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Ler por aí

Ler por aí

26
Set22

uma espécie de diário de férias e leituras

Patrícia

Os dias começam a ficar mais pequenos que as noites e as minhas férias de verão acabaram. Há anos que não tinha férias, férias, mas este ano vinguei-me e consegui tirar uns dias para não fazer mais que ler e mergulhar quando o calor se tornava mesmo insuportável. Nas duas semanas intercaladas que tirei consegui ler vários e bons livros. Eu sei que ando muito preguiçosa para escrever opiniões e de todos só o Velhos Lobos teve direito a opinião a solo mas as leituras foram bastante interessantes.

Neste verão (com uma grande ajuda das férias mas não só) li o Chamavam-lhe Grace, da Margaret Atwood, onde a questão "será que Grace é culpada?" nos acompanha da primeira à última página já que conhecemos a história pela própria, sabendo apenas o que ela nos quer contar, e por olhos exteriores aos acontecimentos. É bom quando um livro não nos faz a papinha toda, nos obriga a pensar e nos relembra que é perigoso ter apenas certezas. Num contraponto, precisamente porque considero que nos levou pela mão, está o Canção Doce, da Leila  Slimani. Talvez lhe tenha pegado com demasiadas expectativas mas sinto que se a estrutura do livro não fosse assim, com o fim contado logo de início, a história não teria resultado. Ao contrário do Chamavam-lhe Grace, que aposta na indecisão do desconhecimento, na incerteza que acompanha todos os acontecimentos que não são testemunhados em primeira mão, este Canção Doce, opta por conduzir o leitor, migalha a migalha, apesar de sabermos exactamente o caminho. Não me conquistou.

Depois da depressão que foi o Canção Doce, li um livro fofinho e divertido, Lições de Química, de Bonnie Garmus, que vale pela leveza e sorriso  com que nos deixa.  E pelo Seis e meia. Conta a história de uma mulher que, se não é do seu tempo é certamente do nosso.

O livro da Paulina Chiziane que escolhi para este verão, Niketche, uma história de poligamia é, como já esperava, uma maravilha. Esta mulher escreve maravilhosamente e vou querer ler e ter todos os seus livros na minha estante. 

Culpa de Jeff Abbott foi um livro de circunstância. O meu marido começou a lê-lo, não gostou e eu quis perceber porquê. Tem vários clichés e alguma previsibilidade mas lê-se bem. Conta a história de uma miúda que não se consegue lembrar o que aconteceu no acidente que vitimou o seu melhor amigo e que vive com a culpa de ter sido a culpada da sua morte.

Olho da rua, da Dulce Garcia, não me encheu as medidas. Não consegui sentir empatia com nenhum dos personagens (o que, no caso, me parece uma boa coisa) e isso fez-me falta. Demasiado ressentimento por ali. E sim, talvez essa parte seja o verdadeiro reflexo da sociedade mas ainda quero acreditar que não.

A noiva cigana, de Carmen Mola (um pseudónimo Agustín Martínez, Jorge Diaz e Antonio Mercero), surpeendeu-me... não fazia ideia de que se tratada de um policial. É um bom livro, dentro do género.

Um tempo a fingir, do João Pinto Coelho (já sabem que está quase aí novo livro do escritor?) foi uma leitura de impulso. Eu gosto bastante dos livros deste escritor e sei que, mais tarde ou mais cedo, vou lê-los todos. Estava na praia a falar de livros com o meu primo e a namorada dele e falei-lhes do Sarah Gross e foi essa conversa que me levou a começar o Um tempo a fingir. Curiosamente, ainda não o tinha acabado quando fui à feira do livro ouvir o escritor numa conversa muito interessante com o João de Melo (que contou o final do livro mas eu perdoo-lhe o spoiler) sobre a linguagem quando se escreve de dentro ou de fora de uma história. O tempo a ouvi-los foi um ponto alto do meu verão. Hoje este livro ganha especial relevância porque Itália resolveu escolher dar a vitória ao partido de extrema-direita mostrando-nos o quão pouco aprendemos com a história. 

Uma das coisas que foi falada na conversa de JPC com JM foi o quão era difícil, através da linguagem, transmitir determinadas sensações. Dizia, e bem, o JPC que "todos já tivemos frio mas que, no contexto de um campo de concentração, frio é um conceito muito diferente deste que sentimos. Frio é uma coisa e aquele frio é outra completamente diferente". A literatura tem um papel fundamental na memória dos povos mas também tem o poder de suavizar determinados acontecimentos. A literatura ganhou o hábito de nos contar o holocausto de uma forma romantizada, levezinha, assim uma espécie de versão light para gente sensível e isso é coisa que me enerva solenemente.

