianças são cruéis eu sei e até compreendo mas este miúdo não ter um amigo que seja até tão tarde, alguém que lhe dê algum alento, alguma esperança, faz-me muita confusão e entristece-me muito.

Vou querer ler Um lugar para Mungo porque fiquei com a sensação de um livro inacabado e mesmo não sendo este livro uma continuação, per si, da história, espero que o seja, de alguma forma.

O contexto em que a história se passa surpreendeu-me. Não me surpreendeu o facto de haver tanta miséria e esta estar associada a alcolismo e à dependência de outras substâncias. Surpreendeu-me o autor não conseguir (por não sentir, não querer ou não o ter experienciado??) mostrar nada de positivo naquela comunidade. Não é comum a miséria são tão ampla, não apenas de dinheiro mas de valores, beleza, bondade. Mas naquela comunidade é apenas o álcool e a mesquinhez que existe, ou pelo menos, apenas isso é percepcionado e transmitido pelo autor.

 

20
Ago24

31 faces do terror, de Rita Santos

Patrícia

31 faces de terror.jpg

Não conheço a Rita para além das redes sociais e mesmo aí não sei se interagimos muitas vezes mas quando percebi que ela estava a publicar um livro de terror resolvi comprá-lo. Até vos podia dizer que é giro apoiar novos escritores (que é) mas a principal razão pela qual o comprei foi por andar com vontade de explorar mais este género literário do qual li pouco (Shirley Jackson e Michael McDowell apenas). Comprei o livro sem saber quase nada sobre ele. Sabia que era um livro de contos mas não fazia ideia, por exemplo, que o livro era composto por textos escritos em 2023 no âmbito de um desafio de leitura organizado pela própria Rita. Pelo que percebi, em Outubro de 2023 a autora organizou o Spookober, desafiando todos a escreverem um texto por dia com base numa determinada palavra. Este livro é uma compilação dos textos da própria escritora.

Li-o numa manhã das minhas férias. Estava calor lá fora, a casa estava em silêncio para lá dos sons do campo que me chegavam. Foi uma experiência de leitura interessante também por isso. A ausência de pessoas ou barulho é o ideal para entrar na atmosfera, no mood, de um livro de terror.

Não vou falar muito sobre os textos (não quero estragar a vossa experiência de leitura) mas posso dizer-vos que alguns foram surpreendentes e todos tinham aquele toque que nos fazia estremecer. Gostei muito do Passeio na Baixa, logo no dia 3. Acho que foi o texto que me fez entrar no livro. O som do Trovão é daqueles que nos atingem em cheio. Talvez seja o melhor de todos os textos. Dei uma gargalhada com o O comandante supremo, basta conhecer-me um bocadinho que perceberão porquê (acho que ter dado outra gargalhada no Nunca mais toca a campainha não faz de mim boa pessoa mas é o que é). Ah, O esquecimento... life sucks, é só o que tenho para dizer.

Um bom livro de terror (tal como de fantasia ou FC) é aquele que consegue fazer-nos pensar, reflectir sobre a realidade que nos rodeia. E a realidade que nos rodeia é de tal forma assustadora que os escritores deste género têm a vida facilitada (ahahah) mas a verdade é que a Rita consegue, com textos bastante curtos, fazer-nos parar para pensar. Uns temas são mais óbvios que outros, claro, mas é isso que se pretende. 

Uma palavra para as ilustrações deste livro. São do Edgar Ascensão e são maravilhosas. Poucos livros recorrem a imagens mas este fá-lo muitíssimo bem. 

Não sendo leitora de contos nem textos curtos (vocês já conhecem o meu amor por calhamaços), a verdade é que gostei bastante de ler este livro e irei, certamente, estar atenta às próximas publicações da autora.

Rita, para quando o segundo livro?

 

 

14
Ago24

O Caderno Proibido, de Alba de Céspedes

Patrícia

 

 o caderno proibido.webp  

 

Acho que a definição de clássico que prefiro é a de que "passou o teste do tempo". Quando estou a ler um livro e me esqueço  que foi escrito em 1952, posso dizer que gostei muito e que é o meu género de clássico. Para não variar, não sabia nada deste livro quando o comecei a ler. Não conhecia a autora, não fazia ideia do tema ou de quando tinha sido escrito. Escolhi-o pelo título e por aquele instinto que nos faz pegar num livro e não noutro (e que tanto me faz descobrir pérolas escondidas como revirar os olhos ao terceiro capítulo). É aliás aquilo de que mais sinto falta nestes tempo de internet: entrar numa livraria e escolher um livro sem qualquer condicionamento, preconceito ou sugestão de outra pessoa. 

