Vou começar logo pelo disclamer: isto não é um post "no meu tempo é que era bom".
Mas...
Ando a ouvir o podcast Verdes Anos, em que o Ricardo Duarte tenta perceber como alguém se torna escritor. É inevitável começar com a parte em que cada um deles se tornou leitor e há, nesta parte, um denominador comum que é a disponibilidade de livros. Para além da disponibilidade de livros há a disponibilidade de cada um para se tornar leitor, que é outra forma de dizer que houve uma altura da vida em que não havia nada mais interessante para fazer que ler.
Muitas vezes não queremos admitir mas não há nada como o aborrecimento para nos fazer leitores, para nos fazer descobrir o prazer que é viajar através de um livro. E é sobre isso que, hoje, quero reflectir.
Obviamente é importante ter exemplos, ver os pais, avós, amigos a ler. É importante ter livros em casa. É importante ter livros adequados à idade dos miúdos mas nada como uma tarde de aborrecimento e não ter nada para ler para dar a um miúdo a vontade, a urgência, de descobrir coisas novas.
Eu li imensa coisa que não era para a minha idade. Li livros que não percebi e que só mais tarde fizeram sentido. Aborreci-me muito, nas longas tardes de verão, nas longas noites de inverno. E encontrei muitos livros e escritores nestes períodos de puro ócio, em que precisava arranjar qualquer coisa para passar o tempo.
Fiz-me leitora ao mesmo tempo que a minha mãe fazia o jantar. Juro, verdade. Ela não tinha grande tempo para me ler e eu queria mais mas os livros sem bonecos assustavam-me. Então ela punha-me a ler em voz alta, um capitulo por dia, enquanto ela fazia o jantar. Claro que isto durou uns 3 dias porque me cansei de esperar pelo tempo dela e queria saber o fim da história, foi-se o medo, veio a fome de livros. Fiz-me leitora a reler livros. Fiz-me leitora a procurar nas estantes lá de casa e da casa dos primos, livros que me interessassem. Fiz-me leitora ao passar tardes de verão, no vão da janela, a ler livros sem ordem, sem tino, só porque sim. Não me lembro de nenhuma proibição, apenas de uns pouco convincentes "isso não é para a tua idade" que me fazia imediatamente ler aquele livro.
Nunca deixei de ir para a galdeirice para ler... mas primeiro acabava de ler o livro e só depois rumava à rua e às brincadeiras - e isso era uma escolha minha. Nunca me disseram "lês demais", só "lês depressa demais, não deves perceber nada assim" (o que me fazia debitar resumos de livros e permitia que conversassemos sobre o assunto) ou "não lês suficientes autores portugueses" (coisa que só muito mais tarde admiti ser verdade).
Acho que só tempo dirá o que faz mais e melhor leitores e escritores, se a necessidade de procurar e descobrir, se a disponibilidade de livros e informação. Uma coisa que não muda com o tempo é que o exemplo é fundamental. Ver adultos a ler é importante.