Foi  por causa de uma conversa com as meninas da Roda dos Livros que peguei no A balada de Adam Henry, de Ian McEwan  um livro que nos conta a história de Fiona, uma juíza a quem cabe decidir se os pais de Adam têm o direito de,  de acordo com os costumes da sua religião, impedirem que um miúdo de 17 anos receba a transfusão de sangue que lhe pode salvar a vida. Um livraço.

Trouxe da Feira do Livro o A ilha de Sukkwan, de David Vann, um dos livros mais sombrios, tristes, angustiantes que já li na vida. Não aconselho a almas sensíveis nem a mães/pais mais impressionáveis. Nem consigo falar muito disto. Acho que quando o fechei disse apenas uma palavra começada por F e fiquei por aí.

Depois deste livro tinha que ir para algo fofinho. Li o A casa do Mar Cerúleo, de T. J. Klune e, sinceramente, não fiquei fã. Eu sei, eu sei, que quase toda a gente amou. Se fosse um livro infantil eu até diria que sim, senhor, tinha o seu interesse. Mas não é um livro infantil (supostamente nem juvenil), até pela linguagem e estrutura e, como tal, achei fraquinho. 

O telescópio de Âmbar, o terceiro volume da sério Mundos Paralelos de Philip Pullman, foi uma releitura de que gostei muito. Tenho tanta pena de não ter lido esta série na minha adolescência. Quero ler o O livro do pó e precisava recordar a história. Além disso estive a ver há pouco a série Mundos Paralelos (HBO) e apeteceu-me reler o terceiro volume já que a série termina no segundo.

Finalmente li o A boneca de Kokoschka do Afonso Cruz. Gostei bastante apesar de ter, como de costume, sentimentos contraditórios com os livros do AC. Ele escreve de forma demasiado bonita coisas muito feias. É um livro cheio de frases sublinháveis e a edição que eu tenho é extremamente bonita enquanto objecto.

O último livro de que vos falo hoje é fraquinho mas tenho por ele um carinho especial. Chama-se A máquina do Tempo Acidental e é de Joe Haldeman. No outro dia foram pôr lá na aldeia uma daquelas caixas de livros "leve, leia, devolva" e eu fiquei, obviamente, deliciada (hei-de escrever um post só sobre isto). Fui lá logo enfiar o nariz e fiz questão de trazer um livro para ler. Este foi o escolhido. Li-o num instante, é uma ficção cientifica levezinha e sem grande história mas espero que cumpra o seu propósito ali - fazer com que mais pessoas naquela aldeia leiam. Escuso de vos dizer que lá deixei alguns livros :) mas a caixa é nova e não estava bem composta. Agora está. 

01
Dez18

Princípio de Karenina, de Afonso Cruz

Patrícia

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Afonso Cruz é garantia de qualidade. E este é, na minha opinião, um livro que grita "Afonso Cruz" em todo lado, seja no cuidado com a capa, as fotos, os separadores até às frases bonitas, daquelas que apetece marcar (preparem os post-its ou, os mais corajosos, o lápis ou o marcador). Não há nenhum livro do Afonso Cruz que não seja, também, um maravilho "objecto".

O título é fenomenal. E não é díficil perceber o significa. As notas nos separadores, idem. 

Como todos os livros do autor, está muito bem escrito, apetece ler e sendo tão pequeno, lê-se de uma assentada. 

A história, desta vez sem final aberto, é interessante e muito, muito bem contada. 

E todas as razões que dei, com toda a verdade, para vos dizer que este é um óptimo livro são exactamente as mesmas que uso para vos dizer que este livro não me encantou.

As expectativas são algo lixado que, frequentemente são mais prejudiciais que o contrário. E depois de um "guarda-chuvas" ou até de um "baleias" este livro partia de uma posição impossível.

Tenho a certeza que irei, durante muito tempo, escolher este livro para recomendar a quem quiser começar a ler AC. Tenho a certeza que o irei oferecer a várias pessoas. Mas para mim não é, de todo, o melhor do escritor. Ainda assim é bom. Muito bom.

