Vamos fazer um pequenino exercício de imaginação: como seráo mundo em 2284?
(e vai ser impossívelnão ter Spoilers nesta opinião, vou tentar mas não vou conseguir esconder tudo)
É este o exercício que Miguel Real faz neste livro. Egaranto-vos que o Futuro segundo Miguel Real é pessimista como eu nãoconseguiria imaginar (mas eu sou uma optimista inveterada).
Olhar para 2284 (um futuro bastante próximo, por sinal) éver um mundo divido em 4 (mais umas partes soltas, em jeito de terras de “ninguém”,pelo menos de ninguém considerado gente): temos o Império Asiático, liderado pelosMandarins, temos o Grande Império Americano, o Império Russo (de que pouco ounada ficamos a saber) e um enclave pequenino, de apenas 100 milhões de habitantes,chamado Nova Europa (tudo o resto é terra de bárbaros ou de escravos) É aquique se centra a nossa estória, contada por um homem encarregue de registar paraa posteridade a existência desta civilização que está em perigo. Resumindo ebaralhando são os números e o poderio militar que contam e a Nova Europa, “humanistas”e pacifistas, não tem a mínima hipótese de perdurar.
Boa parte do livro serve para nos enquadrar nestas formas devida, nos pormenores e nas teorias em se baseiam estes impérios, estascivilizações.
Não vou pormenorizar, leiam o livro se assim o entenderem.
Para mim, o que fica, é o pessimismo de Miguel Real. Entendoeste livro como um aviso negro sobre o nosso futuro se caminharmos nestadirecção. Não me vou prender com discussões sobre utopias, ou se o que nos éapresentado como tal pelo narrador (absolutamente parcial, uma vez que é umdos membros desta civilização) é ou não a ideia de perfeição pelo autor.Isso dar-me-ia uma ideia de quem é Miguel Real mas na realidade não mudaria emnada a opinião que tenho acerca deste livro.
Como dizia, o Futuro segundo Miguel Real (e talvez opresente) apresenta-nos uma série de escolhas, cada qual pior que a outra.
Temos uma civilização que despreza o eu individual, cujasociedade se baseia (aparentemente) no colectivo e cujo objectivo é asatisfação plena de todos os desejos individuais, nunca pondo em causa ointeresse do grupo. Mas para atingir essa plenitude de felicidade foinecessário retirar da equação emoções, sentimentos (inclusive os maisintrínsecos ao ser humano), foi necessário acrescentar racionalidade artificial(acrescentando fisicamente um hipercortex cerebral) e foi, acima de tudo,destituir todos e cada da sua personalidade. Ironicamente consideram-sehumanistas. E numa civilização onde a liberdade é aparentemente valorizada nãofalta o grande cérebro a comandar, a moldar, a decidir.
Temos civilização violentas, tecnocratas, ditatoriais, maisou menos tecnológicas. Temos sempre e em cada uma modalidades que nos sãoapresentadas um denominador comum: é sempre, mas sempre uma elite a decidir portodos, com força de lei, com direito de morte.
Numa altura em que assistimos a tantas mudanças no nossomundo, com a Primavera Árabe, com as guerras que não cessam, com o terrorismo eo combate ao terrorismo a condicionar-nos, a mudar a nossa ideia de liberdadeindividual e colectiva, com a mais ou menos passiva aceitação da ausência deprivacidade, com o declínio da moralidade, com a reintrodução do conceito deGuerra Santa (como se matar em nome de Deus fosse normal e aceitável), com aligeireza com que isto étratado, com tantos exemplos de maldade pura e de consumismo desenfreado, não épossível deixar de pensar no que está no fim deste caminho que seguimos. Houve imensas coisas que me irritaram neste livro, outras aque achei imensa piada. Houve partes que me custou a ler, há tanta coisa com aqual não concordo mas a verdade é que este livro me fez pensar. Fez-me tentarfazer o tal exercício de imaginação com que comecei este livro. E quando acabeide o ler só me lembrava da teoria de Nietzsche e do conceito de “moral derebanho”.
Imagino que este vá ser um livro de amores e ódios. Eu estouassim no meio termo, não consigo ainda dizer que gostei mas não posso dizer “nãogostei”. Fez-me (e far-me-á ainda) pensar.