Fiquei deliciada às primeiras páginas deste livro, a premissa de comprar um caderno e começar um diário secreto é daquelas que irá, certamente, aliciar qualquer pessoa da minha geração, da geração que recebeu pelo menos um diário com chave ou que leu muitos diários na sua meninice - a verdade é sempre gostei do estilo diarístico. Composto por capítulos mais ou menos pequenos - entradas do diário de Valeria - ficamos a conhecer a família da nossa protagonista e, ao longo das páginas acompanhamos a Valeria que se descobre a si mesma.

Um parêntesis para realçar a maravilhosa ideia da auto-descoberta através da palavra, através do diálogo connosco mesmos, da escrita enquanto purga, caminho e crescimento. 

Mas foi, como é sempre, a forma como me revi em tantas páginas, a empatia fácil que criei com Valeria, a forma como senti que esta história é, ou poderia facilmente ser, verdadeira, ser de alguma forma a minha, que fez com que este rapidamente se transformasse num livro especial. Talvez nos erros, nas contradições, na fraqueza da protagonista que está a sua força. Pelo menos foi isso que mais me atraiu. 

Gostei, recomendo e um dia hei-de reler este belo diário.

 

10
Ago24

Glúten free ou "a minha vida é uma miséria"*

Patrícia

Há umas semanas decidi fazer a experiência de retirar, ou limitar, o glúten da minha alimentação. O primeiro embate não foi fácil e chama-se "pão", especialmente ao pequeno-almoço. O meu pequeno-almoço preferido é composto por torradas e café com mais ou menos leite, dependendo da necessidade de cafeína. Mas raramente fujo à minha torrada de pão alentejano (o único digno de usar "pão" como identificação). E de um dia para o outro (estas decisões têm que ser tomadas assim - um dia acordei e pensei para comigo "é hoje") fiquei sem pequeno-almoço. Depois de algumas sugestões e tentativas (odeio ovos de manhã, as crepiocas ou como raio se chamam, são boas, mas não é para todos os dias) fiquei-me pelos cereais (corn flakes, cenas de trigo sarraceno, tudo devidamente identificado com o "glúten free" da praxe) com leite ou iogurte. Ainda não tive tempo para explorar as papas de aveia mas também deve ser uma excelente opção. Mas continuo miserável sem a minha torrada de pão alentejano. O resto foi relativamente fácil. Pelo menos do meu lado. Nunca mais toquei numa bolacha, comprei massa sem glúten mas ainda não a experimentei - haverá tempo para isso- e comi três bolos desde que tomei a decisão: o bolo de aniversário dos oitenta anos da minha mãe, uma bola de Berlim sem creme no último dia de praia do ano (não sou fã, vou uns dois ou três dias por ano e já cumpri mais que a minha quota deste ano) e um bolo de cenoura num café e, na verdade, é este bolo que me leva a escrever este post.

Cada vez mais há pessoas que optam por deixar de comer coisas com glúten, seja por terem doença celíaca (que eu não tenho), por terem alguma intolerância ou simplesmente por quererem retirar esse componente da sua alimentação. Quem o faz tem extrema dificuldade em, por exemplo, tomar o pequeno-almoço fora de casa, comer qualquer coisa numa estação de serviço ou petiscar a meio da tarde. É fácil escolher uma refeição sem glúten (até as pizzarias já têm massa bastante aceitável sem tal coisa) mas não é fácil petiscar sem ele. 

Não sou do género de ir tomar o pequeno almoço ao café mas passei a ter mais cuidado no trabalho: iogurtes, fruta e leite é algo que posso ter sempre por lá, por isso não é problemático (e assim, pouco os 2.05€ que gastava quanto tinha preguiça de preparar a minha fatia de pão para torrar). Mas no outro dia tive que ir tomar o pequeno-almoço ao café. Pior, não podia apenas beber qualquer coisa, tinha mesmo que comer (as razões para isso não importam, tinha que acontecer, café e comida) e apercebi-me que não há nada sem glúten numa pastelaria normal. Nada. Como é possível? Não há uma alternativa, por mais simples que seja. Pão, cereais, crepes ou panquecas, uns ovos mexidos. Nem fruta ou iogurtes existem na grande maioria das pastelarias desta vida. Impressionante.  (e acho sinceramente que estão a perder uma oportunidade aqui)

Ontem, cheguei a uma estação de serviço esganada de fome. Eram 23h00 e pensei ir comer uma sopa quentinha (depois do dia que tinha tido, comida conforto era o que me apetecia e, à partida, esta não teria glúten) mas, obviamente, não havia. Porque raio é que a uma sexta feita de verão deveria haver comida às 23h00 numa estação de serviço da A2, em direcção ao Algarve?  Claro que não, queres jantar comes a horas de jeito. A "meio da noite" (modo ironia, se ainda não perceberam) comes sandes, doces ou salgados e não pias. Todos têm glúten (nem que seja no pão ralado). Comi, pois claro que comi, mas sob protesto. E com uma certa tristeza e aquela sensação de oportunidade perdida. 

