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Ler por aí

Ler por aí

15
Abr23

A pergunta certa

Patrícia

Lembro-me de lá em casa se dizer que comprar livros era um investimento, que se fosse um vício, era um vício dos bons. Confesso que tenho muitos livros em casa que provavelmente não lerei ou não voltarei a ler. Também admito que dificilmente deixarei de comprar livros. E que comprar mais livros não é inversamente proporcional aos livros que tenho por ler. E não me sinto minimamente culpada. Não devo nada a ninguém e gasto o meu dinheiro onde quero.

Mas não deixo de pensar onde está a linha entre ser ou não um problema. Acumular livros que sabemos não ir ler (por muito que vivamos, sejamos sinceros, boa parte dos títulos já não nos interessam) mas que ainda assim preferimos manter por perto. Na verdade, sempre assumi que o meu sonho de consumo era ter uma biblioteca com escadinhas (não me chateiem, gosto de escadinhas nas estantes - provavelmente se alguma vez conseguir cumprir esse sonho, será a minha morte, ainda saio no correio da manhã como "viciada em livros morre ao cair da escada das estantes na biblioteca privada") pelo que faz algum sentido ter e comprar livros, as estantes não se enchem sozinhas e eu não tenho bibelots suficientes para encher meia prateleira quando mais uma estante.

Na verdade não compro muitos livros. Hoje em dia compro livros que quero ter para consultar ou compro livros que quero ter na estante. Volta e meia lá vou comprar um livro que não conheço só porque ir a uma livraria ainda é a minha definição preferida de "ir às compras". Compro ebooks que quero começar logo a ler ou audiobooks que quero começar a ouvir.

Mas continuo a questionar-me. Não há, por definição, vícios bons. Há os que nos matam e os que não nos matam. Há os que nos levam à falência e os que não nos levam à falência. Basicamente acho que podemos admitir que, se os livros forem um vício, serão um vício que não nos matará (a não ser que consideremos a queda das escadinhas da estante como um perigo real, eu só considero essa morte como uma das que não me assusta e até me faz sorrir - não me interessa viver quando não conseguir ler) nem nos levará à falência, pelo que a coisa não será problemática de todo.

Resta uma pergunta: quantos dos livros comprados são efectivamente lidos?

Essa, meus queridos, é a pergunta a fazer. Compramos mais livros... mas lemos mais livros?

14
Abr23

não incomodar

Patrícia

É comum ouvirmos leitores dizer que têm sempre um livro consigo, que lêem em qualquer circunstância e que aproveitam quaisquer 10 minutos para ler um bocadinho. Eu também sou assim, ou melhor, gostava de ser assim mas a verdade é que raramente me deixam. É verdade que tenho sempre um livro comigo, nem que seja no telefone. O kobo anda geralmente enfiado na minha mala, assim como o livro do momento (se, por acaso, não estiver a ler em ebook). Gosto de ler à hora do almoço, gosto de parar no jardim e ler um bocadinho e gosto de ouvir os meus audiobooks enquanto conduzo (para ser sincera, tornei-me uma condutora bem mais calma quando comecei a ouvir audiobooks - deixei de ter pressa para chegar e as filas já nem me chateiam muito).

Como qualquer leitora tenho sempre curiosidade em relação aos hábitos de leitura dos outros, tento perceber quais os livros que cada pessoa está a ler e acho curioso quando vejo alguém a aproveitar um momento inusitado para um bocadinho de leitura. 

Mas há algo que nunca faço: interromper quem está a ler para lhe perguntar o que está a ler, as horas, que tempo está lá fora ou de que planeta acabou de chegar. Muito menos para lhe dizer, como já me aconteceu, "gostava de ter tempo, como tu, para ler". Imaginem a situação: eu, no refeitório da empresa, a almoçar e a ler um livro. Uma colega sai-se com essa pérola. Uma colega que está no mesmo refeitório que eu, a usufruir da mesma hora de almoço que eu. Acho que fiquei a olhar para ela com o meu ar de palhacita, a pensar se ela sequer teria sequer percebido a ironia da coisa.

Acho que há em pense que ler em público é uma chamada de atenção, uma admissão de solidão, um pedido de amizade, um grito de ajuda. Não é. Quem está a ler em público está a ter um momento de paz, está a usufruir do seu tempo e só quer ser deixado em paz. Quem está a ler um livro em público fá-lo por escolha e por vontade. Provavelmente teve que se esforçar bastante, fugindo de gente, para estar ali sentado sozinha. E quem está sozinha a ler até pode gostar de vocês mas naquele momento está a ler um livro - ou seja, está ocupada (e a parte de gostar de vocês pode mudar rapidamente). Vejam ler um livro como o icon vermelho do teams: significa "não incomodar".

11
Abr23

Linguagem e memória

Patrícia

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Vivemos uma época estranha. Nunca tivemos tanto acesso a informação mas nunca foi tão difícil destrinçar o que nos chega enviesado, truncado, alterado. 

Quem me conhece pessoalmente já me deve ter ouvido falar da minha embirração com os romances que retratam o holocausto de uma forma relativamente benigna, que contam histórias de amor em campos de concentração e que conseguem fazer daqueles dias, dias de esperança. Por mais que me digam que é importante conseguir ver alguma luz naquele período, assusta-me que se esteja a perder o foco, a branquear algo que não pode, a bem do futuro, ser branqueado, menosprezado, tornado mais leve. A literatura é, também, uma forma de preservar a memória. É talvez a forma mais fácil de a preservar. Infelizmente também é a forma mais fácil de a perverter. Às páginas tantas aquela ficção, criada para entreter e não machucar muito, torna-se verdade universal e em vez de aprender nos livros de história achamos que o que aprendemos nas páginas daquele romance  é suficiente para nos dar uma fotografia daquele tempo. 

A verdade é que quando um livro é escrito, é a realidade do escritor, do tempo do escritor, da percepção do escritor que está vertida naquelas linhas - exactamente como este texto retrata a minha visão actual (pode mudar, senhores, que cá eu não rejeito mudar de opinião se achar que estou errada) sobre este tema. E esta visão está enviesada pelas minhas crenças, pelos meus preconceitos, pelo que li, estudei e aprendi sobre ele.

Da mesma forma que um romance de época reflecte a forma como a actualidade vê aquela época. Consoante a pesquisa feita reflecte o conhecimento dos historiadores, o conhecimento académico, a percepção geral  - daí que me preocupe a forma como olhamos, por exemplo, para o holocausto.  A forma de escrita, a linguagem utilizada, tudo isso é importante. 

Claro que a língua que conhecemos hoje não é a língua de Camões. Caramba, quando eu pego nas cartas da minha avó do início do século XX (o homem, com quem ela gostaria de casar e com quem os pais não a deixaram casar, passou-as para um caderno e ofereceu-lho - a imagem que ilustra este texto é desse caderno) mal as consigo decifrar. Claro que tornar perceptíveis para nós esses textos - da forma mais fiel ao texto e à forma - é de extrema importância. De que forma, senão através da tradução, os livros passados ou escritos noutra língua nos seriam acessíveis?

Mas deturpar, de forma consciente, a linguagem, suavizando-a, transformando o texto com o viés do que consideramos aceitável é tão perverso em termos de memória colectiva que nem consigo perceber como pode ser considerado uma boa ideia para alguém. 

Hei-de voltar, imagino que inúmeras vezes, a este tema.

 

 

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