"Diz-me o que lês e dir-me-ás quem és"?
A frase é um dos motes do A Biblioteca de, que vos sugeri na quarta-feira e deixou-me a pensar se realmente assim é.
A ideia é maravilhosa, confesso. Conhecer alguém pelo seu gosto literário, pela sua estante. Quem nunca achou alguém bem mais interessante porque ele ou ela estava com um bom livro nas mãos ou se desiludiu porque descobriu que esse alguém estava a ler algo que consideras um péssimo livro?
A verdade é que qualquer pessoa fica mais bonita com um livro na mão. Eu pelo menos acho que sim. Há dias partilhei no meu FB uma frase qualquer que dizia: I'm suspicious of people who don't like books. A verdade é que conheço imensas boas pessoas que não gostam de ler. Mas nunca conseguirei partilhar com elas tudo o que sou porque a minha paixão pela literatura é uma parte substancial do que sou.
Mas voltando à frase "diz-me o que lês e dir-me-ás quem és", até que ponto é mesmo assim? Ou melhor, eu acredito que seja assim... não acredito é que isso seja assim tão perceptível para os outros.
Primeiro há a questão de parecer bem. Não é por acaso que se diz que Ulisses é um livro que não tão lido como dizem (mas é o "livro de cabeceira" de tanta gente) ou que O deus das pequenas coisas é um dos best-sellers menos lidos. A maioria das pessoas filtra aquilo que mostra de si aos outros, procura mostrar o melhor. E também isso acontece no que aos livros diz respeito. Raramente mostramos os nosso guilty pleasures (e se mostramos, não o são realmente, pois não?).
Depois há a questão dos gostos pessoais. Não só de quem lê mas de quem julga. Eu leio fantasia. Para boa parte das pessoas sou catalogada como leitora mediocre e há quem tivesse a esperança que com a idade esta mania de gostar de dragões e mundos imaginários me passasse (para que conste, não passou, agravou-se). Para outros demonstra que precisamente o contrário.
A fantasia estimula a minha imaginação, permite-me passar para lá dos limites do real, permite-me fugir para outro mundo. Leio mais fantasia quando estou triste, preocupada, com medo. Leio fantasia para que o meu cérebro se distraia dos problemas. Mas também leio fantasia porque a fantasia é tão mais do que dragões e magia. A fantasia permite que qualquer tema - qualquer tema - possa ser desenvolvido, dissecado, sem que o leitor sequer disso se aperceba. Mas quando se apercebe... oh senhores, quando nos apercebemos disso e percebemos que alguma da boa fantasia que por aí anda se aproxima muito da filosofia e da análise das perguntas que mais perturbam a humanidade, percebemos que este género é um dos mais mal-compreendidos que por aí anda. Além disso é divertido.
Ainda há a questão do tempo: nem toda a gente tem tempo de qualidade para dedicar à literatura. Há tanta coisa na vida que nos impede de mergulhar num livro. É pena, é uma chatice, mas a verdade é que sempre ouvi dizer que o urgente impede de fazer o importante. Life sucks e não há nada a fazer.
Há inúmeras outras condicionantes para a leitura: o dinheiro, o acesso a bibliotecas, as leituras obrigatórias para o trabalho, a falta de informação (acreditem, nem toda a gente tem internet ou acesso ao goodreads e não há marketing que lhes dê a conhecer a maioria do que por cá se publica).
Portanto: "Diz-me o que lês e dir-me-ás quem és"? hummm, mais ou menos... sim ou talvez não.
O que acham?