04
Jan17

Nem todas as baleias voam, de Afonso Cruz

Patrícia

baleias.jpeg

 Não sei se o Afonso Cruz tem razão quando nos avisa, às páginas tantas, que "o contacto com o mal pode ser redentor". Mas sei que li este livro, de uma ponta à outra, com o coração apertado, com a alma em frangalhos. Foi com o Flores que me reconciliei com o autor dos Guarda-Chuvas e agora.. isto. 

Na minha opinião ninguém tem tanto talento para contar a maldade, a crueldade, a tristeza e a solidão como Afonso Cruz. Há muitos a cantar a tragédia, há poucos a fazê-lo com beleza. A mestria com as palavras, a forma como o escritor nos destrói de uma forma luminosa chega a ser irritante. 

Senti muitas vezes, ao longo desta leitura, que este é um livro de excessos. Seriam mesmo necessários tantos episódios cheios de crueldade? 

Este livro está cheio de personagens geniais. Tristan entrou directamente para a minha lista de personagens favoritos. Este menino e a sua caixa de sapatos conquistaram-me.

Há quem diga que este livro conta uma história de amor, há quem destaque a música que se ouve em cada página. Mas eu li, acima de tudo, uma história de solidão. De como a solidão mata, de como a solidão destrói, de como se pode viver em solidão no meio de tanta gente, de como podemos ignorar a solidão dos outros, de como se vence a solidão. Solidão, Solidão, Solidão. 

Acho que este vai ser o meu livro favorito do AC (e a todas as pessoas que eu massacrei ao longo desta leitura só consigo dizer: eu não sou completamente maluca e continuo a achar que há aqui muita crueldade mas a história do Tristan conseguiu dar-me a volta...)

 

 

08
Dez15

Afonso Cruz - Para onde vão os guarda-chuvas‏ *

Catarina

* acho que tem spoilers

 

 

O Afonso Cruz partiu-me o coração em 596 páginas, em cada uma das frases, em cada uma das palavras, em cada uma das letras que compõem esta história. Não sei como deixei acontecer.

Parecia que sabia tudo deste livro, já rodou no meu clube de leitura, mas não houve spoilers, e quase toda a gente da Roda escreveu a sua opinião, que eu ainda não li e assim consegui ser surpreendida por tudo. Pelos títulos dos capítulos que são as suas primeiras frases (em todos menos no capítulo 77, porquê?). Pelas páginas iniciais coloridas, com desenhos de uma história de Natal, que dá o tom ao livro mas só o percebo quando o meu coração já está esfrangalhado. Pelas páginas pretas que são Azrael, a morte. Pelas imagens em páginas pretas. Pela quantidade de religião e perguntas, a sério, para onde vão os guarda-chuvas?. Pelo facto de ser uma história passada no Oriente, não sei porquê esperava uma aldeia perdida em Portugal. Há muçulmanos, um hindu, um cristão ... quase dava para uma anedota mas nada neste livro nos faz rir, há medo, violência e tristeza.

É realmente um tapete com centenas de fios entrelaçados como a vida das pessoas umas nas outras. Bibi “que não tapava os cabelos e andava com eles soltos como pássaros”. Badini o primo poeta que era mudo, quando tinha 7 anos “o pai fê-lo engolir as palavras todas”. Aminah de dentes desalinhados que queria casar com um homem de olhos azuis como o Paul Newman. A Morte, que tem vários nomes, gosta de azeitonas, xadrez e é uma sentimentalóide. Fazal Elahi dono da fábrica de tapetes que andava sempre a olhar para o chão para passar despercebido, “gostava de ser como as paredes”. Salim filho herdeiro de Fazal Elahi, que gostava de correr de braços abertos a fingir ser um avião, é morto por soldados americanos. Isa o miúdo americano adoptado por Fazal Elahi. Ilia Vassilyevith Krupin, general russo convertido ao Islão, muito mais assustador que a morte, violento, queria fabricar mesquitas voadoras. Dilawar de olhos azuis, fraco, filho do general russo. O padre a quem Fazal Elahi pede para ensinar Isa a ler porque o miúdo também é cristão. Nachiketa Mudaliar, hindu apaixonado por Aminah, muçulmana. Gunnar Helveg o estrangeiro que faz pesquisas sobre os dervixes ladrões. Os dervixes ladrões que dizem “nada neste mundo se faz sem roubar, para conseguir alguma coisa temos de privar algo ou alguém dessa mesma coisa”.

