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Ler por aí

Ler por aí

22
Jan23

O mundo divide-se em...

Patrícia

O mundo divide-se entre quem define uma meta anual de leitura e quem acha que quem o faz não é bem leitor, está apenas a querer aparecer. Ou em quem já leu meia dúzia de livros em 2023 e em quem acha que quem diz ter lido meia dúzia de livros em 15 ou 20 dias está a inventar ou só lê treta. Entre quem lê em ebook e em quem acha que ler em ebook não é bem ler. Em que ouve audiobooks e em quem acha que livros em áudio não são bem livros. Em quem se está a borrifar para a opinião dos outros e em quem tem sempre opinião sobre os outros. Na verdade o mundo não é assim tão a preto e branco, na verdade tem cerca de 50 tons (ai, credo, não faço ideia do que estás a falar, não leio essas porcarias) ou antes uma infinidade deles o que, honestamente, me anda a conseguir tirar do sério. Ando tão fartinha de opiniões que nem vos digo, nem vos conto. Mas aproveitando para debitar as minhas próprias opiniões (e assim demonstrar a minha própria incoerência), cá vai disto...

As leituras vinham já do ano passado mas nem por isso perderam a validade. Ouvir livros não apenas me agrada por ser algo de que gosto como me transformou numa condutora bastante mais calma. Na verdade, na maioria das vezes não me incomodo de ir a passo de caracol e de deixar passar os aceleras se estiver a curtir aquela história. Poderia até dizer que ler em áudio me permite economizar combustível se não fosse, às vezes, pelo caminho mais longo e não desse 3 voltas ao quarteirão só para garantir acabar aquele capítulo. 

Acabei de ouvir o The Lost Metal, do Brandon Sanderson, que fecha a trilogia (se incluirmos o the alloy of law, se calhar devia falar em tetralogia) Mistborn, Era 2. Não posso dizer que não tenha sido interessante e que não tenha acabado de uma forma coerente e que "cumpre" mas tenho algumas reservas em relação a este último livro. Em primeiro lugar, e admito que isto pode ser um bocadinho de ressabiamento de quem se acha um pouco "nerd", há demasiado Cosmere neste livro. Nunca pensei escrever isto, confesso, mas há. Cosmere é aquele universo que nos obriga a ler com as antenas levantadas, que partilhamos com outros nerds, e que os leitores normais não sonham que existe (e não faz mal). Aqui toda a gente sabe quase tudo e mesmo quem não se interessa por Cosmere levou com uma lição em vários actos - e pouco ou nada deve ter percebido. É certo que não se chega a Mistborn- era 2 sem conhecer Cosmere mas ainda assim, too much. E ainda não sei bem o que acho do regresso daquele que sabemos quem é mas não podemos dizer porque é demasiado spoiler para isto. Mas gostei do final, vou ter saudades daquela malta toda. Steris, Marasi, Wax e Wayne, estarão sempre no meu coração. 

O outro livro que me acompanhou nestes primeiros dias de 2023 (e nos últimos de 2022) foi o A Aldeia das Almas desaparecidas, o novo romance de Richard Zimler. Este escritor é daqueles que cumpre a definição de Contador de histórias. Acho que pode escrever a lista telefónica e vai conseguir fazer disso uma história bem contada. E é isso que RZ faz aqui: conta-nos uma história bem contada. Faz-nos gostar e sentir empatia com aquelas personagens, faz-nos sofrer e esperar em cada página pela próxima aventura. E acaba o livro na altura em que parecia estar a começar. Não sei quanto tempo vamos ter que esperar pelo segundo volume da saga A Floresta do Avesso mas o ponto em que o escritor deixa a história de Isaaque é certeiro e faz-nos dizer "A sério, Richard? é aqui que deixas esta história? A sério?". Ao longo destas muitas páginas conhecemos a história de Isaaque Zarco (exactamente, Zarco) deste o seu nascimento às mãos da Avó Flor (que carinhosamente lhe chama hijo de puta desde o primeiro momento). Isaaque vive em Castelo Rodrigo sem saber muito bem o que é um cristão-novo e porque é que isso é uma questão. Mas é, e em muitas dessas páginas é essa a história que vamos ouvir. Mas são as pessoas de quem mais gostamos que mais nos podem magoar, moldar e mudar o rumo da nossa vida. E mais não digo, ide ler o livro.

Entretanto comecei outros livros mas deixo isso para um próximo post. 

boas leituras

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15
Jan23

Dança como se ninguém te estivesse a ver

Patrícia

Hoje dancei. Não me lembro a última vez que tinha dançado assim, sozinha, só porque sim. O meu marido tinha estado a ouvir música e deixou o You tube aberto e eu dei por mim a pôr uma música que ouvi mil vezes, a tirar as pantufas e a dançar e cantar durante uns minutos. Pequenas vitórias. Será que 2023 vai ser o ano em que volto a dançar? A ouvir música e cantar quando ninguém me está a ouvir? Nem me tinha apercebido que tenho saudades de dançar. 

