Julgava que ia ser uma leitura do mesmo género do “DestinoTurístico”, uma história assim para o pós-apocalíptica (os apocalipses não têm que incluir bombas nucleares, podem ser simplesmente económicos) mas afinal saiu-me algo tão mais próximo da realidade, que faz com que este livro e o “DestinoTurístico” não sejam minimamente do mesmo género. Devo começar por dizer que é quase impossível escrever o que quer que seja sobre este livro sem incluir alguns spoilers, por isso se ainda não leram e querem ler, não continuem aqui…
Resolvi comprar este livro porque vou ouvir o escritor hoje no encontro na Buchholz. O principal livro em discussão é o A Metametamorfose e Outras Fermosas Morfoses mas eu sou um bocadinho avessa a contos (para além de que foi difícil encontrar o livro à venda) e acabei por comprar, ontem, o “A instalação do medo”, de que já tinha ouvido falar e que queria muito ler.
Li-o quase de uma assentada.
Um dia vieram instalar o medo. Veio uma equipa especializada, quer na parte técnica, quer na emocional, instalar o medo. Naquela casa uma mulher e uma criança (escondida) e dois homens, o Carlos e o Sousa. E depois há a instalação propriamente dita e a respetiva demonstração. Demonstrar o medo.
Carlos (o bem falante) e Sousa (o técnico com mau aspeto e voz doce) lançam-se numa série de diálogos loucos que seriam absolutamente absurdos não fosse dar-se o caso de reconhecermos a grande maioria das frases que eles utilizam. E à medida que a instalação do medo prossegue percebemos a imagem que o escritor nos pretende mostrar e inevitavelmente comparamo-la com a nossa própria vida.
Mas criar o poder baseado no medo tem os seus próprios perigos e no limite há quem escape dessa epidemia e se torne imune ao medo. Será coragem? Ou simplesmente desespero? Qual é o limite, onde está o risco que não é, de todo, aconselhável que seja cruzado?
Rui Zink surpreendeu-me com este final. Gostei bastante.
“Ao infantilizar-nos, minha senhora, o medo não nos diminui, antes nos eleva”
“O medo devolve-nos a infância do mundo”
É inevitável questionarmo-nos acerca da veracidade deste livro. Ficção ou realidade?
Imaginem que a realidade nos é apresentada como uma imagem construída através de um puzzle. Agora imaginem que é possível com aquelas peças construir infinitas imagens, mais ou menos coerentes, mais ou menos parecidas.
É assim que eu vejo este livro: o escritor pegou em todos os fragmentos de realidade que conhece e construiu a sua imagem da realidade. Os nossos dirigentes, os meios da comunicação social, a sociedade em geral tem-nos mostrado outras imagens finais da realidade construídas com exatamente as mesmas peças. Depende de cada um de nós, do leitor, a escolha de aceitar a imagem que para nós é mais fiel à realidade.