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Lembram-se quando, na infância, faziam aqueles exercícios de unir pontinhos até aparecer um desenho? Ou de ter frases com espaços em branco para preencher? De uma certa forma foi isso que o Afonso Reis Cabral fez com a história da morte de Gisberta.
Pegar num acontecimento chocante e marcante como este, principalmente quando é ainda tão recente, requer alguma coragem. Algumas das reacções que por aí houve são prova disso. Romancear a história atrás da história não foi, certamente, fácil.
Sabendo já o final do livro, o desafio era manter os leitores agarrados às páginas através do percurso.
Humanizar o desumano. Não sei se foi isto que o Afonso tentou fazer mas foi isto que eu senti. E não acho que humanizar seja, nem de perto de longe, sinónimo de desculpar, ok?
Aqueles miúdos, que foram capazes de matar a sangue frio e em matilha, transformaram-se, ao longo do livro em gente, em miúdos. Não sei (e sinceramente não quero saber) quão próximo da realidade este livro está. O que interessa são as possíveis respostas a perguntas como “o que leva alguém, especialmente um grupo de miúdos, a matar?”, “Como se desumaniza alguém a ponto de ser capaz de lhe fazer o que eles fizeram a Gisberta?”, “Como é que miúdos adolescentes são capazes de fazer a um ser humano, aquilo?”, “Pior, como é que se atravessa determinados limites?”.
Ao longo do livro debruçarmo-nos também sobre a educação (mais ou menos enviesada), e o (des)equilíbrio emocional e social têm um papel fundamental na sociedade.
No próximo fim de semana há uma enorme possibilidade de ser eleito como presidente do Brasil um ser que, à pergunta “e se o seu filho fosse homossexual?” respondeu “preferia que morresse”. Crimes de ódio acontecem com frequência e há, infelizmente, a tendência para essa frequência aumentar. Para além disso é cada vez mais difícil discutir e analisar o que quer que seja no espaço público. A literatura poderá, assim o queiram os escritores e os leitores, ser um óptimo palco para analisar, discutir e fazer-nos reflectir na nossa responsabilidade cívica, humana no nosso cantinho em particular e no mundo em geral.
Sim, porque não me foi possível ignorar, ao longo das páginas deste livro, quem lá não estava. Não estavam adultos, não estavam amigos, não estavam pais nem professores, não estavam educadores, não estavam médicos, nem vizinhos, nem prostitutas nem clientes. Não estava lá ninguém.
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