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Ler por aí

Ler por aí

28
Ago23

No ser humano tudo tem de ser belo, de Sasha Marianna Salzmann

Patrícia

tudo no ser humano tem que ser belo.jpeg

Nem sei bem porque é que este livro me chamou a atenção (li sobre ele no Público, onde leio sobre tantos outros que não se destacam) mas a verdade é que assim que pude comecei a lê-lo. Como habitualmente parti para a leitura sem saber quase nada sobre ele e ainda bem. Gosto de ser surpreendida, gosto de ir descobrindo o que a escritora me quer dizer sem preconceitos. E foi uma bela leitura. Achei falta de um final mas gostei bastante de o ler.

Neste "No ser humano tudo tem que ser belo" conhecemos 4 mulheres, todas bastante interessantes, ao mesmo tempo que conhecemos, pelos seus olhos, o contexto do país onde vivem (ou onde viveram). Lena e Edi; Tatiana e Nina. Quando o livro começa percebemos imediatamente que entre estas mulheres há amor e há desencontros. E esta história é acima de tudo sobre a relação entre elas, mães e filhas, amigas, mulheres.

Boa parte do livro conta-nos as histórias de Lena e Tatiana, a sua infância na União Soviética, o seu crescimento e educação, a sua transformação em mulheres e mães e o caminho que as conduziu até à Alemanha, as levou para longe da sua terra Natal, a Ucrânia. Depois conhecemos as filhas, Edi e Nina, que lutam por conhecer as mães e a herança cultural que lhes é imposta ao mesmo tempo que lutam para ter uma identidade própria.

Eis um livro com 3 dimensões.

Por um lado é inevitável ler com interesse toda a parte sobre a União Soviética em geral e a Ucrânia em particular. Não há propriamente grandes novidades nestas descrições mas é sempre importante relembrar o que foi (o que é) viver em regimes não democráticos, no quão fácil é deixarmo-nos levar e aceitar a distorção da realidade que está na base de tantos regimes por esse mundo fora (e tantas vezes bem mais perto do que queremos acreditar).

A adaptação a um novo mundo, a necessidade de criar raízes num novo país (e num tão diferente culturalmente), deve ser brutal. A solidão, a desesperança e o sentimento de injustiça são poderosos e têm o poder de traumatizar, diminuir ou engrandecer. Qual é a melhor maneira de sobreviver? Para Lena e Tatiana, deixar o passado lá atrás (mas inevitavelmente também dentro de si) e seguir para o futuro em silêncio, num acto de aceitação em comunidade.

A relação entre filhas e mães é quase sempre difícil mas quando há mais silêncios que palavras, o amor pode não ser o suficiente. 

14
Ago23

Más leituras e outras histórias

Patrícia

As leituras das férias não foram tão espectaculares como estava a contar. Exceptuando, claro, o maravilhoso Laranjeira-Amarga, de Jokha Alharthi, um livro sobre expectativas, família, culpa e pertença. A tom em que esta história é contada é tristíssimo. 

A voz é de Zuhour mas nestas páginas habitam várias mulheres, lembradas e trazidas à vida numa miscelânea de pensamentos e recordações. Bint Aamir, a menina que é expulsa de casa com o irmão quando o pai arranja outra mulher e outros filhos. Bint Aamir, a força da natureza, a mãe, avó, fonte de paciência e amor. Bint Aamir, esquecida, menosprezada, abandonada. Sumayaa, a menina cheia de energia e alegria, quebrada e usada. Suroor e Kuhl, símbolos de tradição e de escolhas diferentes. Esta é também uma história de amor. Das várias faces do amor: do correspondido, do não correspondido, do concretizado e do não concretizado. Muitas histórias compõem este livro tão pequeno. Se algum defeito lhe ponho é que essas histórias estão congeladas no tempo, são-nos contadas, apresentadas, por Zuhour, da sua perspectiva apenas e não valem por si mas apenas como parte do puzzle que é esta menina-mulher.

Nestes dias de verão e calor optei por pegar em livros menos complexos e de leitura rápida. Primeiro foram os policiais. Javier Cercas apresenta-nos, em Terra Alta, um policia leitor que só lê livros do século XIX e que tem um sentido de justiça muito peculiar. Achei-lhe alguma piada e até li o segundo volume desta saga, o Independência, que me desiludiu por completo. Previsível, chato, cheio de clichés e a abusar na peculiaridade do sentido de justiça do protagonista de uma forma abusiva, popularucha e absolutamente idiota. Não tenho paciência, irritou-me e não volto a pegar nos livros de Javier Cercas tão cedo.

