Desenfreadamente
Lembro-me de me aninhar no vão da janela (a minha casa tem paredes de um metro de espessura) a ler um livro. Ou de me sentar num cantinho no fim do dia de Natal a ler um dos livros-presente que tinha recebido enquanto o resto da família tagarelava. E de, no colégio, pôr um livro atrás de outro livro para que as freiras não me apanhassem a ler em vez de estudar. Lembro-me de passar dois dias enfiada no quarto da minha prima, na casa da minha avó, enquanto devorava os três volumes de O Conde de Monte Cristo. Lembro-me de sair da sala de aula e de me sentar nos sofás da receção da escola em vez de ir para a sala de convívio enquanto andava a ler As Brumas de Avalon. Levei três dias, enfiada em casa, enquanto lia a trilogia de Sevenwaters. E tantas vezes cheguei atrasada ao café, ou às aulas ou à vida porque tinha mesmo que acabar de ler aquele livro – e naquela altura nada era mais importante que isso.
Tenho saudades de ler um livro dessa forma. Desenfreadamente
A última vez que me aconteceu foi com o segundo volume da trilogia Mistborn, de Brandon Sanderson.
E a verdade é que apenas a fantasia me faz mergulhar dessa forma num livro. E os romances históricos (ia indo à falência quando andava a ler a saga “O primeiro homem de Roma” da Colleen McCullough) mas menos que a fantasia. Porque a fantasia é especial. Mergulhar num mundo diferente, confortável nas palavras, que nos permite ser tudo, ir a mundos não existentes, conseguir o impossível.
E tenho tantas saudades de querer ler assim (mais do que poder, porque na verdade estou com tanto trabalho que não posso) que ontem me tive que disciplinar para não comprar um livreco de fantasia que estava à venda no quiosque do local de trabalho.
Porque a verdade, verdadinha, é que o mais maravilhoso de tudo é ler o tipo de livro que não conseguimos largar até acabar. E eu tenho muita inveja de quem consegue fazer isso com um livro com uma qualidade estrondosa, com um Saramago, um Lobo Antunes ou Agustina. Eu, que sou mais prosaica e por muito que goste de ler livros que me desafiem, só consigo fazer isso com uma boa história. E a fantasia é o meu (not so) guilty pleasure.
(na verdade isto é apenas uma desculpa esfarrapada para ir comprar mais uns ebooks do Sanderson)