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Ler por aí

Ler por aí

28
Jan24

De que falamos quando falamos de amor, Raymond Carver

Patrícia

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Costumo dizer que sou leitora de calhamaços, não de contos, gosto de passar tempo com os personagens e de mergulhar na história. Mas quando uma amiga da Roda dos Livros me ofereceu este livro - especial porque veio da estante dela e, sendo ela uma leitora de contos, é um dos seus favoritos - sabia que tinha que lhe dar uma oportunidade. 

Rapidamente percebi que estes são contos muitos visuais e absolutamente depurados. Rapidamente conseguimos visualizar o ambiente, as personagens e o ambiente onde estas histórias se passam. 

Alguns dos contos são apenas cenas pouco memoráveis, não especialmente felizes e que retratam o quotidiano de uma América triste e violenta. Mas outros marcam e chocam. 

Apesar do conto que deu nome ao livro ser bastante interessante e aquele com maior potencial para discussão - trata-se afinal de uma discussão sobre o amor, aquilo que este sentimento representa para cada um de nós e o caso muito específico de "ele batia-me mas era amor" - mas são os "vou dizer às mulheres que vamos sair" e "Tanta água, tão perto de casa" que pela sua violência inesperada (e apresentada de uma forma quase banal) me atingiram mais.

25
Jan24

Notas soltas

Patrícia

Ando há uns dias para vir aqui escrever um post sobre o tempo, a falta dele e a forma como tenho a certeza que um minuto nem sempre é um minuto, como nem todas as horas têm os mesmos minutos ou como a percepção é uma coisa engraçada. Não me saiu nada de jeito, deixo a aqui a ideia, já perceberam, fica feito.

Ando um bocado perdida nas leituras, depois de ter conseguido reduzir a lista de livros em andamento a 1, The blue between Sky and Water, da Susan Abulhawa, voltei a enfiar-me num poço sem fundo e comecei a ler o Anna Karénina e o The Blind Assassin, da Atwood. Razões como "apeteceu-me" não chegam para justificar esta loucura mas é o que temos. O resultado? Todas as leituras se vão arrastar no tempo. Eu não era esta pessoa mas a trindade livro físico/ebook/audiobook trocam-me as voltas e dá nisto. 

O que se está na passar com a atribuição dos prémios Hugo é mais um sinal do fim dos tempos como os conhecemos. Em Portugal pouco se tem falado deste escândalo (ainda não vi nenhum artigo nos media portugueses - se estiver enganada, óptimo, deixem-me aqui o link, por favor), fico na dúvida se o silêncio é porque a FC e a Fantasia são géneros menores ou se é melhor não chatear os senhores chineses. Afinal, vivemos em tempos em que, desde que o dinheiro escorra, os regimes são fofinhos, não é? 

E a IKEA? Confesso, ri-me. Compreendo as críticas à campanha publicitária mas não acredito que a empresa vá perder muitos clientes, saia prejudicada na sua imagem por causa disto (em PT não temos a tradição de ter boa memória) ou que alguém deixe de votar naquele partido por causa disto - eu sei que acabei de dizer que não temos a tradição de ter boa memória mas porra, isto aconteceu ainda agora, não só ninguém se esqueceu como na campanha não se vai falar de outra coisa. E não há uma boa forma de "encaixar" este género de coisa. Acho que o menos mau seria o silêncio.

E por falar em eleições, estamos lixados, não é? 

Enfim, temas mais interessantes. Tive uma bela conversa numa rede social onde (ainda) se pode discordar sem insultos sobre o sentido que faz, ou não, escolher os livros pelo género dos escritores. Ainda hei-de cá vir escrever um (provavelmente) longo post sobre o assunto, que me interessa bastante. Fica a promessa.

 

17
Jan24

Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos, de Olga Tokarczuk

Patrícia

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Não sei quanto a vocês, mas acho o título deste livro lindíssimo. A frase é de William Blake, autor que a protagonista (Janina Duszejko) traduz em parceria com Dyzio, e imediatamente põe-nos no mood certo, na atmosfera do livro, meio negro mas cheio de vida ao mesmo tempo.