O primo Badini que é mudo mas diz as coisas mais verdadeiras e acertadas e o indiano persistente são as minhas personagens preferidas e a parte quando Aminah leva Isa ao mercado, não é a mais violenta mas é, para mim, a mais desumana.  

Senti nesta história que nada é dito, feito ao acaso, tudo caminha para o que achamos ser o fim esperado, tanto ouvimos falar nas escadas íngremes que finalmente também as escadas fazem parte da história e depois, no final, esse não é o fim.

 

É brutal, maravilhosamente bem escrito e muito mais do que eu consigo aqui escrevinhar.

 

 

“O universo é equilibrado, tem é um equilíbrio muito delicado, extravagante, pois a parte má é muito maior do que a boa”

 

O destino tem muitas caras. O pescador tinha uma filha e vendeu-a. Era assim que começava o filme a que Aminah fora assistir”

 

“34. Disse Ali: Não é a falta de pessoas à nossa volta que faz a solidão. São as pessoas erradas ”

 

“É muito simples, como são todas as soluções, no worry, no hurry, chicken curry. Quando são complicadas, são complicações, não são soluções."

 

“Nachiketa fez as compras todas, passou pelo templo de Girijashankar, mas não se atreveu a oferecer mais do que água e flores do campo. Merda para os deuses, o macaco do Hanuman e o probóscide do Ganesh e mais o maricas do Krishna, Pediu apenas para ser feliz, nada mais, que um homem quando quer chegar ao seu destino, pede isso mesmo, não pede rodas para a carroça.”

 

“- No outro dia perguntou-me se o Deus dos muçulmanos era o mesmo Deus dos cristãos, e eu disse que sim, claro, são o mesmo, Isa só há um Deus, se fossem diferentes era porque havia dois e isso é uma blasfémia. E ele disse-me, mas, baba, se o Deus dos muçulmanos e o Deus dos cristãos é o mesmo, porque é que os muçulmanos e os cristãos são inimigos? Peço perdão, disse eu, não são inimigo. Não são?, perguntou ele. É complicado, disse eu, e mandei-o subir para o quarto, que já eram horas de dormir."

 

“É preciso mudar o destino e não deixar que a tragédia volte a vencer, é preciso que fiques e que este ano não partas em peregrinação, peço perdão, precisamos de ti, sim, precisamos.

                                                               -É difícil mexer na vida

                                                               esperando mudá-la para melhor,

                                                               uma mudança aqui

                                                               faz uma tragédia do outro lado,

                                                               é como quem puxa um lençol

                                                               para tapar o peito,

                                                               destapando os pés,

                                                               é como o homem que foge do lobo

                                                               para encontrar um urso."

 

“65d. Não estamos a fazer a pergunta certa se a nossa pergunta tiver reposta”

 

 

 

 

28
Out15

Flores, de Afonso Cruz

Patrícia

 

O que farias para salvar o teu livro preferido? A que sabem os vossos beijos? Consegues imaginar um futuro de silêncio? Nós temos um cravo como símbolo da liberdade e da revolução, mas poderá uma simples flor criar uma tal onda que provoque uma revolução?
 
Esta é a história de um homem que perdeu o passado e o futuro. E é também a história de outro homem que perdeu o presente, que se perdeu no seu presente, e que acaba a tentar encontrar o passado do primeiro homem ajudando-se mais a si que ao outro. Ou é talvez a história de uma menina que por amor incondicional a um amigo improvável acaba por aprender a perdoar. Ou a história de uma mulher que com uma flor mudou, sem saber e durante algum tempo, o rumo de gentes. Ou a nossa história no mundo, um grito de alerta, uma chamada de atenção para que vejamos a paisagem, para que não percamos a cena completa por estarmos muito próximos das coisas*. 
 
Com uma critica social e política tenebrosamente certeira, com histórias dentro de histórias (ou talvez ao redor das histórias, nem sei) Afonso Cruz conseguiu fazer-me rir e (quase) chorar.
 
