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Ler por aí

Ler por aí

29
Abr19

Vivemos tempos interessantes

Patrícia

Eu podia vir aqui falar-vos das eleições espanholas, do quão fico chocada por ver miúdos a fazer a apologia do salazarismo, do ponto de não-retorno no que à saúde do planeta diz respeito, do Sri-Lanka e da Nigéria e de Moçambique. Podia vir ter uma conversa mais filosófica e em vez do Apocalipse das alterações climáticas falar-vos do quão falhámos enquanto humanidade. Mas isto é um blog sobre livros e leituras e hoje é dia 29 de Abril de 2019, mais conhecido como o dia da Batalha de Winterfell, e por isso venho falar-vos do mundo pós GOT.

Não se preocupem, não há spoilers por aqui, é seguro, podem continuar a ler.

Vivemos tempos interessantes, sim. Tempos em que gente de todas as idades, credos e etnias, discute quem vive e quem morre, quem vai ganhar a guerra pelo trono de ferro,  numa série... com dragões.

A fantasia épica tem honras de primeira página, é notícia na televisão e rainha na internet. Uma série de televisão fez, após a emissão da novela Gabriela (que era, dizem as más-línguas, discutida até nos corredores do parlamento), o brilharete de pôr todos a falar da coisa... nem que seja pela ausência (e o orgulho com que é dito "eu não vejo game of thrones"?).

Confesso que acho piada a tudo o que se vai passando. 

Eu, leitora de fantasia épica, estou habituada a ter gente a olhar-me meio de lado, meio com pena, quando estou a ler ou a falar de algum dos meus livros. Até dos leitores habituais há, tantas vezes, a desvalorização da fantasia, tratada com um género menor da literatura. Eu estou habituada a ser a geek, a nerd, que vibra com universos alternativos, que fala de magia como se de ciência se tratasse  e subitamente vejo toda a gente a vibrar com o mesmo. É giro e divertido. 

Eu sei que não vai durar. Eu sei que depois de game of thrones, a maioria vai regressar ao cinzentismo da vida, vai continuar a achar que ler fantasia é coisa de miúdos e vai descobrir outra série qualquer. Também sei que a série foi um sucesso mas que os livros ainda vão continuar a ser só para alguns e que saltar dali para outras séries de fantasia não vai acontecer para a maioria (your lost, not mine). Mas para já deixem-me curtir o facto de ser normal por umas semanas.

E agora vou ali ver quem morreu, quem se safou e quem vai lutar pelo trono de ferro. E depois vou insultar o Martin mais um bocadinho por ter deixado isto acontecer, a série acabar antes dos livros serem todos lançados.

 

 

24
Abr19

Filho da Mãe, de Hugo Gonçalves

Patrícia

Filho da Mãe.jpg

"Essa foi a minha identidade clandestina durante muitos anos. Se fazia novos amigos, evitava contar-lhes que ela morrera. Se as suas mães preparavam lanches ou os abraçavam, eu jamais revelava desencanto ou inveja, porque a ideia de ser solitário era o meu selo de singularidade"

 

 

Foi em Setembro de 91 que entrei para uma nova escola e que me esforcei muito para não ser "a miúda sem pai". Lembro-me do choque nos olhos de um dos meus melhores amigos quando, anos mais tarde, lhe disse - de forma bruta e aparentemente displicente - que o meu pai tinha morrido há anos.

Talvez não seja justo começar uma opinião sobre um livro a falar de mim, a escrever na primeira pessoa do singular, mas a verdade é que há livros com os quais nos identificamos de tal forma que temos, ao longo da leitura, de nos esforçar por reconhecer que o livro não foi escrito por nós, nem para nós, nem por ninguém que nos conhece. E quando isto acontece é muito difícil julgar o livro por algo mais que a nossa reacção a ele, que as nossas emoções quando o lemos. 

Por outro lado tenho sempre algum pejo em falar da vida dos outros e ler este livro - que foi tornado público por escolha do autor - fez-me sentir, repetidas vezes, que estava a imiscuir-me em algo que não devia... e eu tenho total noção que isso acontece porque a parte da minha vida onde estão os sentimentos, o medo, a tristeza, a raiva e as lágrimas é algo que protejo com unhas e dentes.

Acho que um escritor só o é, ou só o é na totalidade, quando tem alguma coisa para dizer, quando tem uma história para contar. Não acho que todos os escritores precisem fazer o que fez o Hugo Gonçalves mas acredito que, em cada livro que escrevem, põem um pouco (e tantas vezes mais do que apenas um pouco) de si. Imagino que não tenha sido fácil escrever e, acima de tudo, partilhar este livro. 

Há imensos livros, a maioria de psicólogos e psiquiatras, sobre o luto e mais especificamente, sobre o luto na infância. Esses livros serão óptimos para pais, professores e adultos. Têm zero importância para quem passa por isso. Imagino que haverá livros infantis que o expliquem, que tentem ajudar nessas situações. 