Imagino que todos os que ousam ser ligeiramente diferentes na alimentação (e não só) sintam a mesma coisa, que o mundo não está feito para quem não encaixa exactamente na forma definida. 

Já percebi que vou ter que puxar pela imaginação, deixar de depender do "vou petiscar qualquer coisa a qualquer sítio" (e isso não é fácil para mim que nem nas excursões da escola levava marmita) e tornar-me naquela pessoa que saca da caixinha com frutos secos e cenoura fatiada em qualquer sítio. Ainda me obrigam a emagrecer e tudo.

 

*frase que mais tenho dito nas últimas semanas. Sim, tenho noção que é um exagero do caraças mas deixem-me, pá, eu sofro sem pão, sabem?

03
Ago24

Férias e livros

Patrícia

 

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Férias para mim são sinónimo de leitura. A verdade é que nunca fui grande fã de praia (já piscina é outra coisa) e nunca me lembro de ir para uma sem carregar um livro. Não sou uma grande companhia na praia ou na piscina ou em qualquer sítio de "descanso" porque gosto de estar "na minha" a ler. Habituei-me assim, as minhas companhias nestes momentos sempre foram leitores como eu ou pessoas que, não o sendo, apreciam o silêncio acompanhado. Sim, conversamos nas pausas da leitura e pouco mais. Gosto de ficar horas a ler, sem que me chateiem ou me pressionem para conviver. A minha definição de descanso implica mergulhar num livro. Quando era miúda sempre passei as férias grandes longe dos meus amigos mais chegados. Estudei longe de casa desde os meus 9 anos e voltava a casa nos fins de semana e nas férias grandes. Para ajudar à festa, a minha casa era numa aldeia, não havia grande coisa para fazer durante as horas de calor (por lá, os pais só nos davam autorização para ir laurear depois das 18h) e eu não sou do tempo das mil e uma séries de TV. E a verdade é que sempre dei mais valor aos livros que à televisão. Tivesse eu um daqueles livros que não conseguia parar e nada me arrancava de casa ou do programa de leitura. E a minha mãe já sabia que a minha recusa em ir brincar ou laurear tinha mais a ver com o livro em si que com qualquer tristeza ou falta de amigos... porque assim que acabava o dito lá ir eu voando para a rua. Ainda hoje fico extremamente frustrada se tenho que parar uma leitura a meio para fazer qualquer outra coisa, especialmente se estiver de férias. 

Não acho que existam livros de verão ou de férias ou seja lá o que lhes chamam. Pessoalmente gosto de ir variando. Mas acho que o momento ideal para ler calhamaços é quando temos tempo de sobra (a adolescência e as intermináveis férias de verão são perfeitas para os ler) mas ultimamente tenho escolhidos livros mais curtos para estes períodos. Resisto aos policiais que são de leitura rápida mas que me deixam sempre com um certo vazio no final. Não aquele vazio de saudade mas o sentimento de que estive a perder o meu tempo. Escolho-os quando preciso mesmo, mesmo, de esquecer a vida. Leio policiais por desespero, não por prazer (lembro-me que nas piores férias da minha vida despachei uns 6 em pouco mais de uma semana). 

Agora estou a ler a versão portuguesa do The Way of Kings, do Brandon Sanderson. Por cá ficou "O caminho dos reis" e confesso-vos que estou a lê-lo como se fosse a primeira e não a terceira vez. Este bichinho pesa mais de 1kg e ainda me vai matar quando me cair em cima mas está a dar-me um gozo do caraças voltar a Roshar. Escuso de vos dizer que é das melhores coisas de fantasia que já li e que recomendo. Percebo que para muitos é difícil um compromisso com uma série de fantasia, que são muitos livros, muitos grandes, muito tempo. Mas isto é tão bom... 

Eu sei que o livro é caro (comprei-o, sei exactamente o quão caro é) mas cada euro é bem gasto. E se tiverem filhos/as adolescentes e com tempo para gastar, é um bom investimento. E talvez os afaste um pouco dos telemóveis e internets desta vida. E se já passaram da adolescência, este tb é um livro para eles e para vocês, fantasia épica não é a mesma coisa que livros de aventuras. E este mundo é do caraças, o autor é conhecido pelo seu worlbuilding e tem uma legião de fãs. 

E porque eu gostava muito que a editora publicasse os outros (estão mais 4 escritos, o último dos quais será publicado no dia 06 de dezembro deste ano) e desconfio que isso só acontecerá se este vender decentemente. Se depender de mim, isso vai acontecer apesar de, tal como a maioria dos fãs de Cosmere, já o ter lido no orginal. 

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