É o terceiro livro de Afonso Cruz que leio e sei como toda a gente adora o "Guarda-Chuvas" mas este Flores é o meu livro de AC. Apanhou-me de surpresa, enganou-me, enredou-me e encantou-me. Sou um bocadinho egoísta em relação aos livros: digo muitas vezes que me importa mais o que eu sinto e percebo de um livro do que aquilo que o escritor realmente quis transmitir. E aqui, com este Flores, isso não podia ser mais verdade. Até posso não ter percebido o que o escritor quis transmitir mas o que recebi foi tanto que isso chega. Por isso não tenho dúvidas que este vai ser o meu livro do ano. E que o vou reler muitas vezes (apetece-me começar a lê-lo outra vez). E depois do final dos Guarda-Chuvas, fiz finalmente as pazes com o Afonso Cruz.
 
 
* Frase roubada e adaptada duma certa página deste livro...



25
Jul14

Jesus Cristo bebia cerveja, de Afonso Cruz

Patrícia

 

 
 

Rosa, alentejana tem uma avó velhinha, com mais juízo que mobilidade. Rosa tem um namorado pastor e uma série de apaixonados (ou viciados nalgumas partes da sua anatomia, pelo menos). Rosa quer concretizar o sonho da sua avó e levá-la a Jerusalém mas não tem dinheiro para isso. O professor Borja, fascinado pela Rosa e por muito querer também a quer ajudar, tem uma série de ideias que implicam levar Jerusalém até à avó de Rosa, já que o contrário parece impossível.

 
Num tom divertido (a quem mais lembraria transformar o “O avião” – quem já não se lembra de semelhante bar de strip? – num avião a sério ou,vá, mais ou menos a sério? Juro-vos, dei uma gargalhada nesta parte) a história de Rosa vai correndo, contada ao sabor das pedras, que tal como num rosário, marcam a vida desta moça. Página atrás de página, conhecemos um rol de personagens interessantes, as suas motivações, as suas pancadas (e há tantas, por aqui), as suas esperanças. E não podemos deixar de pensar que tanto ficou por dizer, que tanto ficou por pensar, que, se às vezes os fins justificam os meios, noutras alturas as coisas não são bem assim. Não podemos deixar de questionar os sentimentos, de esmiuçar o amor, a amizade.
 
É sempre bom ler Afonso Cruz. Difícil é escrever sobre um livro quando temos sentimentos contraditórios. Tal como no “Guarda-chuvas” há uma nota de desesperança neste livro. O certo é que não estraga, de todo, o livro, na verdade até o torna humano, real. Por isso, se não conhecem o autor, shame on you, vão lá a uma livraria à procura dos seus livros e depois venham cá contar-me o que acharam.
02
Fev14

Jesus Cristo Bebia Cerveja de Afonso Cruz

Catarina
Aviso já que este post tem “estragadores”. Querem saber se o livro vale a pena? Sim! Vão lê-lo.
Gostei de tudo neste livro, da história, da forma como está escrita, da personagem principal a Rosa, da capa e também do autor que, ao vivo e a cores, é um contador de histórias espectacular, fiquei fã e com vontade de ler todos os outros livros dele.
A maneira como é descrita o primeiro encontro dos pais da Rosa, a mãe uma arqueóloga e o pai um homem do campo alentejano é bem boa. A comparação das mãos do pai da Rosa, mãos cheias de alfaces plantadas e de açoites nos cães, com os dedos das mãos dos ex-namorados finórios da mãe que eram como os seus cabelos molhados acabados de lavar, é uma maravilha.
Todas as personagens têm a sua história. O professor Borja e o caseiro Rato que têm uma guerra aberta por causa do muro branco pintado com versos a preto. O Alípio que serve como o tonto da aldeia. O padre que gosta de apanhar açoites no rabo. A inglesa ricaça e esquisita, Miss Whittemore, que dorme numa cama feita da ossada de uma baleia. O pastor Ari que gosta da Rosa desde que são miúdos mas que temos logo ali a sensação que não vão acabar juntos.
A Rosa, uma miúda pobre do Alentejo, que guarda pedrinhas apanhadas nos bons e nos maus momentos e as chupa como rebuçados quando se quer lembrar desses momentos, a miúda que lê livros de cowboys que eram do pai e que tem de ir trabalhar para a casa de uns senhores ricos para sustentar a avó já velha e doente. A avó Antónia que quer, antes demorrer, ir visitar Jerusalém. Rosa como não tem dinheiro para a viagem resolve trazer Jerusalém ao Alentejo com a ajuda de todos da aldeia incluído a meretriz do bordel, em forma de avião, lá do sítio.
A casa de Miss Wittemore é decorada para ser o centro de “Jerusalém” e é aqui que tudo acontece. Há uma reconstrução da última ceia e ficamos a saber que Jesus Cristo bebia cerveja que é o pão líquido. O professor parece que vai pintar o muro e deixa Alípio no seu lugar, o pastorAri vai matar o professor que anda a dormir com a Rosa mas encontra o Alípio, e afinal o professor vai escrever no quarto da inglesa e a Rosa que está grávida mata os dois, a inglesa e o professor e diz a todos que foi o professor que matou a inglesa e depois se suicidou. Estava calmamente a ler uma história sobre uma miúda do Alentejo ...