Mas ouvir na voz de outra pessoa aquilo que não podemos admitir a ninguém - "não me lembro da voz da minha mãe"  ou  "Eu sabia que ela ia morrer" talvez ajude mais que propriamente a infinidade de conselhos triviais e banalidade vazias com que, cheios de boa vontade, pena e superioridade, os adultos tentam ajudar as crianças. 

Não em interpretem mal, isto não é, nem pretende ser, um manual para ninguém. É apenas a história que o autor quis contar. Só que essa história cruza-se com a minha, com tantas outras histórias que nunca serão contadas.

 

meu-tempo-e-quando.html.jpg

Persistência da memória, de Salvador Dali

 

 

 

 

 

22
Abr19

Dia Mundial do Livro

Patrícia

No post mais polémico deste blog, falei-vos da minha relação com os livros e da responsabilidade que sinto sempre que escrevo sobre um livro de um escritor português. Em inúmeros outros post tenho escrito sobre a minha preocupação com o futuro da edição em Portugal que se traduz na minha recusa em comprar livros em grupos de facebook e afins (com excepção aos alfarrabistas oficiais, que são - na minha opinião - responsáveis pelo não desaparecimento de tantas pérolas da literatura, de edições que já não se encontram à venda e que nos permitem comprar livros a um preço mais simpático). 

Este fim, de semana, no Expresso, um artigo bem interessante do José Mário Silva, chamado O futuro incerto dos livros, ilustra uma realidade que já todos intuímos, que conhecemos e, muitos de nós, receamos.

A queda das vendas, ilustrada no gráfico abaixo não augura nada de bom... e somos nós, leitores,  quem mais irá perder. 

Alguns de vocês dir-me-ão que temos sempre a hipótese de ler em inglês, em francês ou espanhol, que os livros nessas línguas são bastante mais baratos e que estão disponíveis a toda a gente. E eu respondo-vos que isso me entristece de uma forma que não vos consigo explicar. Eu quero continuar a ter livros em português, de autores portugueses, para ler. Eu quero ler mais escritoras portuguesas e quero que os escritores de fantasia e de ficção-cientifica portugueses consigam publicar.

Eu quero ter na minha estante os livros que os meus amigos escritores sonham publicar.

Eu não quero que, como diz a editora Maria do Rosário Pedreira (no artigo de que falo acima), a  literatura seja "uma forma de cultura para um público reduzido"! 

Amanhã é o Dia Mundial do Livro. Amanhã vou comprar um livro.

Screen Shot 2019-04-22 at 19.16.47.png

 

20
Abr19

Armários vazios, de Maria Judite de Carvalho

Patrícia

Os-Armarios-Vazios.jpg

 

 

Na minha estreia e sem surpresa, fiquei conquistada pela forma como esta escritora escreve as mulheres e a solidão. Digo "sem surpresa" porque a tantas pessoas ouvi o elogio que já estava, de certa forma, à espera do que encontrei. Maria Judite de Carvalho foi, sem dúvida, uma escritora maravilhosa e com uma imensa capacidade de fazer o leitor sentir. 

Neste Os armários vazios, Maria Judite de Carvalho apresenta-nos, primeiro, a Dora Rosário, viúva antes de mulher, que procura sobreviver à sua condição e criar a filha Lisa que, tantas vezes, se parece mais com Ana, a sogra, que consigo. Depois, pela mão de Dora, pela sua história, vamos conhecendo as outras mulheres. Ana, Lisa, Júlia e, claro, Manuela. E os homens. Sempre os homens, que são secundários nesta história mas que serão sempre personagens principais nas vidas daquelas mulheres.

Sendo um romance (ou uma novela? nunca sei bem) tão curto lê-se quase de uma assentada e deixa-nos, ou pelo menos a mim deixou, com uma sensação de vazio e de tristeza. Não gostei, no final, de nenhuma das mulheres a que a escritora me apresentou. Faltou-me um toque de esperança de mudança (e não, a Júlia não foi o suficiente para isso). Mesmo reconhecendo (ou talvez por isso mesmo) tantas mulheres que se encaixam em cada um dos estereótipos ali representados, acredito que até nessas há mais alguma centelha de vida, ou que não se deixam derrotar com tanta facilidade. Não é a derrota que me incomoda... é a falta de haver gritos e berros e esperneio pelo meio.

 

 

09
Abr19

eu sou estranha, eu sei

Patrícia

Esta aventura dos blogs e dos clubes de leitores (sim, no plural) permitiu-me partilhar as minhas leituras, as dos outros, conhecer novos livros, aumentar exponencialmente as listas com os livros que quero ler, estar (mais ou menos) a par dos que se vai lendo e escrevendo por aí. 

E se é verdade que, através deste blog, fui conhecendo muitos dos meus "iguais", a verdade é que também este grupo, o dos leitores, se faz de heterogeneidade e diferença. Diferença nos gostos (uma das maravilhas dos grupos de leitores é que raramente a opinião sobre um livro é unânime), diferenças nos ritmos ou hábitos de leitura. E não há formas certas de ler, nem hábitos melhores ou piores... porque os leitores têm direitos.

