Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Este post tem spoilers por isso se não leram o livro e não gostam que vos "desmanchem os prazeres" - vão ler o livro que é muito, muito bom - e depois voltem cá, este estaminé está aberto 24 h por dia.
Não sabia nada desta história, sabia que o autor tinha ganho o Prémio Saramago (mas não com este livro), eu e Pat falámos várias vezes sobre o autor e sobre este (obrigada pelo empréstimo!) e outros livros dele mas fiquei muito surpreendida com o facto de ser uma história sobre velhos e sobre a velhice.
Quando se pega no livro e se dá assim aquela primeira volta para ver a forma, o conteúdo e o cheiro, aparecem-nos as páginas todas preenchidas sem "diálogos" e tu pensas: - Saramago és tu? mas não, é o valter hugo mãe que escreve sem letras maísculas todo o livro, excepto nos 2 capítulos onde entram os polícias.
Percebemos o título já passado muito mais do meio do livro, embora não seja no capítulo que se chama "A máquina de fazer espanhóis" que o percebemos. Enquanto vamos lendo o livro volta e meia pensamos: - ainda não percebi o título! ou - máquina de fazer espanhóis? onde é que ele vai encaixar isto? Mas encaixa, perfeitamente.
Depois temos as personagens, o Sr. Silva a quem morreu a Laura e que é colocado no lar, não basta ter perdido a companheira de uma vida como ainda é colocado num lar cheio de velhos. O Cristiano Silva que é o Silva da Europa. O Anísio da Silva Franco que arranja uma namorada no lar - está velho mas não está morto, e é um homem de fé com várias imagens e estátuas de santos no quarto, a quem os amigos perguntam "explique lá o que lhe dá essa certeza de que alguém toma conta de nós lá para cima, depois do sótão". O sr. Pereira que fica doente com cancro e tem uma discussão com a namorada do Anísio porque ela lhe diz "... vamos para velhos e começam a surgir estas coisas, olhe, a mim doem-me os pés...". O Américo Setembro que trabalha no lar e é amigo de todos eles - "era um rapaz solteiro, sem amores, como se tivesse sido perdido por alguém que não o sabia voltar a encontrar". E a estrela do lar que é o Esteves do "poema da tabacaria" ou melhor João da Silva Esteves sem metafísica "verso vivo da mais valiosa poesia portuguesa" que quando morreu deixou os amigos mais pobres pois "quem acreditaria em mim agora quando eu dissesse que ali viveu verdadeiramente o esteves sem metafísica da tabacaria do álvaro de campos do fernando pessoa".
Não é um livro fácil nem leve, a velhice não é fácil, sentirmos que estamos a chegar ao fim da vida, mas depois há momentos em que somos felizes e "... a luz do sol nos parece uma dádiva inestimável e vale a pena viver apenas para fazermos a fotossíntese das tardes". E toda a história do Sr. Silva e família mistura-se com a história de Portugal, antes do 25 de Abril, perder um filho e o peso da igreja e o Salazar, mas depois o Benfica ganha o jogo ao real Madrid e "que se fodessem os espanhóis e o general franco que era uma merda como a que aturávamos nós." e entregar um homem à PIDE pelo medo de perder a família e o pós 25 Abril e a entrada de Portugal na União Europeia. E quando o Sr. Silva se apercebe que fez amigos naquele lar de velhos e "não era nada esperada aquela constatação de que a família tb vinha de fora do sangue, de fora do amor ou que o amor podia ser outra coisa, como uma energia entre as pessoas"
Adorei este livro fez-me rir e fez-me chorar, fez-me ir "googlar" o Almada Negreiros, fiquei a saber que a Igreja de Nossa Senhora de Fátima tem panéis deste autor, fez-me "googlar" o poema da tabacaria e só não me fez sublinhar as passagens que mais gostei porque o livro não é meu (está intacto Pat, pronto para regressar à tua estante) e é verdade o que diz o valter hugo mãe: "um livro, com o que contém, pode ser uma fortuna eterna."
Inscrevi-me no "goodreads" em Janeiro de 2012 mas só há pouco tempo o comecei a usar mais, quando fiz o download do app e descobri todo um novo mundo de luz e cor.
O app tem uma funcionalidade que permite ler os códigos de barras dos livros e importar directamente para as nossas "prateleiras". Uma horita a passar telemóvel p'los códigos de barras et voilá! quase todos os livros que temos na nossa biblioteca física passam para a nossa biblioteca na nuvem.
Digo quase todos os livros porque alguns não são reconhecidos ou não estão cadastrados no goodreads, outros simplesmente não têm códigos de barras. Sim, houve uma altura em que o mundo não estava catalogado em milhões de barras pretas a formar códigos, mas adiante, pelo meio ainda deu para ler umas passagens de livros que já não me lembrava que tinha, é como quando reencontramos velhos amigos. E damos por nós a fazer contas e a confirmar que, efectivamente, o séc XX foi há mais de 10 anos.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.