Passei também pela fantasia, um dos meus géneros favoritos, mas escolhi os livros errados. Já vos falei do A guerra das papoilas mas li também o A devoradora de pecados, de Megan Campisi, que parte de uma grande ideia (a da purgação dos pecados de uma vida através de uma cerimónia em que a "devoradora de pecados" assume os pecados do morto através de um banquete correspondente aos pecados confessados - a cada um corresponde um alimento) e de uma concretização pobre e banal. O início é interessante, nojento e perturbador quanto baste mas depois é apenas mais uma história que não aquece nem arrefece.

Ainda me faltam 2 dias para terminar este período de férias e vou tentar salvar as leituras com o No Ser Humano Tudo Tem de Ser Belo, de Sasha Marianna Salzmann, que para já está a ser uma leitura bastante interessante.

09
Ago23

A Guerra das Papoilas, de RF Kuang (cheio de spoilers)

Patrícia

a guerra das papoilas.jpg

Depois de lido Babel decidi que tinha que ler mais alguma coisa desta escritora. Decidi, por isso, ler o primeiro volume da trilogia das Papoilas (A Guerra das Papoilas). Tal como no caso de Babel, com o seu subtítulo "ou a necessidade de violência" (que também podia ser subtítulo deste volume), também aqui podemos perceber o que temos pela frente pela frase na primeira página do livro - A guerra não determina quem está certo. A guerra determina quem sobra.

Vamos por partes. worldbuilding e sistema de magia

Em qualquer livro de fantasia, o mundo em si e o sistema de magia são mais que apenas decoração. São personagens e das mais importantes. Nós, leitores de fantasia, queremos mundos em que consigamos acreditar e sistemas de magia que consigamos dissecar e defender. O worldbuilding deste livro não existe. Ok, há ali uns personagens secundários que são "ligeiramente" diferentes. Mas são tão pouco importantes neste livro e tão únicos que acabam por pouco ou nada contar (já lá volto). A própria escritora, num post seu do goodreads indica-nos que a inspiração para este livro (que escreveu em 3 meses) foi a segunda guerra sino-japonesa (nomeadamente o massacre de Nanquim). Bastou um bocadinho de pesquisa para perceber que "inspiração" talvez não seja a palavra certa e que pegar na realidade, mudar-lhe uns nomes e locais também não pode ser considerado worldbuilding. 

A grande virtude deste livro foi chamar-me a atenção para esta guerra de que eu sabia tão pouco. Por outro lado isto não me parece apenas batota, parece-me uma banalização de tudo o que aconteceu. 

Eu não tenho paciência para os romances "auschwitz qualquer coisa". Não tenho paciência para a romantização do holocausto nem para a sua banalização/normalização através do "sim, foi mau mas até no pior emerge o amor/o melhor do ser humano". Não é isso que Kuang aqui faz. Neste caso Kuang pega na história da guerra entre a China e o Japão e eleva a violência à sua completa desumanização. E um dos problemas é (depois de ter lido o Babel) ter reconhecido um padrão aqui.

Portanto, Kuang conta-nos a história da China com recurso ao xamanismo. Os nossos protagonistas entram em contacto com os seus deuses e o seu poder através de drogas. Ou através do ódio e do desejo de vingança e aí usam as drogas para fugir dos deuses. Enfim, não é o meu estilo de fantasia preferido.

Falemos agora dos nossos Xamãs. Podia ter sido um grupo engraçado, a ligação aos deuses, a encarnação desses deuses, podia ter apresentado uma série de histórias secundárias engraçadas, interessantes, que nos fizessem criar empatia com os Cike. Mas não. Eles existem apenas e só para serem úteis à história da Rin. Todo o grupo é plano, acabam exactamente como começaram, chega a ser ridículo quando a Venka aparece apenas para contar a sua história. 2 páginas de uma total desumanização. Ser a Venka ou qualquer outra mulher é indiferente. 

E por falar em mulheres. Uma das coisas que me incomodou logo no início deste livro foi a leveza com que Rin pede para lhe destruírem o útero (e isso é feito) assim que lhe aparece o período porque a incomoda enquanto aspirante a guerreira. Pensei, inocentemente, que aquele momento iria ser importante, o início de alguma coisa. Não é, é gratuito. Assim como é gratuita a auto-mutilação para chegar à excelência, a banalização do "a violência dele mostra que se preocupa comigo", etc, etc. Tanta, tanta coisa errada neste livro.

E a Rin. Nem tenho palavras. Não consegui estabelecer qualquer empatia com ela. Uma fedelha que faz tudo pelas razões erradas. As saudades que tenho da Vin.

Acho que é óbvio que não vou ler os próximos livros da série nem outros da escritora.

 

 

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