Mas se há coisa que, por mais que me esforce (e confesso, não me esforço muito que os vossos hábitos são coisa que não me incomoda nada), não consigo compreender é como é que vocês conseguem saltitar de livro em livro com essa rapidez. Como conseguem ler mais do que um livro ao mesmo tempo. Ou como conseguem acabar um livro e já estar com a cabeça noutro. 

Juro-vos que sinto uma espécie de necessidade de lealdade para os as personagens, tornam-se amigos e esquecê-las rápido chega a ser uma espécie de traição. Gosto de viver com as personagens dos livros que leio. Talvez por isso goste tanto de livros grandes e de fantasia, são livros que nos permitem acompanhar determinadas personagens, envolvermo-nos, sofrer com elas. E quando se sofre com alguém não se consegue trocar esse alguém tão rapidamente como isso. Gosto de passar dias, semanas a fio mergulhada num outro mundo. 

 

07
Abr19

Royal Assassin, de Robin Hobb

Patrícia

royal assassin.jpg

 

Depois de um início pouco auspicioso, porém com fé em quem me dizia que isto ia melhorar, aventurei-me no segundo volume da história de Fitz. E, confesso, este segundo volume conquistou-me. 

No início deste livro, Fitz está a recuperar da tentativa de assassinato e do sacrifício de Nosy. Está quebrado e é cedo que percebo que poucos escrevem a solidão e o medo de ter perdido tudo como a Robin Hobb. Não é propriamente a lealdade a Shrewd que o leva de volta a Buckkeep mas sim Molly e uma visão. Rapidamente se vê enredado nas intrigas da corte, continuando o seu trabalho como kingsman ao mesmo tempo que tem que ser o sempre foi para Patience, Burrich e Molly. 

Robin Hobb não nos deixa esquecer (e isso é de salientar) que, mesmo sendo tudo isto, Fitz é um miúdo. 

Acho que foi essa capacidade de escrever o que é ser humano que me conquistou. As personagens deste livro estão longe de ser perfeitas. Longe de ser boas ou más. Com excepção do Regal que, de facto, não se mostrou ainda minimamente humano (os maus desta fita ainda não me convenceram, apesar de já terem atingido o estatuto de vilões a sério), todos os outros são muito bem construídos. É difícil não sentir empatia com quem, apesar de ter tão boas intenções, comete tantos erros como aquele grupo.

Neste segundo volume deliciei-me com a magia Wit. Estabelecer um laço com um lobo? Adoro o Nighteyes e acima de tudo gosto deste meio termo a que a autora chegou: ela não deu ao lobo características humanas nem uma consciência humana - e isso é muito difícil de fazer tendo em consideração que o transformou numa personagem importante. Mas disto falaremos melhor quando escrever a opinião do terceiro livro.

O que não me convenceu (ainda) neste volume - e sei que é mais culpa deste meu feitio que da autora - é o romance entre a Molly e o Fitz. Chamem-me "coração de pedra"  mas não senti grande tristeza quando ela resolveu ir embora (e sim, eu percebi quem é esse ser que ela ama mais que tudo - não haverá quem não o perceba). A verdade é que a Molly merece muito mais que o Fitz. Merece mais que ser uma terceira escolha. Merece mais que passar uma vida inteira à espera que ele se digne a escolhê-la.  E merecia, acima de tudo, ser alvo da confiança dele. A moça subiu imenso na minha consideração quando se fartou e tomou as decisões que ele não tomou.

O Fool continua a ser a minha personagem preferida. E era sempre que ele aparecia que eu me emocionava. A dor, a dedicação, o sacrifício e sofrimento de quem vive para outro, para mitigar o sofrimento dos outros. Tanto nesta personagem pode servir para reflectirmos sobre a vida e morte. E, como "de sábios e de loucos, todos temos um pouco", é impossível não ter a convicção que ele é o mais sábio de todos.

Kettricken e Verity cresceram e tornaram-se nas personagens que espera. Ela é das mais interessantes personagens do livro, ele ainda não atingiu nem perto do seu potencial. Mas este é um romance que me agradou.

Como já disse antes, Regal tornou-se o vilão incontestado mas, para ser um grande vilão, precisava de não ter uma outra dimensão. Claro que isso é especialmente difícil porque estamos a ver sempre através dos olhos de Fitz. O problema dos livros na primeira pessoa é precisamente esse. Ainda assim, as cenas de tortura que ele protagonizou deixaram-me estarrecida. A forma como a escritora as escreveu, privilegiando as emoções às dores físicas, conseguindo transmitir toda a dor, abandono, desespero e desesperança que o Fitz sentiu foi magistral e elevou bastante as minhas expectativas para a terceira parte desta história (que não é trilogia nenhuma, é uma história dividida em três - ou mais, dependendo das edições - exactamente como o Senhor dos Anéis).

 

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