Este não é um livro comum. Nem são comuns os protagonistas (uma mulher dos seus 60 e tal anos), nem o ritmo (estranhamente lento para um policial – mas poder-se-á classificar este livro como policial? Nem sei) ou o conteúdo (confesso que estranhei e até me custou ler todas as páginas dedicadas à astrologia). Mas é um livro muito bom, que se lê com uma facilidade surpreendente (sim, sim, ainda sou daquelas que acha que os Nobel são acima de tudo complicados e chatos – que bom que por vezes a realidade me contradiz) e que nos interessa quase sempre. Digo “quase sempre” porque a parte da astrologia…bem, digamos que me enfadou de morte.  Mas passemos à parte boa.

A premissa desde livro é simples.  Terão mesmo sido os animais a matar, como a nossa protagonista insiste em dizer? Duszejko, não a tratemos por Janina já que ela não gosta, vive na solidão da montanha, cuidando de casas de veraneantes durante o inverno, dando aulas de inglês às crianças da cidade e traduzindo William Blake com um dos seus poucos amigos, Dyzio e assumindo-se como protectora dos animais e da natureza, respeitando-os e aceitando-os como iguais, ao ponto de acreditar que são capazes de matar, de se unir em prol da vingança. É sempre através dos seus olhos, da sua voz, do que nos quer contar, que conhecemos os outros moradores desta cidade, geralmente através de uma alcunha bem atribuída.  Quando o Pé Grande morre engasgado com um osso de corça, e logo depois um outro corpo é encontrado morto num local marcado por patinhas de corça, Duszejko desenvolve a teoria de que os bichos se estão a vingar dos seus caçadores.

Não vos vou falar muito mais sobre a história deixando-vos descobri-la através da leitura. Mas vou falar um pouco sobre caça, não resisto.

Sou de uma aldeia e a maioria dos meus amigos de infância são caçadores. Não pude deixar de sentir empatia com a nossa protagonista porque também eu lhes chamei assassinos muitas vezes. Eu percebo a necessidade da caça (não me faz confusão que se cace para comer e o desequilíbrio que provocámos na natureza faz com que seja necessário o controle dos animais na natureza – seja através do abate ou da reposição), o que eu não percebo é o prazer do caçador. Não percebo a exposição de troféus, o orgulho na matança. E repugna-me (como aliás a muitos caçadores que conheço e com quem tive oportunidade de discutir o assunto) a existência de reservas de caça que mais não passam de matadouros a céu aberto, e que servem para convencer uns papalvos de que são “caçadores de caça grossa”. Aqueles tipos que precisam de ir abater animais de grande porte que estão habituados a ser alimentados quase à mão (e que em vez de fugirem dos humanos, aproximam-se deles devido ao condicionamento que sofrem) não conseguiriam sobreviver da caça se disso dependessem. E são umas bestas.

Voltando ao enredo do livro, tenho que admitir que o final é bastante previsível, mas, ao contrário do que se poderia pensar, isso não retira interesse às últimas páginas

Esta foi uma óptima primeira leitura do ano.

02
Jan24

O que nos trará 2024? Mais censura?

Patrícia

2023 trouxe-nos mais livros proibidos, censurados, rasurados. Recomendo esta lista de livros proibidos em escolas ou estados norte-americanos para quem acha que este é um problema de somenos importância. Confesso que cada vez que vejo uma lista destas (e tem sido demasiado recorrente) fico bastante assustada, triste e sem esperança no futuro. E nem o “o fruto proibido é o mais apetecido” me tira este sentimento de derrota.