10
Jan23

Carrinhos de linhas

Patrícia

Vinha a ouvir a Patrícia Reis, no podcast Verdes Anos, e quando ela falou da quantidade de (caixas de) botões existentes (ide ouvir o podcast) fui assolada por uma quantidade imensa de memórias, não de botões, mas de carrinhos de linhas. O fascínio que eu, em miúda, tinha pelas gavetas dos carrinhos de linhas, todos arrumados por cores, uma caixa de todos os tons de amarelo, outra de azuis, verde, vermelho, roxo. A imensidão de tonalidades, a beleza daquelas gavetas pequeninas, mesmo do tamanho certo. Naquela estante de linhas tudo encaixava como devia, a beleza da transição de cores sempre me fascinou. Escrevo isto e revejo a mini estante ali no início do balcão da direita da mercearia do meu pai. No balcão da esquerda, também no início, estava outra maravilha da infância: uma pilha de 5 frascos de vidro cheios de rebuçados de várias cores e sabores. Rebuçados que se davam como troco, quando o cliente pedia ou qdo faltavam uns tostões para a conta certa. Lá atrás, ao fundo, o paraíso dos gatos na forma de uma estante vertical de cordas. Rolos de corda de todas as espessuras, desde os cordéis às cordas de grossura inacreditável. E logo ao lado, os tecidos, que me fascinavam, especialmente pela forma como se cortavam: puxar um fio para que o tecido sentisse uma falha no sítio certo, um mini corte de tesoura e um puxão forte e certeiro que rasgava o tecido em dois de forma perfeita. E aquela prateleira dos cadernos (amarelos, pretos ou sebentas, de duas linhas ou de música, linhas, quadrículas ou a magia de uma página em branco), das canetas bic, das borrachas com desenhos de cartas de jogar ou de apagar lápis e caneta, das folhas de 25 linhas e de outros materiais escolares que não me ficaram na memória. As caixas de pregos e parafusos que se enrolavam em papel pardo, de uma forma que não consigo explicar mas que ainda consigo reproduzir (mas sem a magia da rapidez). Os gatos aos pés dele, debaixo do balcão. A porta que se abria a qualquer hora do dia ou da noite, sem horários, porque alguém, da aldeia ou arredores, precisava de alguma coisa. Ontem foi o aniversário do nascimento do meu pai. O homem que conheci através da imaginação porque a vida não é justa.

07
Jan23

um novo começo

Patrícia

Finalmente acabaram as hostilidades festas e agora podemos voltar todos a ignorar os outros e a deixar de fingir preocupação e empatia, de fingir que gostamos de toda a gente da família e dos que não são da família. Talvez conheçam pouco desta minha faceta mas as festas trazem ao de cima o pior que tenho. Fingir alegria, fingir que está tudo bem, deixa-me exaurida e vazia. Sobrevivi e nem posso dizer que correu muito mal mas é um alívio ter terminado. 

Eu adorava o Natal. Adorava as noites de consoada à lareira, adora os almoços de dia de Natal com a casa cheia, fui durante muitos anos a "cola" que juntava toda a gente. Mas as cadeiras foram ficando vazias e actualmente, ver uma das pessoas que mais amo desaparecer um bocadinho a cada dia que passa deixa-me de rastos. Toda a minha atenção e preocupação vai para ela e torno-me protectora. E isso implica protegê-la de tudo o que a deixa desestabilizada, confusa ou triste. Uma casa cheia, um jantar, uma data festiva é o suficiente para que tudo de torne mais difícil do que já é normalmente e eu torno-me esta espécie de grinch que gostava de ter o poder de roubar o Natal. 

Foram os livros que me ajudaram a ultrapassar esta fase das festas. 

Acabei o Mãe, doce Mar, do João Pinto Coelho, um livro bastante diferente daquilo a que o autor nos habituou e isso é muito bom. Gosto de ler um livro e não sentir que o estou a ler pela décima vez. Gostei de conhecer Noah e gostei muito do pouco que conheci de Patience. Não posso dizer que o final é totalmente surpreendente porque não é mas isso não me estragou a leitura. Não posso, sem dar spoilers, falar muito sobre o que me deixou a pensar, a reflectir sobre actos e consequências, sobre o que nos faz agir e reagir e em como é muitas vezes difícil vivermos dentro de nós. Um livro com personagens que, no todo ou em parte, nos reflectem torna-se sempre pessoal.

Como recebi vários livros este Natal (deve ter sido um milagre, era coisa que não acontecia há anos), passei o dia de Natal a ler o Um casamento Americano, de Tayari Jones, um dos que chegou cá a casa embrulhado e com um laço. Foi uma escolha perfeita e não percebo como não se falou mais deste livro. Com tradução da Tânia Ganho, é um daqueles livros que nos faz pensar e que consegue a proeza de nos fazer pensar ao mesmo tempo que que nos conta uma história que nos obrigada a ler página atrás de página. Celestial e Roy são um jovem e feliz casal até que ele é preso por um crime que não cometeu. Não é a dúvida "é culpado ou inocente" que este livro explora - sabemos sem sombra de dúvida que ele é inocente deste o primeiro momento. Mas inocente ou não, Roy fica preso vários anos. E se Roy muda por estar preso, onde o tempo se conta de forma diferente, Celeste muda porque não o está e porque a vida continua. Este livro é sobre as consequências dessas mudanças, sobre a vida que acontece, sobre preconceito e racismo, sobre justiça, amor e amizade. É mesmo uma pena que este livro passe despercebido.

E porque uma história bem contada é sempre uma boa forma de acabar um ano e começar outro fresquinho, comecei a ler outro presente de natal. A Aldeia das Almas desaparecidas do Richard Zimler é a minha leitura actual, posso dizer-vos que estou quase a acabar mas falamos sobre ele no próximo post.

Para todos boas leituras, um ano cheio de bons livros.

 

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