Leve, leia, devolva
Já era noite quando fui à padaria comprar pão. Não uma daquelas padarias com montras bonitas cheias de mau pão. Uma daquelas padarias onde o forno é a lenha e se faz pão tipo alentejano e de onde saio com um pão quente, enrolado num bocado de papel rasgado de um dos sacos de farinha porque está demasiado quente para vir num saco de plástico. Uma daquelas padarias a sério e aquela que tem o melhor pão do mundo. Estranhei o "Gosto muito da nossa biblioteca" da M. (padeira e amiga de longa data) porque a biblioteca da aldeia nem merece esse nome.
Fui ver (não caia neve do azul cinzento do céu mas, por acaso, chovia que "deus a dava") e era uma caixa linda do projecto "Leve, leia, devolva" com livros para partilhar.
Acho que podem imaginar o meu entusiasmo. Claro que trouxe um livro para ler (A máquina do Tempo Acidental) e deixei por lá muitos outros para, espero, serem "levados, lidos e devolvidos". Um mês depois voltei, devolvi o livro lido, deixei mais uns quantos e voltei a trazer outro, desta vez o "A mulher que correu atrás do vento" do Tordo, que ando a ler.
Deixem-me tentar explicar-vos a importância desta caixa e a razão do meu entusiasmo, que não é apenas a não displicente alegria de partilhar livros e ler "de borla".
Esta aldeia, onde passei a minha infância e me tornei leitora, fica no meio da serra do Caldeirão e longe de tudo. Dizer que fica a 42km da sede de concelho não diz muito quando esses 42km são às curvas e não há transportes públicos (para terem noção só há 1 autocarro, aos dias úteis, parte às 07h15 e regressa às 19h15, aos fins de semana a aldeia fica "isolada"). A verdade é que um miúdo só de lá sai de carro. E isto implica que o adulto tenha tempo e vontade para tal. Na prática, ir a uma biblioteca nas férias é bastante difícil. Trocar livros com amigos também não é das coisas mais fácil porque há poucos miúdos. (para não falar de que nem todos lêem - no meu tempo, éramos bastantes e a única que lia era eu). A possibilidade de encontrar um livro diferente para ler pode ser muito importante para estes miúdos. Estas coisas (e as muitas outras caixas, caixinhas, cabines deste género por este país fora) podem fazer leitores.
Claro que nem tudo é positivo e há a possibilidade de, apesar da biblioteca municipal deixar e trocar os livros, as caixas estarem quase vazias (visitei uma outra destas caixas numa localidade diferente e era assim que estava, praticamente vazia), serem vandalizadas (roubadas, destruídas) ou simplesmente se desintegrarem (convenhamos, são muito giras mas que raio de ideia de fazem isto em madeira, ainda por cima de má qualidade ou mal tratada a ponto de às primeiras chuvas já estarem uma miséria, a lascar e empenar).
Mas a esperança contida nestas caixas supera largamente os possíveis pontos negativos. Um livro é uma possibilidade e cabem aqui muitos livros.