Fahrenheit 451 - Ray Bradbury
Não sei de quem foi a ideia peregrina de ler este livro na versão brasileira, pois é... se calhar fui eu que me entusiasmei com o facto de ser só um euro numa Sebo de Curitiba.
A verdade é que me estava a enervar o facto de, ao ler o livro, só imaginar uma série de TV com “dublagem Herbert Richers”. Não estou a dizer que a tradução brasileira não seja boa, é com certeza, mas neste caso não é para mim.
…
Empunhando o bocal de bronze, a grande víbora cuspindo seu querosene peçonhento sobre o mundo, o sangue latejava em sua cabeça e suas mãos eram as de um prodigioso maestro regendo todas as sinfonias de chamas e labaredas para derrubar os farrapos e as ruínas carbonizadas da história. Na cabeça impassível, o capacete simbólico com o número 451 e, nos olhos, a chama laranja antecipando o que viria a seguir, ele acionou o acendedor e a casa saltou numa fogueira faminta que manchou de vermelho, amarelo e negro o céu do crepúsculo.
… enquanto os livros morriam num estertor de pombos na varanda e no gramado da casa.
Encontrado o mesmo livro em versão original, releio desde o princípio e é como se fosse um livro diferente logo à primeira página, até me chamuscou as bochechas.
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With the brass nozzle in his fists, with this great python spitting its venomous kerosene upon the world, the blood pounded in his head, and his hands were the hands of some amazing conductor playing all the symphonies of blazing and burning to bring down the tatters and charcoal ruins of history. With his symbolic helmet numbered 451 on his stolid head, and his eyes all orange flame with the thought of what came next, he flicked the igniter and the house jumped up in a gorging fire that burned the evening sky red and yellow and black.
... while the flapping pigeon-winged books died on the porch and lawn of the house.
Confesso que sempre que leio clássicos fico com um pé atrás mas este, ao contrário de outros (desculpa Kerouac, desculpa Joyce), não me deixou ficar mal. Embora tenha sido escrito há mais de 60 anos a forma como está actual hoje em dia é maquiavélico e assustador. Se o autor não conseguiu imaginar os telemóveis e ainda fala em cabines telefónicas, imaginou as caixas multibanco, o desaparecimento dos jornais escritos em papel, continuação de guerras e os ecrãs gigantes em cada casa, a estupidificação das pessoas com programas rasca continuamente a passar nesses ecrãs.
A escrita é vívida, transporta-nos na história, o calor de tantos livros queimados aquece-nos e faz-nos ter medo. Seguimos o bombeiro Guy Montag na sua evolução de queimador de livros para fugitivo possuidor de livros e no final, a forma encontrada para fazer persistir os livros, senão na sua forma original mas numa alternativa, é muito engenhosa.
Conseguem imaginar? Se todos os livros fossem queimados da face da terra?