 

O único senão que encontrei foi o fim da Rosa. Não que ache mal ela ter terminado como prostituta em Lisboa, morta aos 40 anos de uma doença venérea, sozinha, porque a vida é mesmo assim uma treta e depois morre-se. Ao menos podia ter sido a prostituta mais conhecida de Lisboa com o seu próprio bordel em forma de Saloon só para ligar com os livros das histórias de cowboys que lia quando era cachopa.
29
Dez13

Para onde vão os Guarda-chuvas, de Afonso Cruz

Patrícia

***ATT SPOILER ALERT (depois não digam que eu não avisei)

 

 
 
Caro Afonso,
Deixa-me desabafar: vai-te lixar, ok? Que raio de final é este? Juro-te que me sinto quase traída com este final. Mas no que raio estavas tu a pensar? Isto lá é coisa que se faça a alguém? Não sei se alguma vez te vou conseguir perdoar.
Nestas alturas gostava de conseguir achar que Isa escolheu bem e que não se deixou enfeitiçar pelo amor (olha que raio de parvoíce escrevo eu!). Gostava de acreditar que o instinto de sobrevivência,que todos temos, prevaleceu e a necessidade de viver se sobrepôs à necessidade de ser amado e querido e de ser, finalmente, visível.
Gostava de bater em que precisa de perder para encontrar, em quem cede ao preconceito, à maldade, em quem não vê o que está à frente do seu nariz. Em quem busca sonhos impossíveis e que com isso deixa passar a possibilidade de sonho que está à sua volta.
Afinal, para onde vão os guarda-chuvas? Sabes, ninguém os perde mais do que eu. Não pude deixar de imaginar que um dia vou encontrar os meus, os que perdi (e sabe Deus que foram muitos) com alguns dos meus guarda-chuvas fugidios.
Ok, eu sei o que é uma metáfora, uma fábula, uma parábola, sei essas coisas todas, mas mesmo assim tenho alguma dificuldade em transformar as tuas personagens em minhas e em decidir eu (sinto-me assim um bocadinho fraude mas o pior é que a minha decisão é precisamente o contrário da que gostaria que fosse).
E há algumas folhas, ter-te-ia dito que este livro é fantástico, que me sinto reconfortada e que adorei  a forma como misturaste culturas, religiões e depois as reduziste à simplicidade do amor. Podes ser cristão deste que sejas um bom muçulmano. Há umas folhas dir-te-ia que gosto de acreditar, aliás escolho “crer” e, também por isso, gostei de tanta coisa neste livro. Os fragmentos persas são fabulosos. A história da pulga da pulga da pulga captou a minha atenção e fez-me rir.
Há umas horas dir-te-ia que amei o cuidado com as imagens, que o jogo de xadrez me interessou e me fez sorrir (e logo eu que, que nem sequer jogo xadrez), que vi cada página diferente, cada tipo de letra diferente. Que este é um livro para se ler e se ver (mas se um mudo pode falar em poesia, qual é o problema de apreciar um livro sem sequer precisar de o ler?).
Mas agora, Afonso, agora estou demasiado zangada contigo para te dizer isso tudo. Porque não estava preparada para este final.
Mas, apesar de ainda estar zangada contigo (esta carta tem sido escrita aos bocadinhos) tenho que te dizer que este é um livro para nos fazer pensar. Suponho que cada leitor o leia de forma diferente (e alguns de uma forma que nem tu próprio consegues imaginar) e a verdade é que poucos livros têm o poder de nos atingir desta forma. Falar de morte e de perda, de bondade e de amor, de maldade e ódio, de discriminação e preconceito de uma forma doce e bonita não é para todos.
E por tudo isto, Obrigada.
Mas aquele final, Afonso, aquele final....
Encontramo-nos num próximo livro
Patrícia

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