Censurar, banir, livros e negar, a crianças, o direito de os lerem devia ser considerado “maus-tratos” mas a verdade é que são pseudo-educadores que o fazem. É irrelevante a possibilidade das crianças terem acesso a esse livro fora da escola ou em adultos. Se em casa lhes é ensinado que os livros banidos são, afinal, leituras interessantes e importantes, então a confiança na escola, no conhecimento e aprendizagem fica abalada para sempre. Se em casa, essa censura é apoiada, então está a ser sonegada a esta miudagem a oportunidade de aprender sobre diferença e liberdade. Porque todos os livros banidos são sobre diferença e liberdade. E eu já não caio na asneira de achar que isto é só maluquice dos americanos. Isto cai-nos em cima num instante. E mesmo que seja apenas por lá, isso vai-nos cair em cima num instante.

Dizer que um livro não é adequado a uma determinada idade é uma coisa – para isso servem os livros recomendados – mas isto é outra coisa. Isto é uma tentativa muito óbvia de manipulação de massas. A literacia, o conhecimento e a capacidade crítica são as armas mais importantes em qualquer sociedade.

É verdade que a “limpeza” (não, não vou usar a palavra “branqueamento”) que está a ser feita a alguns livros não está a ajudar. Sou toda a favor de mudarmos a linguagem, de não usar determinadas expressões que já não são aceitáveis hoje em dia, pela carga histórica que carregam, pelos preconceitos que perpetuam e pela mágoa que causam. Isto para mim é apenas respeito pelo próximo. Mas não poso concordar que se reescreva nem a História nem os livros – interpretar (quer a História, quer os livros), analisar, identificar os erros para que não os repitamos. Usar o passado para melhorar o futuro e não o contrário.  

Quero acreditar que nós, leitores, teremos uma palavra a dizer (bem, no próximo dia 10 de Março, teremos certamente e não é irrelevante a escolha) sempre que comprarmos um livro, que oferecermos um livro, que divulguemos um livro. Ler está a tornar-se uma forma de resistência. Aliás, ler é hoje, como sempre foi, uma forma de resistência.

01
Jan24

Revolução, de Hugo Gonçalves

Patrícia

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Não é fácil falar, quanto mais escrever, sobre o PREC. A verdade é que o período entre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975 é pouco falado, pouco discutido, quer nas escolas quer na sociedade. Temos muito orgulho na nossa revolução pacífica e insistimos em esquecer todos os acontecimentos que não encaixam na narrativa da “revolução dos cravos”. O tema do retorno das ex-colónias ainda vai sendo abordado, geralmente na primeira pessoa, pelas crianças que o viveram e que hoje são homens e mulheres e sentem necessidade de processar e partilhar o assunto, mas o PREC tem ficado bastante esquecido, pelo menos em determinadas partes da sociedade. E, no entanto, foi há tão pouco tempo. Aquele tempo é também parte de nós e tem reflexos na sociedade actual, como não podia deixar de ser,

Pela coragem de abordar o assunto num livro como este, o Hugo Gonçalves está de parabéns. É um livro importante.

Para além de ser um livro importante pelo assunto (acho que até lhe posso chamar protagonista) principal, é também um livro com uma história bastante interessante. Ao longos destas páginas, que se leem muito rapidamente, seguimos a dinâmica familiar dos Storm. Uma família peculiar, com a matriarca Antónia, mãe solteira que casa com um filho de piloto alemão que se despenhou em Portugal na segunda guerra mundial e uma portuguesa, e os seus filhos, Maria Luísa, Frederico e Pureza. Este também é um livro sobre o equilíbrio necessário entre o amor fraternal e o antagonismo das ideias ideológicas.

Gostei de conhecer todos os imperfeitos protagonistas deste livro. A destemida, corajosa e tenaz Malú, que nos faz pensar se os fins justificam os meios e no que é realmente importante. O incompreendido, sensível, inteligente Frederico, que é sinónimo de desperdício e tão típico dos anos 80 (quem não conheceu vários Fredericos?). E que serve de alerta para a actualidade. Pelo que vemos por aí, não são tempos passados. A Pureza, a corajosa Pureza, cujo arco é um dos mais interessantes. Tão errada, por vezes, tão certa, outras vezes. E Antónia, uma mãe portuguesa que só quer uma mesa sem lugares vazios.

Com revolução, terminei as leituras em 2023. É bom terminar o ano com um livro que podemos recomendar sem reservas.

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