Não sei quanto a vocês, mas acho o título deste livro lindíssimo. A frase é de William Blake, autor que a protagonista (Janina Duszejko) traduz em parceria com Dyzio, e imediatamente põe-nos no mood certo, na atmosfera do livro, meio negro mas cheio de vida ao mesmo tempo.
Este não é um livro comum. Nem são comuns os protagonistas (uma mulher dos seus 60 e tal anos), nem o ritmo (estranhamente lento para um policial – mas poder-se-á classificar este livro como policial? Nem sei) ou o conteúdo (confesso que estranhei e até me custou ler todas as páginas dedicadas à astrologia). Mas é um livro muito bom, que se lê com uma facilidade surpreendente (sim, sim, ainda sou daquelas que acha que os Nobel são acima de tudo complicados e chatos – que bom que por vezes a realidade me contradiz) e que nos interessa quase sempre. Digo “quase sempre” porque a parte da astrologia…bem, digamos que me enfadou de morte. Mas passemos à parte boa.
A premissa desde livro é simples. Terão mesmo sido os animais a matar, como a nossa protagonista insiste em dizer? Duszejko, não a tratemos por Janina já que ela não gosta, vive na solidão da montanha, cuidando de casas de veraneantes durante o inverno, dando aulas de inglês às crianças da cidade e traduzindo William Blake com um dos seus poucos amigos, Dyzio e assumindo-se como protectora dos animais e da natureza, respeitando-os e aceitando-os como iguais, ao ponto de acreditar que são capazes de matar, de se unir em prol da vingança. É sempre através dos seus olhos, da sua voz, do que nos quer contar, que conhecemos os outros moradores desta cidade, geralmente através de uma alcunha bem atribuída. Quando o Pé Grande morre engasgado com um osso de corça, e logo depois um outro corpo é encontrado morto num local marcado por patinhas de corça, Duszejko desenvolve a teoria de que os bichos se estão a vingar dos seus caçadores.
Não vos vou falar muito mais sobre a história deixando-vos descobri-la através da leitura. Mas vou falar um pouco sobre caça, não resisto.
Sou de uma aldeia e a maioria dos meus amigos de infância são caçadores. Não pude deixar de sentir empatia com a nossa protagonista porque também eu lhes chamei assassinos muitas vezes. Eu percebo a necessidade da caça (não me faz confusão que se cace para comer e o desequilíbrio que provocámos na natureza faz com que seja necessário o controle dos animais na natureza – seja através do abate ou da reposição), o que eu não percebo é o prazer do caçador. Não percebo a exposição de troféus, o orgulho na matança. E repugna-me (como aliás a muitos caçadores que conheço e com quem tive oportunidade de discutir o assunto) a existência de reservas de caça que mais não passam de matadouros a céu aberto, e que servem para convencer uns papalvos de que são “caçadores de caça grossa”. Aqueles tipos que precisam de ir abater animais de grande porte que estão habituados a ser alimentados quase à mão (e que em vez de fugirem dos humanos, aproximam-se deles devido ao condicionamento que sofrem) não conseguiriam sobreviver da caça se disso dependessem. E são umas bestas.
Voltando ao enredo do livro, tenho que admitir que o final é bastante previsível, mas, ao contrário do que se poderia pensar, isso não retira interesse às últimas páginas
Esta foi uma óptima primeira leitura do ano.